Quando eu era criança não gostava mesmo nada de grelos cozidos.
Os grelos cozidos vinham normalmente ao lado de peixe cozido. E de cenoura cozida.
O peixe punha-o a nadar em azeite até perder a sua candura azulada emprestada pelos laivos que sinalizavam a presença do ferro que te faz tão bem, Susana. A cenoura comia-a em bocadinhos muito pequenos, a ciência inclinar-se-ia para lhes chamar nano-bocados e eu não me oponho. Mas os grelos.
Os grelos era escurinhos e todos molhados no meu prato, o verde escuro é do ferro, também têm ferro, faz muito bem aos meninos, mas mamã, eu posso comer só o ferro do peixe, posso?
- De tudo. As meninas têm que comer de tudo.
Com a minha mãe não se brinca, portanto tratei de iniciar a composição da garfada enquanto apertava o nariz entre o polegar e o indicador da outra mão, e tentava afastar o pensamento de grelos com aquelas pernas compridas que se metem garganta abaixo enquanto o pé ainda descansa no garfo, a falta de jeito ainda morava comigo, inquilina da idade de então, que esse era o meu medo.
Nesse dia a minha mãe deve ter exasperado com a velocidade a que os grelos desapareciam do meu prato do almoço, já devia ser quase hora de jantar e eu naquele debate, aproximou-se, pegou ela no meu garfo todo lambuzado do azeite onde o peixe tinha boiado com o seu ferro muito tempo atrás, está visto que este ferro não é metal pesado, o peixe boiava mesmo, e meteu-me os grelos na boca com o jeito que só ela possui.
Milagre.
Aquela garfada de grelos era doce e não tinha pernas compridas nem me meteu medo.
Decidi que era magia, só podia ser. Magia de que só a minha mãe, que cheirava às flores todas dos campos todos e era a pessoa mais linda do mundo inteiro, era capaz.
Hoje estou ainda para saber o que se passou, estariam os grelos cansados de ser horríveis durante tanto tempo? O ferro era afinal metal pesado e já se tinha depositado no fundo do prato? Ou é leve e ter-se-ia evaporado?
Compro muitos livros, mas nenhum me explicou de onde veio aquela magia que transformou os grelos mesmo à minha frente.
E também compro chá. Para beber quando tenho frio ou quando é abril e o inverno continua agarrado a nós, esqueceu-se de sair.
Hoje escolhi o de caramelo porque gosto de caramelos mas não os como por causa da linha que já de si não é grande coisa.
O chá, apesar de ser de caramelo e ter uma fotografia de um exemplar em ponto grande semi-derretido na caixa, é mau. Péssimo, até.
A minha mãe é que agora vive longe e não me informou sobre o ferro do chá ou o magnésio ou outro elemento qualquer da tabela periódica, deixa cá ver, o estrôncio, que tem um nome sonante.
Se não já tinha esta noite outro milagre para contar e um post muito giro para escrever.
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