É a
terceira vez que me cai este botão. Das outras apanhei-o, devolvi-o ao sítio,
prendi bem a linha, dei mais voltas e cortei com a tesoura, que fica melhor do
que levar-lhe os dentes.
Mas
desta perdeu-se.
(o Alfa
Pendular percorre a lezíria, vamos a duzentos e vinte quilómetros por hora, noto)
Como não
uso o casaco salmão tostado sem botão, quando terminei de arrumar a loiça
dirigi-me ao armário onde está a minha velha caixa de costura.
Não
arrasto os pés, não apanho o cabelo nem uso chapéus, não fumo e não me importo
de coser botões. Na rua, alguém deposita garrafas no contentor do vidro no
momento em que abro a caixa.
Dentro
está um mundo de coisas pequenas e quase todas inúteis, desconfio que nunca
darei uso à parafernália de dispositivos e ferramentas de que disponho. Mas
preciso de um botão.
(o
comboio vai cheio, está uma linda tarde de sol e o computador aquece-me imenso
as pernas)
Nesta
caixa há muitos botões independentes, fruto dos cuidados das marcas de roupa
que pensam nestas coisas de a gente suspirar com o casaco fechado e lá vai o
botão; servem, as marcas, peças sobressalentes com o prato principal que costuma
ser um casaco, uma camisa ou mesmo uma calça.
(não
ponho o computador na mesa basculante disponível no comboio, porque fica muito
longe de mim e marreca perco a postura, é só isso)
Encontrei
o botão que me vai servir a próxima temporada neste casaco, estava dentro de uma bolsinha de cartão que traz a inscrição “just in case”. E devido ao feliz caso
de eu admirar a inteligência subtil das gentes que fazem estas coisas, esboço
um sorriso e pego na agulha, vamos a isto.
(estou a
ficar enjoada com os movimentos pendulares do Alfa aliados à verdade que vou
dizer: o meu almoço foi parco)
Começo a
coser o botão no local de onde retirei os restos de linha da vez anterior. Os
primeiros movimentos que me levam o braço na diagonal orientada a sul são
longos e lentos. O Tejo está lá em baixo a cuidar da cidade que mergulhou na
paz logo a seguir à queda da última garrafa no vidrão e eu tenho vontade de
ouvir um fado. Os alongamentos do braço a sul vão encurtando gradualmente com o
comprimento da linha e o crescer da firmeza da união que estou a criar.
(vai uma
miúda ali à frente a ler um livro do Tintim, nunca gostei do Tintim por causa
do penacho)
Termino
o trabalho dando ainda mais voltas ao remate a ver se desta o botão não se pôe
na alheta por dá cá aquela palha e com a tesoura de pontas corto a linha.
(enjoada
é favor e as minhas pernas a arder tanto!; talvez marreca ainda
mantenha alguma elegância, afinal)
Arrumo a
velha caixa de costura e de novo sem arrastar os pés, sem o cabelo apanhado,
sem chapéu e sem fumar, vou pôr um fado a tocar na aparelhagem.
Este casaco
salmão tostado assenta-me que nem uma luva ou, se dissermos cair, então é que
nem ginjas que me cai, é muito bonito e amanhã vou vesti-lo.
(estamos a chegar ao meu destino, fecho o computador)
O comboio pára e a porta abre-se. Coimbra está sob um céu de nuvens.
Antes de me apear, aperto o casaco salmão tostado. Just in case.
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