25/06/2014

Beijos meus

Não falava com ele há um tempo, talvez uns dois anos. Hoje ligou-me para o número fixo, em resposta ao meu email de ontem a pedir um orçamento.

Tenho ideia que nos tratávamos por tu. Pelo menos tenho a certeza absoluta que me cumprimentava com dois beijinhos, mesmo por cima da minha mão estendida em riste, cheia de esperança de ser apertada. Esta mania dos beijos em trabalho é muito esquisita para mim. Adiro com relutância, mas lá vou aderindo, sobretudo quando a relação de trabalho se deve manter sã.

Mas hoje liga-me, então, o Teixeira.

- Olá, estás bom? - por acaso reconheci-lhe a voz.

E ele muito formal, olá, como está? Há quanto tempo, não é?, e tal, essas coisas que se dizem antes de ir ao que interessa. Eu atalhei, urgi porque preciso agora de tentar outra vez o tu, a ver se é de mim ou se ele está distraído, vamos lá.

- Estás a ligar-me por causa do meu email de ontem, presumo.

- Exactamente, é que já tenho um valor e estou a fazer-lhe um desconto muito bom!!

Mau.

Vou insistir, tentar recordar o rapaz que isto era por tu, normalmente não se anda para trás, rapaz este que ainda por cima deve andar pela minha idade, é quase certo que sim, portanto mais uma razão, afinal aqui a esquisitinha costumo ser eu.

- Mas isso é óptimo, Teixeira, e em quanto consegues fazer?

Ele disse-me o valor e manteve-se na dele, você sabe lá e isto e mais um queijo e tome lá as novidades. Desatou a contar-me, então, muito entusiasmado, o rebranding que a empresa sofreu e que está na base dos preços mais atractivos, a juntar ao facto de terem feito também uma reorganização departamental.

Eu ainda estou na palavra rebranding, a digeri-la com cuidado, a tentar visualizá-la em português, tarefa não imediata, será disto que ele ficou assim?, quando aparece à porta do meu gabinete o Luís com o computador portátil nos braços a tentar dizer-me qualquer coisa, fazendo gestos exagerados com a boca, ou seja a falar sem emitir som, pareceu-me que cantava o "Upside Down" da Diana Ross e eu, caramba, mas que dois!

Como o desenrolar do rebranding continuava, tapei o bucal do telefone e gritei-lhe com o audio desligado, o quê, Luís??

O meu colega Luís tem por vezes umas manifestações repentinas do artista que há nele e eu detesto perder uma boa oportunidade para enriquecer a minha cultura, o Teixeria mencionava agora o website reformulado e portanto tomei atenção no Luís, que eu só oiço um canal de cada vez.

- Já te mandei o relatório, depois vê aí no mail, ok? - diz-me ele.

Ó filho, eu 'tou aqui no rebranding, era o que eu lhe queria dizer, agora que percebi que não havia Diana Ross nenhuma, nem upside down boy you turn me inside out, nem nada. Mas não disse, o Luís adora pôr a malta à prova e o que ele queria sei eu.

O Teixeira, entretanto, já estava na sua recta final quando sintonizei para o telefone outra vez, e pronto, como vê, houve grandes mudanças desde a última vez que cá veio.

Já engasgada e a ver se concluo a conversa sem definir o tratamento, remato.

- Muito obrigada, Teixeira, assim que puder respondo, sim? Foi um prazer.

Acho que me saí bem nesta parte, penso, portanto, ter metido golo.

E o Luís, o safadão, também. O que ele queria era provar que as mulheres não são nada capazes de fazer duas coisas ao mesmo tempo. E conseguiu, o cão.

Já o Teixeira, esse, não pense que leva mais beijos meus.

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