08/05/2013

Hermann Hesse

Adorava ser cientista e publicar imensas coisas, artigos. Científicos. Sobre curas, sobre soluções, encontrar respostas. Tentei enveredar por aí, mas o fluido da vida no qual me sentei ao nascer levou-me por outros caminhos.

Por enquanto.

Bem invoco o Hermann Hesse. Escritor de origens germânicas e Nobel da Literatura na década de 1940, escreveu, em Demian, um dos motes que adoptei para mim e que inscrevi no fluxo vivo em que me instalei. Diz ele qualquer coisa assim: eu queria viver exclusivamente o que de espontâneo brotasse do meu íntimo. Lindo, não é?

Imbuída deste espírito de espontaneidade exclusiva e ponto final, andava pelos vinte anos de idade e pelos laboratórios da universidade onde estudei a física das coisas. De muitas coisas (quem me dera todas).

A ideia era retirar o ar de dentro de uma câmara até conseguir obter o vácuo, ou seja, nada. Para isso estava operacional uma bateria de bombas - de vácuo - que actuavam à vez, em género estafeta, primeiro tu continuo eu. Em trabalho de equipa irrepreensível, sugavam devagarinho mas persistentemente toda e qualquer molécula que se quisesse ainda agarrar às paredes interiores do seu casulo de aço.

Verdade seja dita que retirar todas todinhas as moléculas de ar lá de dentro era  - ainda é? - tarefa impossível. Algumas, poucas, tinham mesmo de lá ficar, não havia bomba que lhes vencesse a teimosia.

A tarefa tinha sido já tentada por diversas vezes lá no nosso laboratório científico, pois as experiências estalavam de impaciência para se iniciarem. No entanto, por mais que tentássemos, havia sempre impurezas penetra que se metiam entaladas nos anéis vedantes das janelas da câmara. Nem Saturno com a sua experiência anelar nos podia valer e o vácuo não se fazia ao ponto que pretendíamos. Havia fugas pelas impurezas metediças e nada de vácuo inter-estelar; era este o que nós perseguíamos.

Após uma semana inteirinha de sugação ininterrupta, as bombas trabalhadoras conseguiram deixar dentro da câmara espaço suficiente para a nossa experiência científica. Mas ainda não me tinham dito nada. As safadas. Nem a mim nem aos professores que pacientemente me orientavam naquilo.

Entrei no laboratório e dirigi-me aos manómetros para mais uma vez verificar a pressão na câmara. Lá estavam eles, mas hoje a sua notícia era diferente das outras vezes todas. O quê?! Não acreditei logo. Esfreguei os olhos. Mesmo para os meus vinte anos de optimismo aquilo era demasiado.

Demasiado, mas verdade. Tínhamos mesmo atingido o vácuo inter-estelar!!!!

E foi então que a onda de espontaneidade que o Hermann Hesse me ofereceu se pôs em marcha directamente do meu íntimo e soltei a minha imensa alegria. Lancei-me - não sei dizer como - em direcção aos manómetros da boa nova e a todo o equipamento circundante, para verificar com as mãos o que os meus olhos me diziam. A todo o equipamento circundante, incluindo a válvula de entrada de ar.

De entrada de ar.

pssssssssssssssssssssss

Não, eu não fiz isto.

Fizeste, diziam os manómetros. E desta vez nem me deram tempo de esfregar os olhos.


De regresso à pressão atmosférica estava o interior da nossa câmara. E eu sem ar nos pulmões, o vácuo mudou-se para aqui, ai agora.

Informar a equipa orientadora sobre o resultado da minha espontaneidade, era a minha próxima tarefa.

Voltar a desmontar tudo, substituir os anéis vedantes (não havia outra forma, era mesmo assim) e tentar de novo - quantas vezes mais? - era a tarefa das próximas semanas. As experiências tinham de continuar à espera.

Feitas as contas, caro Hermann, espontaneidade sim, mas com limites. Digo eu.

No entanto, há quem pense como tu. Não sei se esta música a chegaste a ouvir. Se não, talvez a oiças agora e gostes dela.


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