21/10/2013

Roménia

O voo da TAP vinha a abarrotar, é o overbooking, disseram.

A confusão, amiga do overbooking, também veio. A bagagem de mão não cabe nas bagageiras do costume, as hospedeiras esforçam-se por enfiar sacos e mochilas nos (lá vamos nós outra vez, que palavra linda) interstícios entre os bancos e tal, e a coisa, após discussão, olhe aqui, veja ali, gente nervosa, queixas e suspiros, lá vai. Elas, as hospedeiras, mantêm o seu sorriso maquilhado sem perturbação, que é factor admirável. E resolvem tudo.

Já eu estou sentada no meu lugar, a encetar a leitura de viagem, quando sou abordada por uma passageira que, vítima do overbooking, calhou num lugar ao meu lado mas longe do seu companheiro. Pergunta-me se viajo sozinha. Sim, viajo sozinha. Então não se importa de trocar, é que nós queremos estar juntos e ele, apontou para o companheiro que vinha a evoluir pelo corredor, a custo, espremido entre malas que ainda não tinham entrado nas bagageiras já cheias e braços levantados a empurrá-las, a empurrá-las, lá vinha ele, a sorrir solicitante, para complementar o pedido, e ele, dizia, ele ficou num lugar la à frente.

Acedi, claro, não perco uma oportunidade de ajudar a tornar o mundo (meu ou dos outros, o mundo é o mesmo) um bocadinho melhor. Fecho o meu livro, pego nas minhas coisas e levanto-me.

Mas antes de iniciar caminhada contra a corrente e dirigir-me ao meu novo lugar, lá à frente, mesmo na fila um, fui obrigada a ir ao fim do avião até todos estarem instalados, e só depois, finalmente, percorrer o seu comprimento até me poder sentar.

Sento-me. Ao meu lado, dois compinchas da música conversam.

Passa a oferta de revistas, é a Visão, é a Sábado, aceito a primeira, sempre compensa a falta de serviço de refeição que acabam de anunciar, agora na TAP é assim, há gente a menos e por isso não há serviço, a malta fica com fome se não se previne. Eu não me tinha prevenido. Aceitei a revista, pronto, para ler em vez de jantar.

Os meus vizinhos de assento conversaram toda a viagem, toda, sem uma pausa. Admirei-lhes a abundância de tema, estive a um passo de os cumprimentar por isso. Mas não o fiz.

Em vez disso apurei os ouvidos para lhes roubar a ciência que trocavam, e mesmo na baixa pressão da cabine, em que o som se propaga com mais custo, apanhei esta tirada, que para mim é novidade.

Na Roménia uma música tem que ter no máximo três minutos e dez, três minutos e quinze, máximo, e nos primeiros trinta segundos tem de rebentar, senão já não dá. Mercado totalmente permeável à música dos meus companheiros, segundo eles. Bom presságio para o futuro que traçavam.

Faltou neste voo ordem na arrumação das malas, faltou um tripulante e faltou o serviço de refeição e de vendas a bordo (serviço totalmente inútil, podia faltar sempre), mas a estes dois amigos não faltou conversa. Nem conversa, nem entusiasmo que é coisa que nem sempre se regista assim, com esta facilidade e só porque mudei de lugar.

A propósito, isto do overbooking faz-me pensar. Onde andará a crise?

Será que foi meter o nariz na Roménia e ditar-lhes o formato temporal das músicas?

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