De manhã, estendi duas máquinas de roupa ao sol. Estender
roupa faz-me sentir renovada. Eu não tenho secador de roupa porque a
quero estender. E apalpar a ver que já secou e apanhá-la, cheirá-la, dobrá-la,
fazer a pilha do ferro. Enquanto isso vou deitando os olhos à rua, penso que a
disposição dos carros das pessoas e dos cães (e do papagaio) e também dos pombos, se ficassem quietos, é única e talvez
nunca se repita ou esteja a repetir, e depois vou a escorregar para o infinito do
tempo mas então vejo o rio e eu tenho quase a certeza que amo o rio. Ou seja, roço os cotovelos pela poesia da cidade
enquanto trato da roupa. Sabemos que a poesia da cidade é acinzentada
e esburacada do sujo dos pombos, mas para quem tiver olho e vagar à janela, acho que dá. Eu não sou muito de poesias porque tenho a cabeça dura. De vez em quando leio
quatro vezes o mesmo poema e fico na mesma. Só muito poucochinhos poemas é que
entram na minha cabeça dura não sei porquê (e aí é m u i t o bom, esses poemas que me cabem
estão vivos e têm uma espécie de alma - mas também é esquisito). Os outros é como
se estivesse a ler chinês. Paciência. Há
outras situações. Há por exemplo o meu aspirador. Se bem que hoje optei por varrer a
cozinha porque não tive vontade nenhuma de barulho. O meu aspirador, atenção, é silence, diz na caixa; comprei-o assim de propósito, quero o
mais silencioso que houver, e havia este. E diz também no lombo dele, silence.
Mas a vassoura, ainda assim, é mais. E não diz silence nela, devia dizer. A pilha do ferro que já estava de outra roupa, não a de hoje, tratei
dela quase toda. O ferro não diz nada. Também podia dizer silence. Mas para não imitar o aspirador se não quisesse, trazia uma poesia na lateral. E a
gente ao menos tentava enquanto o fazia deslizar pelos lençóis e calças e camisas. Acho que não custava nada.
O dia teve vinte e cinco
horas mas não sobrou nenhuma para escrever um post.
Ou sobrou :)
ResponderEliminarOlá, Gabi 😃
Eliminartodos os afazeres de um dia com 25 horas deviam estar em modo "silence" . sem som, mudo e calado, o tempo, essa realidade tão cara e já só disponível em lojas de luxo, de gama alta, havia de rodar devagar, mas só para aqueles afazeres bons de executar; como escrever um post, por exemplo. em princípio, um post daqueles que tivesse a preocupação de misturar poesia e roupa passada a ferro, enquanto uma vassoura ( objeto do período jurássico) é citada como substituta de um aparelho de alta definição no que toca a comer pó com elegância e savoir faire, mas o tempo não dá para tudo. é o que é. não sei que diga, Susana. para já, só digo bom dia e deixo desejos de uma boa semana.
ResponderEliminarum beijinho,
Mia
Ah, o período jurássico, Mia! Nesse é que os dias haviam de ter sido grandes, que a gente não andava cá para trabalhar (nem para nada, realmente).
Eliminar😃
Querida Mia, para quem não sabia que dizer, disseste foi muito. E bom. "Comer pó com elegância e savoir faire"! Voilá! 😃
Um bom feriado e um beijinho de volta.
Recomendo-lhe uma poetisa muito particular, a Eugénia Vasconcellos: http://www.escreveretriste.com/2016/10/perfume/
ResponderEliminarE escreveu "O quotidiano a secar em verso".
Vai ver que ainda se acha capaz de escrever poesia, afinal anda lá perto:)
~CC~
Olá CC, que bom é vê-la aqui! 😃
EliminarFui lá ler o poema. É um poema que leio como prosa, tomo-o perfeitamente bem, fico satisfeita. Vou ficar atenta à Eugénia.
Que bem me soube este seu presente, CC. Muito Obrigada.
Um abraço e um bom feriado para si. 😃
:)
ResponderEliminarOlá, Laura 😃
EliminarEste seu post está uma graça. É que escreve com um certo enredo.
ResponderEliminarOs dias são assim mesmo, uns malandros cheios de coisas por fazer e não nos dão uma horita sequer para um post conveniente. Nem na 25ª. Ó desgraça de dias que apenas nos deixam roçar os cotovelos pela poesia dos lugares. Enfim. Melhor que nada.
Pois. Concordo bastante com a ideia de um poema no dorso do ferro de engomar. Assim como concordo com os nossos poetas nas paredes do metro "Ah! Se eu não morresse nunca e eternamente buscasse e conseguisse a perfeição das coisas." E a gente sente que nada é tão verdade no espírito jovem como isto e que na cidade universitária é que fica bem; a mim cai-me no âmago em cada vez que deparo com Cesário em letra de forma escrita em azulejo. E é como se esteja em jejum, melancolicamente forte. Contudo, ali estudei sem estação de metro.
O aspirador grita demais para o meu gosto. Nem sequer diz silence. Varro a cozinha que aborreço a maquineta. Ainda por cima sou eu que a limpo e depois ela implica que não se quer fechar.
Eu também gosto tanto de ver poesia ali, nas estações do metro, num lugar que alguém decidiu não deixar ser feio. Que bem lembrado!
EliminarE também gosto muito de ler este seu tão inspirado (e generoso) comentário, querida bea! 😃 muito obrigada.
Um bom feriado para si. 😃
para quem nã é muito de poesia, respira poesia enquanto estende a roupa :) gostei pra lá de tanto
ResponderEliminarMuito obrigada, Manel.
EliminarQuem gostou fui eu. :-)