12/03/2014

Livro de gordos

Tenho um problema.

Não sei escrever um post pequenino, ajeitadinho, um post que caiba na palma de uma mão, que se meta no bolso ao fim da tarde e se leve para casa para reler no comboio e dizer ao jantar. Um post que se consuma em dois ou três segundos e que não consuma nada.

Coisa assim havia de me deixar à porta com o nariz a bater, os pés no capacho, sem chave para entrar e eu quero entrar. Enlaçar-me nos torneados das palavras, deitar-me na profundidade do seu significado, entrar noutra dimensão, de olhos fechados, adormecer, reduzir-me a um espaço sem tempo até conseguir penetrar no interior do momento. É aí que ele estica, o tempo, se torna profundo. Envolve-me, é à vez, na palma da sua mão e mete-me no bolso de um minuto ou dois do qual só saio depois de nascer outra vez.

Eu sou aborrecida. Não gosto de ir às compras, de parques de diversões nem de casinos, de festivais de rock, de conversas sobre moda, não frequento locais com muita gente sempre que posso escolher, não fiz festas de aniversário às minhas filhas nos restaurantes McDonald's junto de bombas de gasolina (o cheiro que ali habita far-me-ia vomitar, o da gasolina mesmo assim abre mais o apetite), não vejo novelas americanas, não uso malas a condizer com os sapatos, ou o cinto com o relógio, eu nem uso relógio.

E depois enleio-me nisto, solto as palavras que se formam cá dentro e às quais não sei dar sentido, que elas é que o encontram. Casam-se umas com as outras alinham-se em formatura e entregam estes molhos de brócolos de cor indefinida.

E não é que ando a pensar há tempos o que quererá a Clara Ferreira Alves dizer com "dar espessura às personagens"?! A Clara Ferreira Alves é das mulheres que sabe sempre tudo e dúvidas nem vê-las, determinada até sei lá onde que não a conheço pessoalmente e pessoalmente ela mete-me medo. Escrever um livro de gordos não deve ser. Mas se pergunto a alguém à mesa do almoço, desculpa lá interromper ó Zé, no trânsito depois de abrir a janela, o senhor sabe dizer-me, no comboio, ó se faz favor, no aeroporto, will you excuse me, ou no supermercado, ora diga-me lá, não me parece. Até já pensei telefonar ao dentista que tem lá tantas revistas na sala de espera e talvez soubessem, mas não. É capaz de não. É que sou aborrecida.

Será por isso que fico quase sempre sozinha?

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