O comboio está, parece-me, mais sujo. Que os comboios na
Holanda são muito sujos, já sabemos. Mas hoje, este, está no top mais dos
comboios sujos. Sento-me num banco único, sem lugar ao lado, para melhor gerir
a minha pouca mas ainda assim bagagem em torno de mim não interferindo com espaço
que pode vir a ser tomado por outra pessoa mais tarde ou mais cedo. Em princípio mais tarde. Surpreendentemente, o comboio vai quase vazio em
termos de passageiros. Mas está um cheiro no ar. Um cheiro relacionado com casas
de banho também no espectro do sujo. Mudo de lugar para um dos duplos uma vez
que dos simples já não há, em busca de um cheiro melhor. Rearranjo a bagagem em
torno de mim. Mas o cheiro continua. Deve estar a ser este emitido
por qualquer coisa orgânica dentro da gaveta metálica sempre pronta a recolher
o lixo dos passageiros, que há junto a cada fila de lugares. A gaveta mais
próxima de mim vai um pouco aberta e deve levar uma fraldinha dentro. É uma boa
hipótese, uma hipótese fácil de imaginar. Mudo de lugar pela segunda vez ainda
na senda de um cheiro melhor e paramos em Amsterdam Zuid. A voz masculina no
altifalante do comboio (será que ainda se pode atribuir sexo, perdão, género, a
vozes que ouvimos em altifalantes dentro de comboios?), a voz masculina, arrisco
lá então, anuncia a estação presente. E depois continua, conferindo certa
urgência no seu troar, quase talvez cómica, uma urgência de professor avisando
alunos distraídos, este não é o comboio
pára-em-todas para Amersfoort, este é o comboio rápido para… e enuncia
todas as estações do rápido em que estamos, eu e o cheiro a fraldinha (vamos assumir). No meu terceiro novo lugar a situação está, mesmo assim, mais otimista
quanto ao cheiro e lá fora noto que faz sol. A nota do sol vem trazer um
bocadinho de alívio ao contexto em que estamos de comboio sujo e mal-cheiroso, é uma cortesia da casa. O comboio,
porém, ainda não arrancou todo-porco de Amsterdam Zuid. Está agora a ouvir a
repetição da mensagem acima, nomeadamente com a urgência avisadora mais agudizada,
oiçamos, este comboio não é o pára-em-todas
para Amersfoort!, este comboio é o rápido para… e desfia de novo toda a
estação vindoura, bem articulada a voz masculina (só mais esta vez), pausada, considerando
que alunos aqui sentados, apesar de poucos, não estão suficientemente atentos. Eu
penso que é então agora que vamos lá embora, já estou ansiando pelo duche que me espera, mas não. Agora vamos é ouvir a nova mensagem no altifalante
que já está a sair, diz ela assim: “É a última vez que estou a avisar!”
Eu ri-me, esqueci-me da fraldinha na gaveta, do cheiro no ar, o comboio arrancou e ainda não parou.
Pára-em-todas leva acento em pára neste post. De oferta.