Não é que isto tenha interesse. Quer dizer, não a
historiazinha em si. O que tem interesse, para mim, é faltar ainda uma hora
para aterrar o avião em que sigo e eu puxar do computador para ver se sou capaz
de fazer um texto antes de pousarmos no chão.
Ontem já o sol tinha descido abaixo do horizonte e deixado
de breve herança uns braços azulados por cima da cidade, paro o carro na
estação de serviço e dirijo-me sozinha ao edifício para fazer o pagamento
prévio do combustível que pretendo consumir. Como é muito costume nestes lugares,
está uma fila de pessoas unidas pela intenção de pagamento prévio, atrás das
quais eu me posiciono, cada um terá a sua vez. Quando já falta pouco para a
minha, ouço a mulher espanhola ali à frente dizer à funcionária da estação de
serviço, “es el carro azul” (não disse coche, disse carro). Assim é identificada
a bomba de onde vai sair o combustível para o carro azul, a combinar com os braços
herdados do sol, após o pagamento prévio estar concluído. Nesta estação de
serviço as pessoas têm de pagar previamente os combustíveis que hão de
consumir, situação mais do que agradável, acho até bastante fofinha, já que assim
ficamos todos livres de, uma vez o carrinho atestado, e quiçá fruto dos vapores
à base de combustíveis fósseis, nunca mais ganha a eletricidade esta guerra,
mas já não falta tudo, ai que confusão, se não me despacho daqui a pouco ainda
mandam fechar os electronic devices
que vamos aterrar, uma vez atestado o carrinho, dizia, a gente vai-se embora
todos lampeiros e cheios de potência no carro e esquecemo-nos de proceder ao
pagamento, falha que ninguém quer cometer. A nossa espanhola está agora a
debitar os seus números de contribuinte, não sei onde contribui ela, mas que os
disse, disse, dos, ocho, cuatro, uno
e tal, não vou dizer os outros que é aborrecido para a senhora, já basta contar
ao mundo que ela tem um carro azul. A funcionária registou tudinho, um a um,
compreendeu o espanhol, uma lindeza aquilo, quem é o português que não
compreende espanhol?, nenhum, esteja onde estiver o português compreende o
espanhol, já o inverso não se verifica, mas adiante, paciência, a operação quase
terminada, a espanhola arrumou a carteira, parecia mesmo o desfecho todo quase
ali, vamos lá embora, não fosse ter a espanhola levantado a mão direita, sacudindo-a
ligeiramente no ar, os dedos abertos, e dito guante? Mas por esta não esperava
a funcionária, que devia achar aquilo ser um adeus, boa tarde, disse, porém a mão
espanhola no ar, guante? outra vez. Ao
terceiro aceno de guante, boa tarde,
próximo por favor, coitada da funcionária, a mão espanhola já a afrouxar,
ela vai desistir, mas estou cá eu, que tenho a mania de preencher as lacunas que
vêm ter comigo, e ligar dois fios para que dois entes comuniquem é coisa a que
não me nego, luva! levanto a minha voz o suficiente para a funcionária ouvir e
digo luva, a senhora quer uma luva!
- Luvas?… ah… não temos. – a funcionária tão admirada como
eu, que sendo toda a favor da higiene, desde que sem exageros, nunca meti
gasolina no carro com luvas.
A espanhola encolheu os ombros, deu meia volta e seguiu para
o abastecimento do seu carro azul sem luvas.
Consegui. Ainda sobrevoamos uma data de nuvens.