16/10/2015

Poesia demais para mim

Até há pouco tempo, cada um dos meus posts demorava em média uma hora e meia a produzir, mas agora tem sido um ver se te avias, devido a coisas novas que me ocupam as mãos muito mais tempo que dantes e eu preciso delas para escrever posts, e está visto que voltei aos posts, pois postes ficava tão mal. Aliás vendo bem, se nas canções não nos importamos de ouvir that's me in the corner, that's me in the spotlight losing my religion - e isto é apenas um exemplo muito suave - eu cá arrumava a um canto uma canção que dissesse olha eu ali na esquina, olha eu ali no foco de luz a perder a minha religião (ou então isto é poesia demais para mim).

Mas venho há pouco a fazer a autoestrada de volta a casa e apanho, àquela velocidade, um post pelo caminho (bem se vê o jeito que dá chamar as coisas pelos seus habituais nomes), vem do passado, este post, voa direito a mim, colidimos, olha ele.

Estou com as minhas filhas no pequeno centro comercial do bairro de então, as mãozinhas delas a desaparecer nas minhas, caminhamos em modo de compras, temos, eu não digo, mas elas quatro e seis anos de idade e a de quatro comunica-me de repente, ai mãe 'tou aflitinha. Entramos nos sanitários femininos, a mais pequena mete-se dentro de um cubículo e eu com ela, a mais velha fica à espera do lado de fora, não saias daí, querida. A minha filha caçula aqui à minha frente, os seus caracóis a brilhar debaixo do foco de luz (aproveito muito as ideias) e põe-se a olhar para o teto, como quem veio para ficar. Eu, que nem sempre sou maravilhosa, começo a impacientar-me, estou apertada e está calor.

- Filha, despacha-te, anda.
- Ó mãe tu és tão linda.
- Tu também, amor, mas agora despacha-te.

A impaciência contagia-se, a outra filha, do lado de fora, diz vamos embora muito alto, 'tou farta de esperar, e eu espera, não saias daí e, para a pequenina, à minha frente

- Vá, querida, falta muito?

A miúda, que sempre ensaiou ensaboar-me em situações do seu interesse, insiste

- Ó mãe, és mesmo linda.

E continua, semicerrando os olhos para mim, conferindo a convicção necessária à declaração.

- Olha, és tão linda, mãe, tão linda... É que és ainda mais linda que...

E de novo fitando o teto, procurando a palavra que lhe fugia, que me poderia entreter a paciência uma vez catapultada a minha beleza para o seu devido lugar, para que não houvesse dúvidas, a irmã do lado de fora continua a fazer-se ouvir, eu cheia de calor debaixo do foco de luz do cubículo, pode dizer-se que sou capaz de perder a minha religião ali de repente, praticamente, e eis que a miss caçula a encontra, à palavra, e conclui, triunfante

- Que as bruxas, mãe! Tu és mais linda que as bruxas!


(muitos anos depois: lembras-te disto, filha? lembro perfeitamente, mãe, eu tinha pensado em dizer princesas, mas depois achei que não era preciso exagerar)

10 comentários:

  1. Bem... o que eu já me ri a ler-te!!!
    Sempre é melhor ser mais bonita do que as bruxas.
    Eles/as são fantásticos!! Têm, por vezes, umas saídas que nos deixam desconcertadas :)
    E no que toca a graxa... uiiiiii... têm a escola toda!!
    Beijinhos Susana
    muito bom

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    1. Obrigada, Mafy.
      Têm a escola toda e por isso nos enchem a vida de aprendizagens. Eu, por exemplo, fiquei a saber que há bruxas lindíssimas. :-)
      Beijinhos, querida Mafy.

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  2. Assim é que é, tudo com peso e medida. Não de exageros para não despertar desconfianças! Um delícia esta história :)

    Um beijinho, querida Susaninha

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    1. Muito obrigada, Querida Miss Smile.
      É de facto uma delícia viver estas experiências com os filhos e depois vir contá-las e receber comentários assim, como estes que aqui estão. :-)
      Outro beijinho, Miss Smile.

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  3. http://www.smithsonianmag.com/history/early-20th-century-women-rallied-behind-beautiful-wartless-witches-180953134/?no-ist

    (aposto que a miúda lê estas coisas ;)

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    1. Eu sabia, Flor, eu sabia. ´Tinha de haver bruxas lindíssimas, claro!
      :-)

      (muito giras as bruxas vintage)

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  4. Ser bruxa é do mais "in" que há! Ser mais linda do que as brumas, então,... Uau!

    Beijo, Susana, e um final de Sábado feliz. :)

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    1. A sério, Maria?!... Estou sempre fora das modas, se soubesse disso, tinha andado muito mais satisfeita com a minha (afinal suprema) beleza todos estes anos...
      Beijinho, e um resto de fim de semana feliz. :-)

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  5. As mãozinhas nas nossas, a ternura, as gargalhadas da infância, a cumplicidade pela vida fora, e depois estes episódios que ficam para contar, quando as mãos deles já nos abraçam as mãos.

    Bom Domingo, Susana!

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    1. E é tão depressa que o tamanho das mãos se inverte. É a vida a passar. Depressa, se nos distrairmos é demasiado depressa.

      Boa semana, Teresa.

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