28/09/2015

A primeira lição

Também o meu foi um dia longo. Mas ainda o vou esticar mais um bocado porque isto tem de ser escrito.

Tomei o pequeno almoço com o sol a nascer à minha direita e a televisão a dar as notícias à minha frente. Uma jovem estudante síria, de dezanove anos, que acaba de chegar a Portugal, é entrevistada: o que vem ela cá fazer, perguntam-lhe. Vem, diz ela, estudar engenharia civil para depois voltar à Síria e ajudar a reconstruir o seu país. 

Há pessoas que me entram assim coração adentro e nunca mais por muitos anos que viva, delas me esquecerei. Esta jovem vem aprender engenharia civil para ir reconstruir a Síria e quem recebeu a primeira lição fui eu.

Bem haja gente assim. 

(lembrei-me das incontáveis manifestações a que assistimos por este país fora: para mais salário e menos horário, para mais direitos e menos deveres, lembrei-me)

10 comentários:

  1. Ouvi uma vez, Mário Cláudio, dizer numa entrevista, já não consigo reproduzir as palavras exatas, mas a ideia era a de que o nosso país só ganhava músculo após uma grande catástrofe, ou um contratempo verdadeiramente sério, tinha sido sempre assim, deu vários exemplos. Um dos exemplos que deu, foi o terramoto de 1755, um acontecimento terrível, mas, o país arregaçou as mangas e fez o que tinha de ser feito para se reconstruir "enterrem-se os mortos, cuide-se dos vivos". Também disse que, obviamente, nem ele, nem ninguém, queria que voltasse a acontecer uma desgraça daquelas, mas, são elas que, muitas vezes, impelem para a ação e remetem para o essencial. Há que fazer, há que agir, porque não há tempo para andar a gemer, a chorar leites derramados. Em Portugal, existe gente a viver muito mal, é verdade, mas também é verdade que existem também redes de apoio, existem instituições que funcionam por muito que se critique, acho que sem a oportunidade de criticar muitos portugueses morreriam sufocados, mas, ainda assim, quando estivessem com falta de ar alguém chamaria o 112 e entravam diretamente para o serviço de urgências onde estaria gente que faria de tudo para que continuassem vivos. Enquanto isso, os sírios fogem para conseguir manter-se vivos. Sabem que não têm outro remédio, têm de agir, sabem que não vai estar lá ninguém para os amparar, não há tempo para gemer, têm de, primeiro, conseguir sobreviver, para depois, então, reconstruir. Os sírios estão sem direitos e sem rede. Os portugueses têm direitos e também rede, por muito que critiquem. A diferença, é enorme.
    Beijinhos, Susana e uma ótima semana.

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    1. Talvez não seja só no nosso país, talvez seja uma característica humana - a de ganhar músculo após uma catástrofe. De qualquer forma, sinto no meu âmago luso que perante uma adversidade séria somos capazes de nos unir esquecendo todas as quezílias ou atritos havidos e aí metemos mãos à obra, arregaçamos as mangas para o que for preciso. Presentemente, apesar de todas as dificuldades inerentes e resultantes da crise, noto-nos frágeis e balofos, comodistas e mimados. A gemer e a chorar leites derramados, tal como referes. Isso tenho visto muito, por exemplo, ao longo dos últimos 15-17 anos num teatro da vida real chamado reuniões de encarregados de educação nas quais se advogam poderes de entidade parental que me parece irem frequentemente longe demais na reivindicação de direitos até ao tutano e apresentação de desculpas para os deveres.
      Ou seja, penso exactamente como tu. A diferença é, de facto, enorme.
      Beijinhos de volta, Cláudia, e um bom resto de semana para ti.

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    2. Concordo totalmente, Susana. Sim, não é uma característica do nosso país, é uma característica humana, é aquilo da necessidade aguçar o engenho. E tens toda a razão, eu farto-me de ouvir pessoas e não, não vivem em condições miseráveis, muito, mas muito longe disso, a falarem constantemente em direitos e a fazerem-se esquecidos e muito contrariados no que toca aos deveres. A responsabilidade nunca é dos próprios é sempre de uma outra pessoa, ou de uma entidade qualquer, e eles são sempre uns injustiçados. Não fazes ideia o que isso me encanita. E sim, Susana, estas pessoas depois são pais e depois lá vão às reuniões de encarregados de educação e a probabilidade dos futuros adultos serem à imagem e semelhança é enorme. Círculo vicioso.
      Boa noite :)

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  2. Um exemplo que dá que pensar.
    Boa semana, Susane.

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    1. Dá que pensar e reflectir. Pois dá, Observador.
      Boa semana, ou do que resta dela. :-)

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  3. Também vi essa notícia da estudante síria, se num dado momento senti exactamente isso que a Susana descreve ("Há pessoas que me entram assim coração adentro") logo a seguir baixou em mim outro tipo de sentimento, aquele que cheira um pouco a tristeza. É que a maior parte dos adultos esquece-se dos sonhos que tinha aos dezanove anos. Acomodam-se. E os países ficam ao abandono, sem ter ninguém que os reconstrua. Sem ter ninguém que pegue nos sonhos de outrora e lhes dê vida. Existem pessoas que têm medo de envelhecer, de rugas, eu tenho medo de gente que deixa de lado os sonhos de quando era jovem. Espero que esta estudante seja um caso à parte.

    Beijinho, Susana :)

    PS: A nossa gente é muito mal paga, Susana. Não têm ordenados que lhes permita ter uma vida digna, para si e para os seus. Muitos são explorados porque só têm deveres, e direitos nem vê-los. Acho que existe de tudo um pouco, mas neste momento acho que as pessoas estão realmente a passar um muito mau bocado em Portugal.

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    1. Infelizmente tenho de lhe dar razão, Maria. Ainda hoje, ao comentar esta notícia com uma pessoa bem mais nova do que eu, vejo nela uma reacção de descrença, assumindo prontamente que não acredita que o sonho da rapariga síria se mantenha vivo. E isto entristece-me, de facto, até me arrependi de ter comentado a notícia.

      Outro, Maria :-)

      PS: Bem sei, bem sei. Mas ainda assim continuo a ver tanto queixume por tudo e por nada. Que serve de desculpa para não se fazer isto ou aquilo. Às vezes dá jeito mostrar um quadro pior do que realmente é.
      Os maus bocados pelos quais muita gente sem dúvida está a passar são, mesmo assim, bem melhores que os maus bocados que os nossos avós, ou pais, passaram. Creio eu.

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    2. Nada disso, Susana, qual arrepender-se de ter comentado a notícia. As notícias existem para isso mesmo, o que pode acontecer é que a mesma notícia suscite reacções diferentes. Acho que foi o caso.

      Quanto à parte dos maus bocados que os nossos avós/pais passaram vs os dias de hoje... olhe que não sei, ver casais em que ambos ficaram desempregados, tendo filhos a cargo, perder casa, perder os bens aos poucos e poucos, perder o sonhos, não é para todos. Nem todos aguentam. No tempo dos nossos avós/pais se calhar arranjava-se trabalho com muito mais facilidade e nem sequer eram exigidas muitas qualificações. Hoje, não é bem assim. Eram tempos duros, sem dúvida, mas trabalho pelo menos existia. Segundo aquilo que me contam... O queixume é outro patamar. Um patamar que não dignifica ninguém.

      Boa noite, Susana :)

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  5. Na adversidade, como na doença, revelamo-nos mais fortes do que poderíamos esperar.
    Há exemplos que nos tocam fundo e nos fazem repensar as nossas prioridades

    Beijos, Susaninha. :)

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