a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

11/03/2022

Verde, com quadradinhos, e um coração tão grande

- Quando a guerra acabar, ensinam-me a utilizar isso no computador?

Nikolin é ucraniano, está há anos em Portugal e é dono de um modesto estabelecimento comercial. Há duas semanas transformou o estabelecimento em posto de receção e envio de bens para o seu país e em central de gestão de famílias de acolhimento e refugiados. Suspendeu o trabalho porque o espaço não dá para tudo.

- Mãe, estas pessoas têm um coração tão grande!

Muzi, a minha filha mais velha, ajuda na gestão dos bens que não param de chegar, na separação por tipos nas caixas, ajuda no carregamento dos camiões disponibilizados por empresas diversas (até já gosto mais do Pingo Doce e da Margão), na organização da correspondência entre as famílias que acolhem e aqueles que vêm para cá fugindo desta inacreditável guerra.

- Isso o quê? – pergunta Muzi ao Nikolin.

- Isso aí que é verde, com quadradinhos…

- O Excel? Sim, claro que ensinamos!

- Eu mostro como faço as minhas contas…

Nikolin vai buscar uma pasta bem grossa.

- Faço as contas da loja nestas folhas, veem?

Veem, sim. Muzi e as outras voluntárias veem um monte de folhas com as contas muito bem dispostas, a organização a impressionar ali no papel quadriculado os seus olhos jovens mais habituados aos ecrãs. Ao telefone, altas horas da noite, a caminho de casa, a minha filha conta-me, em palavras rápidas e carregadas de emoção, como foi mais um dia de voluntariado.

- Claro que vamos ajudá-lo, mãe! Quando isto acalmar um bocadinho e conseguirmos ter tempo, vamos ensiná-lo a fazer as contas no Excel. Ele tem um computador velhote na loja, mas nem o sabe utilizar…

E, claro (como não?), repete:

- Mãe, estas pessoas têm um coração tão grande!

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