Sinto um prazer íntimo ao colocar um toro de lenha na lareira e só recentemente aceitei apossar-me de razões. Faço-o com a mão dentro de uma luva almofadada para desencorajar completamente uma farpa de se me espetar num dedo e depois fico a velar o cepo enquanto pega as chamas emprestadas dos outros, vultos meio cinzas ainda unas, cinzas vencidas no final deste texto. Enquanto olho a transformação dar-se lentamente, o meu prazer será cruel?, tenho o mesmo pensamento de sempre, que vem em forma de pergunta: alguma vez no tempo ou no espaço de todas as lareiras do mundo, se repetirá a mesma configuração de toros e chamas, exatamente o mesmo número de toros do mesmo formato e as mesmas chamas a dançar a mesma dança, em um dado momento? se sim, então temos infinito não, temos antes um muito círculo teimoso e dele poderão a seguir advir inúmeras certezas quanto a tudo; caso contrário, caso contrário (está repetido de propósito, aplica-se assim). Mesmo que vivesse os quinhentos anos de que me sinto merecedora, nunca viria a saber a resposta a esta estúpida pergunta que não me larga no inverno, angustia-me. Porém, continuo: luva, toro, fogo, olhar, pensamento, pergunta, resposta?, angústia, sai luva, levanta, vai, estende a roupa, ao vento, enche a cabeça, de molas, agrupa as meias pela cor, fecha este ciclo.
Sim, continuarei, em dois mil e dezasseis continuarei a colocar os toros na lareira p'raí até abril, tempo de virem as magnólias conversar comigo, o prazer íntimo, queria eu dizer, vem desta conversa da Terra, murmúrios azuis doutras ondas que me chegam ao âmago e me pedem isto e aquilo, e eu dou isto e aquilo, o toro na fogueira, a roupa ao vento, o fechar dos ciclos.
Por causa destas brincadeiras, fiquei amolecida e hoje quase comprei uma árvore anã em Coimbra, tive mesmo um impulso para ela, detive-me ali à sua frente, ai que é isto, mas segurei a mão direita com a esquerda a tempo de nada disso. Aquilo irrita-me, as bonsai, sempre me irritaram, as coisas são mesmo como são, e fazê-las mirradas é estúpido, eu amo árvores das grandes e muito e de repente uma dessas atarracadas à força caber-me-ia à janela, em qualquer janela, do lado de dentro, é que eu ia amolecida, mas não. Não comprei atarracadinha-lingrinhas, deixei-a lá com as suas mini folhinhas vaidosas a brilhar. Ali, na grande superfície onde estávamos as duas, debaixo das luzes branco-gelado-tipo-frigorífico que iluminam a grande área comercial que por sua vez vende grandes soluções para a sua casa e o seu jardim, não me chegou murmúrio nenhum, apenas a vontade de sair dali depressa.
pelo menos são portáteis :) bom dia!
ResponderEliminareu acho que não lhes vou resistir, um dia destes engulo tudo o que disse sobre aquelas miniaturazinhas e trago uma para casa :-)
Eliminarboa tarde, Manel!
Irritam e no entanto são irresistíveis - aplica-se a miniaturas e não só! (somos tão complicadas)
ResponderEliminarChove muito por estas bandas, vai ser noite de muitos toros.:))
Ava, se ainda andas pela Serra da Lousã, não estamos longe e confirmo, vai ser noite de muitos toros, ai vai. :-) (o vento está doido).
EliminarSomos complicadas, pois somos... (mas giras, claro!) :-)
Essa dúvida dos toros lareira a arderem igual noutras lareiras nunca tive. Ajuda muito não ter lareira... :)
ResponderEliminarBeijocas e Feliz Ano Novo!
Ainda bem que nunca tiveste, teté, é mesmo aborrecido saber que nunca saberei a resposta. Tolices cá minhas :-)
EliminarUm beijinho e um excelente 2016 para ti!
Talvez a simetria forçada da artificialidade seduza por um lado e afaste por outro, que uma pessoa fica a tombar de amor é mesmo pela beleza não ensaiada (ando a aprender estas coisas contigo, diria que andas a criar um monstro, caso alguma vez fosses capaz de criar tal coisa).
ResponderEliminarPor outro lado, essa tua capacidade para o encantamento e para a acomulação de amor que se não aguenta só no peito ou não teria graça nenhuma, ainda te vai fazer pegar numa bonsai e levá-la para casa.
Susana, que não deixes de te encantar, de gostar de gente e de batatas doces e de árvores grandes e de árvores pequenas, que nunca percas isso, nem em 2016 nem nunca.
Um excelente 2016, querida Susana, e até já.
Eu também "temo" que um destes dias uma bonsai muito elegante e emproada me entre na família (mas eu, depois, educo-a). :-)
EliminarEncantar-me-ei sim, e também com os teus comentários que de encantadores, inteligentes e elegantes têm tudo, querida Cláudia.
Um belíssimo ano de 2016 para ti.
Feliz 2016, com ou sem árvores anãs e tudo de bom
ResponderEliminarum beijinho
Gábi
Tudo de bom para ti também, querida Gábi, em 2016 e sempre. :-) Que a generosidade continue a ser essa constante tão bonita e valiosa que há em ti.
EliminarOutro beijinho.
Que tenha o perfume e o encanto das magnólias, e a cor dos jacarandás.
ResponderEliminarUm beijo, "fresquinho" de 2016, querida Susana.
Numa frase escreveste as minhas duas árvores favoritas. Obrigada, Teresa.
EliminarUm 2016 perfumado e cheio da magia para ti, querida Teresa.