No rádio passam música de Tchaikovsky desde que me sentei ao
computador a matar saudades do trabalho. De repente apercebo-me de que já ouvi imensas vezes ser referida a mais que conhecida homossexualidade deste compositor e ei! Já chega! É que por um lado há este mecanismo meu que se desencadeia automaticamente na
tendência natural de proteger –como se pudesse– as minorias alvo de injustiças,
etc. Por outro, pergunto-me se será verdadeiramente da minha conta e da conta
de quem ouve neste momento o canal holandês de rádio denominado Radio4, tal característica tão íntima de alguém. Sinto-me, até, como se estivéssemos todos
estes ouvintes a invadir a privacidade de Tchaikovsky. E que calha nos ter deixado tão
grande e bela obra, enriquecendo-nos, melhorando-nos os dias. Mas ainda que não nos tivesse deixado nada, não
fosse compositor: dá no mesmo. Temos verdadeiramente este direito? Como ouvi uma vez o Júlio
Machado Vaz dizer ao entrevistador que tinha à frente num programa de televisão
que calhou eu ver, a propósito do hábito que temos de referir alguém pela sua homossexualidade sempre que é esse o caso: você quando se apresenta a uma pessoa que acaba de conhecer e diz o seu
nome, não acrescenta que é heterossexual, pois não?
Sabes o que penso Susana, penso que se a Humanidade, toda ela, estivesse já num estado de evolução fantástico, digo assim para simplificar, não lhe passaria pela cabeça discriminar alguém por ser, por exemplo, homossexual, bem como qualquer outro tipo de discriminação que tenha que ver com a intimidade, privacidade, e não só no que toca à sexualidade, com quaisquer escolhas dos outros no âmbito da sua liberdade individual e que em nada ponha em perigo a existência alheia, a liberdade alheia.
ResponderEliminarAinda é preciso dar exemplos para "passar-se a encarar com naturalidade", penso que é disso que se trata, "Reparem, ouçam esta música, reparem, lindo não é, estão a gostar de ouvir, de tanto valor não é? E, reparem, era homossexual...".
Não fazes ideia do quanto também acho inacreditável ainda ser preciso, não fazes ideia, mas também te digo, fico muito surpreendida com tanto pensamento tacanho que existe por todo o lado, acho que muita gente continua a ser estupidamente tacanha, e nem estou a falar-te de pessoas com mais idade, que nesse caso penso que se justifica completamente, penso que temos de atender aos contextos nos quais as pessoas foram criadas, estou a falar-te mesmo de mentalidadezinha de vizinhas a um postigo, gente sempre pronta para sentença castigadora sobre a vida alheia, gente que, com tanta escola, com tanta informação, e mesmo assim não passam daquilo, parece aquela frase muito conhecida, mas ao contrário: "Não vivem nem deixam viver".
Para além da quantidade de gente que continua a ser espancada do lado do mundo dito civilizado (já nem falo de outros lados do mundo) só por ser homossexual. Olha, Tchaikovsky, Russo, por exemplo, ser-se homossexual na Rússia, nos nossos dias...
Por isso, e pensando tal como tu, mas o que me importa que o homem fosse homossexual, mas que chatice de conversa desnecessária, e concordando com Júlio Machado Vaz (adoro ouvir esse senhor), depois, penso que tenho de dizer "desculpa Tchaikovsky, mas, sim, ainda tens de ser uma espécie de exemplo, será mais ou menos isto: "embora homossexual consegue ser assim brilhante"... Realmente, desculpa Tchaikovsky...
E desculpa-me tu também, Susana, por ter-me entusiasmado e escrito, escrito, escrito :-)
Entusiasmo, Cláudia. É uma das características que mais gosto de ver nas pessoas, sabes? Não só não há nada a desculpar-te, como te agradeço o teu luminoso comentário. Ainda bem que te entusiasmaste.
EliminarTambém eu anseio por uma sociedade mais tolerante com o que não se pode mudar e foi escolhido pela mãe natureza (cor da pele, preferências sexuais, etc). E, como tu, não entendo quem tanto é contra.
Continua a escrever mais e mais, Cláudia, se te aprouver. É muito bom ler-te. :-)
São inúmeros os casos destes, ainda um destes dias o referiam a propósito de uma avioneta que caiu...e era pilotada por uma mulher, ou quando referem que x acontecimento foi causado por um negro...dia haverá em que seremos apenas seres humanos? Talvez seja essa a maior dificuldade de todas- sermos humanos realmente humanos.
ResponderEliminar~CC~
Uma dificuldade que ultrapassaremos, cada um de nós que o decidir fazer. A boa notícia é que vamos sendo mais e mais.
Eliminar:-)
Penso que, nos dias de hoje, a exibição (e sublinho, a exibição), também é chocante: *de quem eu gosto, nem às paredes confesso*... gostar é esta espécie de fado.
ResponderEliminarBoa noite e boa música :)
A exibição parece-me ser um outro lado da discriminação. Uma espécie de auto-discriminação extravagante.
EliminarObrigada, Teresa. Boa música aí também. :-)
Não resisto a comentar o que Teresa Borges do Canto acrescentou, é que, também é tão verdade essa questão da exibição. Tão verdade. Mas estou convencida de que a exibição, muitas vezes, acaba por ser encarada como uma espécie de afirmação em forma de provocação, talvez até uma espécie de agressão contra a agressão da não aceitação. Também me parece exactamente isso Susana, "um outro lado da discriminação", que depois acaba por resultar nisto: "Uma espécie de auto-discriminação extravagante." Acho, esta tua definição, perfeita.
EliminarObrigada, Cláudia e Susana.
EliminarA arrogância é sempre contraproducente. A vida de Harvey Milk pode servir de exemplo à dedicação pelos direitos da causa homossexual.
Fui ver quem foi o Harvey Milk e depois apercebi-me de que não cheguei a ver o filme intitulado com o seu nome. Obrigada, Teresa. E obrigada, Cláudia.
EliminarEu acho que sou alérgica à arrogância, venha de onde vier. É uma tão feia forma de insegurança, de fraqueza, de medo.
Um belíssimo filme com uma interpretação colossal de Sean Penn.
EliminarBom dia para ti, querida Susana.