14/04/2014

A Tertúlia

Saí da autoestrada na direcção do Cartaxo.

Tu sempre gostaste do nome Cartaxo e eu sempre desgostei de autoestradas. Uma coisa somada à outra deu nisto, vês?

Um nome envelhecido em barris feitos de uma árvore tão antiga que me faz esquecer que não quero seguir em frente, um nome assente num lugar onde vamos fazer uma pausa.

Cartaxo. Após um troço de estrada esburacada com curvas em piso ondulado pelas raízes das árvores velhas que se transformaram em barris para albergar o vinho.

A rua que nos acolhe não tem ninguém mas há casas dos dois lados. Umas casas, outras prédios que parecem encolhidos, gastos, nus de alegrias, tudo está velho, ou é de mim, que estou triste?

Estaciono numa perpendicular que desenho com vagar e saímos do carro. Uma senhora curvada e pequena passa por mim, olha-me. Não és de cá, dizem-me os olhos dela. Boa tarde, digo-lhe eu. Tu não dizes nada.

Caminhamos em silêncio, procuro a tua mão. Dirigimo-nos ao café que tem um toldo com o nome impresso. A Tertúlia.

Tu gostas de Cartaxo, eu gosto de Tertúlia.

Dentro, um ecrã grande pendurado na parede, junto ao tecto, a emitir o som que me traz os domingos cinzentos da minha infância, como detesto televisão! Quando se vive com a televisão, ainda se vive?

Apenas uma mesa ocupada. Duas mulheres velhas sentadas e uma que ainda está a crescer e que saltita em redor da mesa, a cantarolar. Depois pára e olha para mim. Não és de cá, pensa ela.

- Ainda servem almoço? - pergunto à senhora de bata de trabalho que está atrás do balcão a acomodar bolos na prateleira de vidro.

- Não, menina, almoços já não servimos. Desde que a polícia começou a multar os carros estacionados em cima do passeio, as pessoas não vêm.

Encolheu os ombros. Depois continuou.

- Mas temos bolos caseiros, olhe este, de nozes. Saiu agora do forno, ainda está quente. E este aqui também se vende muito bem, fiz hoje de manhã, é bolo mármore, vê?

Rodou o prato para me mostrar o contraste na massa, bolo mármore.

- Corte do outro, o de nozes, se faz favor. Duas fatias grossas.

- A menina não é de cá, pois não?

- Hoje sou. Tenho um buraco no peito e vou enchê-lo com o seu bolo. Uma fatia hoje outra amanhã, deve chegar. Sou de cá porque a estrada que me trouxe também tem buracos.

- Então venha mais logo, menina, estou a fazer bolachas de manteiga. São uma maravilha, é o que todos dizem. Até se esquece das tristezas, vai ver!

- Obrigada, tenho de continuar caminho.

Voltei ao carro, pousei o saco com as fatias de bolo quente no lugar onde tinhas vindo enquanto me consegui enganar.

No café "A Tertúlia" vive-se com a televisão e já não se servem almoços.

Mas fazem-se bolos caseiros. E eu vou continuar a procurar-te.

No Cartaxo não estás.

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