16/02/2016

Um post feio de segunda

Ontem, quando vinha a tentar manter a leitura intacta na descida turbulenta para Lisboa, dizia Agustina assim: "Aconteceu que a mulher tem de facto de ser libertada." E também dizia ela isto, interessante: "O homem está hoje reduzido a paixões miseráveis; a paixão pelo seu automóvel substituiu prazeres e solicitações aventurosas; a ponto de o automóvel ser hoje considerado como uma nova causa de suicídio." Esta maravilha continua por aí fora e os meus olhos, ao descer para Lisboa, mantinham-se firmes tanto quanto podiam nesta prosa de há trinta e sete anos (aquele hoje) de Agustina Bessa-Luís.

Cabe-me então finalmente fazer um post feio (liberto-me como mulher, quanto à paixão pelo automóvel nada vou dizer). Pelo menos feioso é o post. Se bem que perfeitamente real.

Coube-me, há uns anos não muitos, lidar com um homem de segunda. De segunda a sexta, para ser mais exata. Este homem transporta no coração uma raiva elementar que dirige amiúde contra as mulheres em geral. É, era, um homem também muito capaz de se gabar de conquistas amorosas várias, uma mão cheia delas, ou duas, num seu passado qualquer; as mulheres caíam-lhe aos pés, caso fosse essa a sua vontade e caso não fosse. O homem de segunda (segunda a sexta, não mais) com quem eu era obrigada a lidar, por vezes bradava com o seu vozeirão potente que as mulheres são classe inferior, umas galinhas, enquanto que noutras em que estava para alimentar o seu ego balofo, se pavoneava junto da sua equipa feminina como se estivesse a satisfazer uma fantasia há muito desejada por essa audiência. Tirando duas ou três dessas mulheres que numa ocasião o mandaram à merda, as restantes, fingidas ou autênticas, davam-lhe os ouvidos e os olhos enquanto ele quisesse.

Um dia houve em que este homem de segunda veio para mim (de segunda a sexta, podia calhar) com os brados loucos contra as mulheres, são umas galinhas!!! (era a preferida dele, aos gritos), vão juntas à casa de banho!!! (um não assunto, também aos gritos), estou farto de mulheres!!! (ninguém lhe perguntava nada, ele aos gritos), e coisas muito profundas como estas veio ele esse dia trazer-me a mim, referindo-se ao grupo já mencionado. De início eu ripostei, mas galinhas porquê?, retorqui, isso da casa de banho não é assunto sequer, etc etc, tentei defender o que era justo defender. Mas depressa percebi que, para ele me ouvir, eu ia ter de gritar bem mais alto, portanto calei-me e ouvi eu até ao fim de todos os impropérios que me pareceram muitos.

Quando este homem de segunda se calou, inchado, vermelho (de segunda a sexta), a espumar, a mexer nos papéis com a raiva ainda a fervilhar, falei eu, libertando-me assim:

- Compreendo perfeitamente... eu também gosto mais de homens.

A nova chusma de disparates eu já não ouvi, porque me retirei. E desde esse dia até ao fim dos tempos em que tive de lidar com esse homem de segunda, de segunda a sexta, não tornei a ser incomodada com a sua elementar insatisfação com a vida despejada para cima das mulheres.

(às vezes não podemos fazer mais do que usar da linguagem que encaixará melhor na mente estreitinha do nosso interlocutor)

6 comentários:

  1. Os homens de segunda (sobretudo esses de segunda a sexta) tendem a só entender um certo tipo de linguagem. Uma vez fui obrigada a perguntar a um se a mãe e as irmãs eram assim tão horríveis para delas ter extrapolado tanta caraterística diabólica nas mulheres. Também funcionou relativamente bem.

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    1. Funciona mesmo, querida Cuca. Às vezes mudar uma pedrinha pequenina do mundo que está torto, já pode fazer uma certa diferença. E sabe tão bem. :-)

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  2. É triste, mas às vezes temos mesmo de «descer» para que alguns homens e mulheres de segunda nos percebam...

    Mas rapidamente «subimos», depois de termos feito passar a nossa mensagem. De seguida, invade-nos uma sensação de dever cumprido. Temos vantagem, pois podemos «subir» ou «descer», eles não.

    Um beijinho.

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    1. É triste, sim, Princesa. Principalmente quando estas pessoas de segunda têm certo poder nas mãos. É muito triste.

      Boa ilustração, essa!
      Outro beijinho. :-)

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  3. Um macho desse tipo não pode ter maior derrota do que insinuarem uma atracção pelo mesmo sexo.
    Perfeito, Susana!

    Beijos :)

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    1. Precisamente, Maria. Precisamente.

      Beijos de volta e obrigada :-)

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