Tenho, junto à janela da cozinha, um casal de canários.
Fruto de um momento de fraqueza em que me vejo sucumbir aos olhos redondos muito brilhantes e aos corpos saltitantes das minhas filhas, sim, mãe, vá lááááá, não pude nesses tempos idos resistir a tanto charme, estas aves já fizeram parte de uma meia dúzia de natais.
O tempo desatou, portanto, a passar e as minhas irresistíveis filhas, natal após natal, primavera após primavera, carnaval após carnaval, foram desviando os seus interesses em outras direcções como o voleibol, os amigos em doses industriais e muito urgentes, a arte de esvaziar frascos de shampô e condicionador de cabelo em dois dias, a habilidade de semear pela casa sapatos de ténis e meias, as séries da fox e o facebook.
Não se lê, no parágrafo anterior, qualquer menção às pequenas aves cantantes, confinadas, ao contrário da minha expectativa inicial criada pelos olhos brilhantes, suplicantes, os saltinhos de entusiasmo, o vá lá vá lá tão repetido e alguns outros truques, confinadas, dizia, aos meus cuidados.
Entre água fresca para o banho ao sol da manhã, uma tarde passada do lado de fora da janela a cantar para os pombos, uma fatia de maçã suculenta que entalo na grade da gaiola ou ainda uma quantia generosa de papa de ovo acabada de comprar, faz também parte da lista a tarefa de limpar, lavar, mudar a forra.
Não sendo nós, nesta casa portuguesa, com certeza, ai não, não somos, grandes consumidores de jornais e revistas em papel, não me resta mais que a publicação da ordem profissional a que pertenço e que me vem cá parar a casa porque costumo pagar as quotas, para fornecer umas páginas dedicadas a construções metálicas, eficiência energética ou à boa aerodinâmica de qualquer coisa que voa, para não falar nas entrevistas aos directores, assessores e presidentes do tecido empresarial industrial da nossa sociedade, fornecer páginas, era isso que tratávamos, para atapetar o fundo de plástico do lar do casal de canários.
E não é que, em plena recta final de 2013, altura em que o voo das avezinhas está afinadíssimo, o canto tem tonalidades de acústica estudada pelos melhores especialistas, as histórias cantadas aos pombos vão carregadinhas de ciência fractal e técnicas energéticas de espantar pássaros, mas não estes, e não é que, dizíamos, recebo de repente por correio electrónico, nada de papel, correio electrónico, um endereço para clicar, não custa nada, e o acesso à tal publicação faz-se a partir de agora online sem mais nem ontem?
Portanto, queridos canários, vamos passar às caixas de cereais com pouco açúcar, é que não os há sem ele, desmanchadas e espalmadas depois de lhes consumirmos o conteúdo.
Além de darem boas alcatifas para pássaros, também ensinam sobre as quantidades diárias de nutrientes recomendadas para adultos saudáveis, hã?
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