11/07/2018

A montanha a Maomé

No início do embarque (lá vou eu) em Lisboa anunciaram que quem quisesse expedir a bagagem de mão para o porão mas livre de encargos, podia. Eu optei por alinhar e tornar-me assim uma passageira mais leve, embora a minha mala azul com rodas nunca ande muito pesada, então se lhe remover o computador portátil de dentro, fica a mala quase mais leve que ele. O voo decorreu numa beleza de voo, livre de turbulência e com um lugar vazio ao lado - dois luxos bastante raros hoje em dia - uma soneca e umas valentes páginas lidas do livro e outras escritas do trabalho. Mas claro que após aterrar houve que aguardar pela entrega da bagagem junto ao tapete rolante, que também nos tempos presentes já costuma ser questão despachada em minutos, não muitos. Ora mal o tapete arranca a marcha para começar as entregas respetivas, eu aproximo-me do movimento que é circular com forma ovalada, o costume, e não passa muito tempo vejo do outro lado da oval a minha mala azul a vir ao meu encontro. Porém, antes do meu encontro tinha a mala ainda outro. Uma senhora que eu já em Lisboa tinha detetado ser portuguesa de gema, lançou-lhe a mão e apanhou a minha mala do tapete, ligeira. Mas não indo Maomé à montanha, vai a montanha ao Maomé, evidentemente, e Maomé está nas mãos desta senhora junto à qual já eu montanha estou, dizendo minha senhora essa mala é minha. Ela hesita em acreditar em mim e vira e revira a mala, deita a mão a um dos fechos, o da bolsa menor, e faz menção de o correr dizendo ao mesmo tempo vamos lá confirmar tirando uma coisa ou outra de dentro da mala.
- Mas nessa bolsa não tem nada - esclareço - mais vale abrir a outra, dê cá que eu ajudo.
Não ajudei, abri mesmo a bolsa maior minha tão bem conhecida e de lá tirei a minha própria agenda muito bonita, que exibi à senhora, vê como não é sua a mala?
- Ah... mas isso...
A senhora tem aqui o marido ao lado e ainda não falámos nele porque ele tem estado a sofrer com a situação, meio envergonhado, meio ansioso, eu noto estas coisas pelo canto do olho, e diz agora o marido, para cortar já o assunto e aliviar a tensãozinha.
- Essa mala não é tua, a tua vem ali, olha! As malas são iguais.

Esperei que a segunda mala azul chegasse a nós três e à primeira mala azul, a minha, e vendo-as ao lado uma da outra pude medir o tamanho do erro que a senhora cometeu.
- Iguais não são - digo - são parecidas. O tom de azul nem sequer é o mesmo.

O marido pediu mais desculpa do que a senhora, eu disse deixe lá não tem importância, e depois segui para as portas de vidro, deslizantes, que dão acesso ao exterior.

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