Se não tivesse vindo calhar ou-tra-vez na carruagem do
silêncio, não o teria quebrado ao correr o fecho da mala do computador,
rrrrrrr, para escrever este post que afinal ainda quis vir.
Mas quer dizer, é coincidências. É, singular, coincidências,
plural. E aposto que assim está bem muito obrigada.
A carruagem do silêncio, para além de mim toda caladinha, traz
um homem e um gelado Magnum, em que um vai comendo o outro, e traz também o
casal metade tatuado que vinha no mesmo voo que eu, logo na linha da frente. A
parte tatuada do casal, ele, fala português do Brasil e tem o olhar firme de um
homem que sabe o que quer todo o tempo completamente. Ela fala português
Europeu, parece que se diz assim, Europeu, que nós não vamos para Lusaexit
nenhum, e que se veja ela não tatuou ainda nada. Falavam, no avião, acerca das
tatuagens (dele). Apontando para os dedos, ele explicou que essas doeram.
Nos dedos. Nas mãos e nos braços não tanto. Mal sobrava pedaço de braço dele, escrutinei,
mas sobrava ainda o suficiente para ele esclarecer que ali mesmo, junto ao
pulso, vai fazer um padrão, que ainda cabe um padrão e ele gosta muito de padrões.
Ela ouvia, atenta. Para além das tatuagens e do olhar de quem não acomoda
dúvida nenhuma, ele tem alargadores nas orelhas. Aquilo faz-me uma impressão
muito grande olhar e quando sem querer olhei enquanto comia a sanduíche de avião,
tive de esperar um bocado antes de continuar a comer. Mas depois lá foi a
sanduíche, que em Português do Brasil é masculino, o sanduíche, por ali fora sem
tanto problema. Estou a ficar mais ao jeito bom, é o que é. Mas então agora vêm na mesma carruagem
do silêncio que eu, o casal metade tatuado. Só que eles na deles e sem fazerem o
silêncio qual quê. Claro que ignoram que esta quasi-velhota com um casaco maior
do que era preciso compreende muito bem os seus portugueses, o Europeu e o Americano, e lhes ouve a conversa sobre uma ida muito especial às Amoreiras e tal e tal.
Antes de fechar, anotamos que os caixotes do lixo em
formato de gaveta metálica desta carruagem do silêncio fazem tanto barulhão a
abrir e a fechar como os das outras carruagens. Quando o homem sentado à minha frente lá meteu, primeiro, o papel do Magnum de amêndoas que vinha a comer e, depois, o pau, é que
eu reparei.
Para alindar este final que ficou um bocado esquisito sem
querer, acrescentamos a doçura saudosa de a minha filha mais nova, em pequena, chamar “Guádadamendoas”
ao mencionado gelado.