Levaste duas cadeiras, chamaste-me. Eu levei o café para nos saborear a conversa. Era o nosso mundo, uma vez mais.
E uma vez mais antes de eu partir. Tu e eu, um pouco de tempo, ainda, antes de o comboio chegar. Com sol. Nesse dia estava sol.
Cada segundo que é nosso fica impresso na minha alma, desde o primeiro momento em que te vi. É uma foto, mais uma. E outra e outra, fotos do álbum da nossa vida. E tu deixas. Deixas-me ser assim.
Sorris quando te mostro a colecção de pérolas que vou fazendo contigo. Todas coladinhas, postas por ordem, sei a data de cor, tu já não te admiras. Sorrio a cada gesto teu e digo-te que quero viver duzentos anos contigo. Sem ter de partir. Tantas vezes.
Bebi o café muito devagar para alongar o nosso momento. Tentei empurrar a chegada do comboio para um instante mais longínquo, pouca terra. Talvez seguisse sem mim. Só desta vez.
Tu falavas. Contaste-me como construíste a tua casa. Mostraste-me as pedras envelhecidas do teu jardim. Foste tu quem as colocou lá, há tanto tempo. Levaste muitos dias, mas ficou lindo, olha.
Não venhas, comboio.
Vi a tua sobrancelha tremer, tão ao de leve, de emoção contida. Só porque eu te disse: que bonito é o teu jardim!
Pouca terra.
Ia deixar-te. Deixar-te entregue às pedras do teu caminho, ainda acredito que te protegiam. Conheciam-te bem, podiam acompanhar-te na minha nova ausência.
Ainda não aprendi a ser livre, meu amor. Para deixar o comboio seguir sem mim, ficar.
Pouca terra.
Ou nenhuma, já nem sei a qual pertenço. Era à minha, ou é à tua? Adeus, amor. Deixa-me limpar as lágrimas, as tuas, as minhas, todas caem nesta terra. Pouca. Lá vou eu.
Recebi hoje a foto que tiraste ao jardim, já sem nós. Mas ainda com sol. As pedras ficaram lá e o caminho desenha os nossos passos. Mão na mão, foi o que disseste?
E eu, que hei-de fazer? Escrevo-te de novo, nada mais faço sem ti.
Enquanto espero pelo comboio de regresso, colo a foto no nosso álbum.
Que tal aqui?