16/02/2018

Intermitências mas da vida

Na sala de embarque (eu conto sempre as mesmas coisas) o altifalante que anuncia os voos está intermitente exatamente como este blogue, que saiu do castigo mais cedo, já vou dizer porquê.

- e  o e  assa ei   or  emba ar   or    uzen    e  ês.

Se traduzirmos dá: Senhores passageiros, favor embarcar na porta duzentos e três, sem as intermitências.

E já vamos na fila do corredor de betão ladeado de separadores muito altos para os senhores passageiros não tresmalharem, à espera de ir para o avião. À minha frente está um pai e um filho (em princípio, devido a serem parecidos). Pelos sapatos do filho vejo que são holandeses. Os homens holandeses reconhecem-se pelos sapatos: castanho-claro com atacadores e bicudos, em que a biqueira é cortada abruptamente para dar forma. Nos mais ousados esta biqueira levanta do chão. O pai, porém, varia no estilo do sapato, que não é estilo de lado nenhum ou podia ser do Alentejo. O boné que tem na cabeça, sim, sim, boné, de um xadrez subtil, parece ter sido mesmo comprado no coração do Alentejo (por isso também deu jeito lá pôr os sapatos). Andamos em fila até junto do avião e ficamos na placa do aeroporto de Lisboa a aguardar que aquilo se resolva lá em cima com o embarque dos passageiros que já subiram a escada, etc. Virando-se ligeiramente para trás, o pai olha então para mim e sorri-me. Nada pensemos sobre isto, que os holandeses sorriem e falam com desconhecidos à-vontade e sem problema nenhum e depois a seguir esquecem-se logo. Ademais o senhor tem idade para ser meu pai e isso ia-se já adivinhar de eu dizer que ele coxeia um pouco. E coxeia de modo cómico, como se dançasse. Quanto a mim – já que viemos até aqui dou a minha opinião pessoal - quanto a mim, dizia, é engraçado este coxear. A fila dos passageiros a embarcar com a sua bagagem de mão arranca para mais uns passos e eis que o pai e o filho à minha frente sobem os primeiros degraus. O pai, que agora já vou dizer que engraçou comigo, volta-se de novo e para além de tornar a sorrir, faz menção gestual de me levar o trolley escada acima, ele que coxeia ainda que engraçado e eu toda cheia de força e fibra devido à aveia do pequeno-almoço, vejamos só. Agradeço e declino com jeitinho, que o meu trolley – ainda por cima – vai quase vazio. Leva evidentemente o imprescindível portátil que é a continuação de mim própria, o livro que não ando a ler e, para fazer fofinho ao referido portátil, uma camisola de lã que comprei em saldo ainda este blogue não tinha nascido, mas mesmo assim foi um dinheirão, e que é muito boa. Tem uns efeitos na malha em aberto que repetem em toda ela deixando ver bocadinhos do básico que envergarei por baixo, e borboto não tem nenhum.


(o blogue ficou de castigo, mas já saiu porque a mensagem automática que o blogger – esta coisa em que a gente escreve os blogues – lá põe é bastante aborrecida, e eu quero dizer que os leitores deste blogue são todos convidados sim senhores e convidados de honra, que é preciso ter cá uma paciência para chegar até aqui)

26 comentários:

  1. Querida Susana, e eu vim a correr, tarefa difícil nesta minha provecta idade, para te dar um abraço muito apertado, aqui neste teu desembarque. :)

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    1. Querida Miss Smile, isto não foi bem um embarque, mas o abraço, esse, já cá canta. Obrigada. :-)

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  2. Caramba, Susana! Sabes que eu amuo sempre que bato com o nariz na porta...não faças mais isso. Escreve sempre as mesmas coisas, se quiseres. Eu também escrevo sempre o mesmo. Todos nós escrevemos. Mas não deixes aquela mensagem horrorosa só para convidados.
    Não deixes de escrever. É isso.

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    1. Essa mensagem tremenda dos convidados não fui bem eu... foi o blogger que não tem lá outra. Total falta de criatividade, esse blogger.

      Obrigada pela tua mensagem, ana (e pelo amuo, que eu adorei) :-)

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  3. Ai, o diabo da rapariga! Atão? :p

    Beijos, Susana :)

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    1. Querida Maria Eu (sabias que és tia deste blogue?) :-)

      Beijos também.

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  4. Foi uma maldade e tanto o que a minha amiga nos fez. :)

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    1. Este blogue já vai quase com 5 anos, Diogo, o que o torna meio aborrecido.
      Mas maldades não, isso realmente não.
      :-)

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  5. Olá, Susana :-)

    A ninguém faz impressão ou tampouco aborrece que escrevas sempre o mesmo, vês?
    Gosto destas histórias de embarque porque tenho pouquíssimas e para mim é um mundo que vejo através do teu blogue. Eu até gosto do papagaio. Gostava tanto e tanto da dona Esmeralda e das cenas no refeitório. Ah, e tu não escreves sempre o mesmo, escreves do mesmo, tipo eu, vá.

    Beijinhos

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    1. Tu és uma boa companhia, Gina (como te disse uma vez a Lady Kina e eu subscrevo inteiramente).
      Obrigada, muito.
      (se eu apanhar duas penas ao papagaio, a segunda é para ti, promised)
      (hum, vou ligar à dona Esmeralda para depois contar aqui no blogue - ela sabia que eu escrevia sobre ela, mas não gostava muito)

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    2. Oh, obrigada :-)

      Sendo blogger, percebi que as pessoas que nos conhecem pessoalmente não gostam lá muito que as escrevamos.

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    3. Olha, eu gostava que alguém escrevesse sobre mim (acho) :-)

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  6. Se somos os mesmos como é que podemos escrever coisas diferentes?! Quando aqui vimos sabemos ao que vimos e gostamos. Ainda bem que protestei!
    ~CC~

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    1. Ah, querida CC e esse protesto fez cá um serviço, pois fez.
      Um beijinho.

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  7. (Ah! Assim sim :-))

    (Fiquei curiosa e por isso vou perguntar, qual é o livro que te acompanha e que não andas a ler?)

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    1. "A lição de anatomia" de Philip Roth.

      :-)

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    2. Obrigada, Susana. Philip Roth? Li-o, pela primeira vez, no fim do ano passado. Gostei tanto, mas tanto, que tive de disciplinar-me para variar e não estar só a ler os livros dele todos de seguida. Assim de enfiada :-), li "O complexo de Portnoy" (que me fez rir a bom rir) e "A mancha humana. E, para mim, até agora, "A mancha humana" passou a ser um dos melhores livros de sempre, foi mesmo um prazer ler aquele livro, achei uma extraordinária forma de, pôr a nu, contar a engrenagem social.
      "A lição de anatomia" ainda não li, mas irei ler um dia, sem dúvida. :-)

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    3. Obrigada, eu, Cláudia. A minha incursão em Philip Roth (este é the very first one) está indo aos arrancos. No início do livro não gostei, mas continuei e veio um capítulo de que gostei, agora já não estou gostando muito de novo - na verdade ele ainda não me arrancou a levantar voo a partir de um estado neutro. E o facto de insistir n'a-mulher-como-e-só-objeto-sexual também não ajuda, é tão pouco!
      Enfim, acabo de comprar dois autores brasileiros a ver se vai melhor. :-)
      (respondo já: Rubem Fonseca e Moacyr Scliar)

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    4. O que penso é que ele escreve sem floreados, como se estivesse a usar o mínimo de filtro possível, usa as palavras de forma nua e crua, quando fala de sexo, sabes, acho até que há honestidade nessa forma de escrever, penso que estará muito mais próximo do que realmente irá na cabeça de um homem quando é de sexo que se trata, e, quando escreve nesse contexto específico, aborda a questão do parceiro como objecto de desejo, e no caso dos personagens dele é a mulher esse objecto de desejo. Penso tratar-se unicamente de um contexto específico e não a ideia de reduzir a mulher a apenas isso, que depois há muito, mas muito mais no que ele escreve, mas, como já disse, não foi esse livro que li.
      Olha, lê "A mancha humana", se leres, duvido muito que continues com a mesma opinião e mais não te digo, lê, se continuares a não gostar, coisa que irá parecer-me impossível :-), talvez seja mesmo de esqueceres Roth, não gostamos todos do mesmo :-).
      (Não te digo para leres "O complexo de Portnoy", já vi que nem por sombras te faria rir o que me fez rir a mim, e, no entanto, também fala de coisas bem sérias).

      Não dizias que gostavas de tertúlias? Agora olha...;-) Pronto, já vou embora.

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    5. Dizia e digo: gosto de tertúlias e, aqui neste blogue, de vez em quando, proporcionam-se algumas graças a comentadores como tu, Cláudia. (obrigada)
      Honestidade é uma das características humanas que mais aprecio. Seja em que atividade for. Não me conquistam floreados quando são falsos, cínicos. Da mesma forma não aprecio que um tema tão nobre como o sexo seja tratado com hipocrisias. É um tema que merece ser bem tratado. E Roth, de facto, fá-lo (agora quase me apetecia fazer uma chalaça com "fá-lo " e ..... ok, agora não). O problema é claramente meu (honestamente). O problema é o livro estar a ser até agora 95% em torno do sexo, o que se torna um bocado enjoativo, sendo que nestes 95% a mulher é de facto tratada como objeto sexual (mas ok, a honestidade, é certo). Ou seja, o livro é certamente muito bom, honesto sem dúvida, mas sinto-me a perder tempo com ele. Eu preciso de aprender, ou que o livro me ponha a pensar, de me deslumbrar com a construção frásica, de me sentir abalroar, de rir, também pode ser rir, qualquer coisa que se me adicione, entendes? E nada disso este livro está a fazer. No entanto, lê-lo-ei até ao fim, creio que Roth merece e se ele não merecesse merecíamos nós (eu e tu), para podermos continuar a tertuliar. :-)
      Entretanto, "A mancha humana" fica já na minha lista.

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  8. posso nem sempre mencionar, mas as tuas letras fazem falta... acho que é pelo jeito que as plantas, e elas ficam a crescer mesmo depois de as ler.

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    1. Este comentário é uma espécie de pérola. Muito obrigada, Manel.

      (quantas vezes sinto que o blogue não serve para nada a não ser para me dar azo a um capricho tolinho)

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