- Quantas mulheres tens aí nessa máquina? - lança pelo ar um funcionário homem para a colega mulher que, nesta máquina onde vou eu a passar passageira, visualiza os conteúdos das malas e cenas afins num ecrã.
- Aqui? - olha a colega mulher em redor a contar as mulheres-colegas - quatro!
- Então dá cá duas! Aqui não temos nenhuma!
(e se uma mulher faz muita falta onde quer que seja, duas idem)
Prossegui o meu caminho sem observar a transferência sexista que se anunciava, concluindo facilmente que alguma passageira fez alarmar a máquina do lado e não havia quem tivesse as competências requeridas que a pudesse apalpar, ou seja, uma falha na gestão dos recursos (tss).
Como se irá resolver este requisito do processo de apalpação quando alguém se lembrar de pôr @ no lugar dos "a" e/ou dos "o" indefinindo sexo e género para ficarmos todos contentes e abrangidos é o que eu acho divertido.
Terá começado, será, muitas vezes, com a melhor das intenções. A ideia de mudar mentalidades, de uma vez por todas, e, consequentemente, o mundo para melhor, recorrendo também à simbologia, à adaptação discursiva, e por aí fora. Pelo menos será, terá sido, acredito, a ideia dos que começaram e estão nas coisas, ou defendem-nas, mesmo por convicção, mesmo crentes de que é ponto de partida para mudar o que tem de ser mudado, reconheço isso, mas isso não significa, ou não deveria significar, que não possam ser questionados, e, muito menos, que tenha de ser obrigatoriamente ponto assente, que estão a fazê-lo da melhor maneira, sim, não será por acaso, ou só para embirrar, ou porque são do contra, que tantos falam em ditadura do politicamente correto (não estou a ter em conta os que não questionam nada e apenas seguem o que "é bonito" em cada altura seguir para servirem os seus próprios interesses de passarem melhor pelos pingos da chuva e terem muitos likes, nas redes e na vida, nem dos que já desistiram de dizer "se calhar...", que não é nada agradável ter depois de lidar com "os loucos furiosos do bem", sem admitirem qualquer "não seria melhor...", a cair-lhes todos em cima).
ResponderEliminarÉ uma questão que me preocupa e assusta mesmo muito, verdadeiramente, principalmente nos últimos anos, é que tem sido gritante, este aumento de um tipo de "folclore", vou chamar-lhe assim, que, no meu entender, é acessório, muitas vezes, só serve para retirar o foco do essencial, isto quando não vai mais longe e cobre mesmo o essencial de ridículo, levando o foco para a parra em vez de tê-lo na uva.
Parece mesmo ter vindo a acontecer uma substancial redução de discernimento, e não imaginas como acho isso verdadeiramente assustador, e, para além de verdadeiramente assustador, muitíssimo perigoso. Parece que deixou de existir equilíbrio, que só existem posições de oito ou oitenta.
Acho mesmo, muito seria e sinceramente, verdadeiramente preocupante.
Desculpa se me excedi, Susana, mas não consigo fugir a um bom gatilho, e este é um excelente gatilho. E, se fosse para estar com demasiados paninhos quentes, preferiria não comentar.
Desejo-te um excelente resto de domingo e uma nova semana também assim toda caídinha na excelência :-)
Minha querida Cláudia, não te excedeste nada, não aqui, já sabes que esta casa é tua e que eu aprecio muito muito os teus comentários. E felizmente não sou a única!
EliminarDesculpa ter demorado tanto a vir responder. O teu comentário (para não variar) é tão rico e faz-me tanto querer ficar num diálogo sobre o tema, que preciso de tempo para vir cá tratar dele.
Primeiro, é muito agradável quando percebo que a mensagem que quero passar nos meus posts aparentemente (talvez) infantis ou levezinhos ou até parvinhos, é passada. E isso, acredita, é muito bom! Tão bom, que daria também para muita conversa. Mas adiante.
É exatamente o que sinto: o ridículo de andarmos a ocupar-nos com a parra e não olharmos de frente para a uva, assumirmos que o que falta é muito mais fundo do que pôr sinais nos textos. Eu tenho abominado a moda de colocar o @ no lugar de uma letra que define um género. O género que se convencionou estabelecer na língua portuguesa conferindo-lhe o significado mais genérico: engloba toda a gente. Não acredito em mudar a forma, mas sim o conteúdo. A forma é apenas um nome, um conjunto de sinais. Mas enfim, viver com textos com @ será o menos mal que me sucederá na vida, evidentemente. O que me assusta, tal como tu dizes, é o desvio do fulcro. É perdermos tempo com parvoíces atómicas que não fazem de nós, de modo algum, pessoas mais respeitadoras do nosso semelhante. Tenha ele o que tiver dentro das calças, dentro da cabeça, dentro dos dias. É nosso semelhante. E a verdade é que – se olharmos para trás (por exemplo, para o passaporte dos meus avós, onde consta uma frase relativamente à minha avó mencionando que ela só poderá sair do país mediante autorização do marido – aliás, ela nem tinha passaporte próprio, ia de boleia no dele), se olharmos para trás, dizia eu, vemos o caminho imenso que já percorremos! E isso nem tu nem eu esquecemos ou menosprezamos. Mas, olhando para a frente, gostaríamos de ver um pouco mais de – como direi? – inteligência? Concentração no essencial? Nem sei nomear.
Hoje ouvia, num podcast, a Clara Ferreira Alves dizer que em Portugal falta massa crítica. Até eu, que tenho um olho cirúrgico para detetar o que vai bem, o que é belo e são, honesto e genuíno, até eu tive de concordar com ela. Às vezes dá-me, sabes Cláudia, vontade de chorar.
Para ti: bem hajas! Tem muitos filhos, se puderes, e educa-os de acordo com os teus princípios. Já farás o mundo um bocadinho melhor.
Foi muito bom passar por aqui e ler o que ambas escreveram, mesmo muito bom.
ResponderEliminarBoa noita para as duas.
😴😴
E também para a Miss Marble 🐈
Querida Maria, que comentário tão bom de ler, obrigada!
EliminarUm dia feliz para si, a MM manda cumprimentos felinos. :-)