Hoje à tarde visitou-me uma vontade súbita de cozinhar à qual obedeci. Sopa de agrião que é a minha preferida de todas e uma lasanha de atum a pedido (eu antes queria ervilhas com ovos), e depois fui buscar um frasco de quatrocentos gramas de grão de bico cozido. Escorri o líquido conservador de propriedades de grão de bico cozido e deitei as bolinhas amarelo desmaiado sem as contar para dentro de uma taça (de que cor é a taça?). Com uma ferramenta de esmagar batatas e movimentos de cima para baixo, lentos, a arte de cozinhar ainda não se revelou para mim, mas sei que não quer nada com pressas e eu lembro-me disto à medida que baixo a ferramenta de esmagar batatas e pressiono os grãos, com jeitinho, ao mesmo tempo apercebo-me de que a oportunidade de os contar, a cada baixada, não download, baixada, esvai-se definitivamente, processo irreversível no qual nasce mais um pedaço de entropia, os grãos se esfumando ante os meus olhos castanhos de encantos tamanhos, ai não é, as cascas soltam-se dos interiores macios que se ligam entre eles com boa vontade, tanta que a transmitem à taça feita há muitos anos de um plástico amarelo gema de ovo (é esta a cor), ou seja, íamos na quarta ou quinta esmagadela de grãos agora continuamente desmaiados no seu amarelo único quando ao levantar de novo a ferramenta vem tudo atrás, é a união a fazer a força que vence a gravidade e eu já se sabe gosto disto, a ferramenta há-de ter um nome que não faz falta conhecer para que ela dê serventia enterrando-se docemente na massa de grãos com cascas à solta, também gosto de coisas à solta, mas ela soltar-se nada, é um daqui não saio daqui ninguém me tira, vem tudo acima agarrado à ferramenta já se sabe de quê, grãos em massa una e taça a dar-lhes colo côncavo, de forma que lhe deito outra mão a segurar os ânimos, separar os materiais, mas o que vem a ser isto.
Sem saber ainda que aquilo ia dar o maior parágrafo da minha vida, juntamos-lhe cinco colheres de sopa de flocos de aveia dos meus, que parecem incontáveis pedacinhos de papel de impressora de oitenta gramas por metro quadrado, ter deixado o blogue encher-se de pó dá nisto (ou foi o carro?), uma avalanche de ideias soltas que se atropelam, xô, portanto cinco colheres de sopa de aveia em flocos, vamos pôr uma colher de café de gengibre, filha, toma, substitui-se essa coisa que está na receita que eu não faço ideia o que é (não disse? a arte de cozinhar etc), e depois a abóbora.
Que não me seduz por aí além, mas a receita diz que sim, abóbora esmagada (claro), depois de cozida, junta-se ao preparado dos parágrafos precedentes. De qualquer forma estamos quase no fim, que só faltam as ervas que diz que são ervas verdes. Juro, ervas verdes, não estou a inventar, aliás eu invento muito menos do que parece. Reuni a comissão de opiniões e decidimos que ia ser salsa em pó e umas folhas de caril de um verde acastanhado (paciência) e também, naturalmente, esmagadas.
Agora frigorífico com a taça amarela gema de ovo e seu conteúdo para que durante a noite façam o que tiverem a fazer e amanhã hambúrgueres disto para o jantar, é uma receita vegetariana pois é.
Depois conto como foi. Os grãos não, esses não me lembrei de os contar.
(nota muito póstuma: para quem leu, dois posts atrás, a palavra "fluida" sem acento no i e fez "tss tss esta mulher não sabe escrever", queria informar que é propositado, eu cá detesto aquele acento no i e no meu blogue mando eu, mas como o Xilre inventou de escrever fluídos - por acaso acho que ele me anda a imitar - eu tive a boa ideia de fazer a nota muito póstuma)