O lançamento do novo livro de António Damásio na sua versão
portuguesa - “A estranha ordem das coisas” - começou esta última manhã de
outubro já o sol estava alto e o local do evento à pinha, como se costuma dizer.
Gente em pé era aos molhos que os lugares sentados, sendo muitos, já não havia.
Estimei oitocentas pessoas presentes, uma grande parte das quais alunos da escola
secundária.
Durante o discurso esteve um silêncio contínuo na sala, a ouvir, todo
igual. As palavras de António Damásio ligam os cérebros a que se dirige, o seu timbre de voz faz a massa de gente tornar-se uma, fruto
de encaixes perfeitos das suas partículas, humanas. Terminou deixando-nos num
transe uníssono, nem uma tosse se ouvia e, se os jovens não são de tossir
nestas ocasiões, também os donos de cabelos brancos não o foram. Havia agora lugar
para quatro perguntas de alunos da escola. A primeira foi posta e foi
respondida. Foi pedida a segunda pergunta.
E é quando aquela senhora se levanta da assistência e começa a
caminhar pela coxia que divide a plateia, dizendo urgências pouco percetíveis.
Alguém da organização avançando para ela tentou detê-la mas a senhora desvia-se,
continua a andar aproximando-se do palco, a senhora o que deseja, não pode,
espere, pode esperar?, as perguntas são dos alunos…
- Não posso esperar, não – e para enfim, baixinha,
cabelo curto, óculos quadrados, nenhum ornamento para além da urgência latente e, com voz suplicante mas firme, disse – professor António Damásio,
o meu filho está no hospital entre a vida e a morte com um problema muito grave,
eu já tentei de tudo, só faltava vir aqui para lhe perguntar, o professor deve
saber, o que posso fazer mais por ele?
- Pode deixar aí o seu contacto e eu tratarei de encaminhar.
E deixo-a agora a ecoar aqui. Não podendo uma salva de palmas salvar o filho daquela senhora, salvou-a pelo menos a ela, naquele momento, de se sentir tão só na sua horrível dor. Tive a certeza.
"Não podendo uma salva de palmas salvar o filho daquela senhora, salvou-a pelo menos a ela, naquele momento, de se sentir tão só na sua horrível dor." Acredito que sim. E como a dor da impotência dói...
ResponderEliminarDeixo-te um beijo, Susana.
Pois dói. Ficou-me a doer o desespero daquela senhora - ter ido ali, em frente a tanta gente, implorar que António Damásio lhe salvasse o filho...
EliminarE eu deixo-te outro, NM.
Este post sim, comoveu-me. A dor das mães perante a morte ou o sofrimento intolerável dos filhos é inconcebível. Mas a sua coragem e capacidade de luta é sobre humana.
ResponderEliminarA minha salva de palmas é para todos: a Susana, aquela mãe, António Damásio. E muita esperança.
Muito obrigada, bea.
EliminarTambém fiquei esperançada porque o António Damásio é pessoa de levar a sério o empreendimento de ajudar aquela senhora e o seu filho.
quem não tossiu, pigarreou ou pronunciou outro som, fui eu. li de fio a pavio a imaginar cada palavra e sua entoação posta no discurso. o barulho das palmas salvou-me do transe.
ResponderEliminarum beijo Susana.
Mas ficar um bocadinho mais em transe, a pairar, é bom, não é?
EliminarOutro beijo, Mia :-)
Da cozinha para a alta cultura, em registo emocional, grande. E depois digam, senhores, que a minha Amiga não tem cintura leve, digam.
ResponderEliminar(eu trato de os contrariar :)
Olá, Susana.
Sabes que li "alta custura"? :-) (bem sei, é costura) E por acaso até gostava muito de ter jeito de mãos com a máquina de coser - havia de produzir cá umas belezas para eu vestir!
EliminarDiogo, que comentário, muito obrigada. A tua generosidade é que é grande. :-)
É verdade, querida Susana, as coisas têm, por vezes, uma estranha ordem.
ResponderEliminarAbraço horroroso (na vez das palmas).
E segundo este mesmo cientista do cérebro, essa estranha ordem, o desajuste, a perda do bem-estar, têm sido bons motores para a evolução do Homem e das culturas.
EliminarE eu acrescento que um abraço bem horroroso também ajuda, querida Teresa :-)
Que coisa horrível. Até me doeu não sei onde.
ResponderEliminarA mim também, Cuca. E ficou-me a doer para o resto do dia.
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