07/04/2022

Há verdades que parecer não parecem

Ando meio que descasada dos livros, por estranho. Entrei firme em dois mil e vinte e dois com um José Saramago na mesa de cabeceira encimando os outros, lidos ou não. Ele vive comigo há valentes anos, mas por carregar um título sugestivo de viagem - logo eu que não sou desses – ou dessas, não sei bem, foi como que ficando na estante ao lado sabe-se lá de quê. Lembro-me que foi nos últimos suspiros de dois mil e vinte e um que o resgatei ao pó com um paninho de microfibra bastante colorido. Porém, a leitura não fluiu. O inverno ameaçando demitir-se e eu ainda não havia chegado às beiras, vindo bem lá do norte, igreja após igreja, como é o caso na obra que trata da saramaguiana Viagem a Portugal. Conversámos sobre isso e deixei-o de lado a descansar as páginas. Não é tanto o ser de viagem, que se perdoa pelo supremo das linhas, é mais o ser de incursões repetidas em igrejas mortas - fico cheia de frio. Aqui chegados, enquanto o livro goza as férias forçadas atiro-me a outro nobelizado sem querer: William Faulkner. É edição da Visão, apanhada também há muitas voltas ao sol numa bancada lisboeta, poeirenta, sob o incentivo de um desconto agradável: “A Luz em Agosto”. Começo pois em grande esperança de trama urdida, envolta na vontade de me afastar das igrejas lá cobertas do musgo mais antigo e até que a coisa primeiro pegou. Mas a páginas tantas o atrito dos meus olhos nada novos começou a ganhar vantagem aos poucos. Fui intercalando para não enfastiar. Passar a ferro, aspirar o chão e fazer compras no supermercado. Esta "Luz em Agosto" do Faulkner é aborrecida, complicadíssima, já a ficar escusada. Entretanto estamos em plena primavera como se pode confirmar pela data e a relação não vê melhoras, muito pelo contrário. Estou a uns conquistados três quartos do livro, com o final mais do que almejado no horizonte, mas decido abandonar o barco. Deito o livro fechado sobre o lençol fabricado em Portugal quase todo em algodão e suspiro pela encomenda da Wook anunciada para mais logo. A querida vem salvar-me logo a seguir ao almoço e eu rebento-lhe os atilhos. Disponho imediatamente em frente dos olhos muito ávidos os três volumes recém saídos da caixa, como candidatos. Pego primeiro naquele que mais esperança me dá não sei porquê: Leila Slimani, "O país dos outros". Abro-o, assino-lhe a segunda folha no habitual arrebatamento de posse e continuo. Vem uma página de citações, traz duas. A primeira parece uma poesia, passo. A segunda, mais crescidinha, formando um quadrado certinho, anuncia a sua origem: William Faulkner, “A Luz em Agosto”. 

Pá.

14 comentários:

  1. Fizeste tão bem trazer Faulkner para este blogue!!!

    Não sei se te lembras de ter visto algures um poema meu intitulado «Andarilho de Faulkner». Pois é, tem este livro como inspiração. E, Susana, se achas complicado, nem te atrevas a chegar perto de objectos como «Absalão, Absalão».

    Actualmente, comecei a ler o «Sartoris» no outro dia (coisa de uma semana atrás), e gostei muito. Mas eu sou suspeito.

    Nessa coisa da complicação, eu acho que não existe tal coisa de livro complicado, amarrado. Quer dizer, existir eles existem, mas a coisa está em quem depende de entrar num universo assim. Somos livres de abandonar os livros se não nos dizem nada, ou achamos que o autor está só a exercitar o ego e a amaciar a vaidade, que é o que se faz quando se quer ser complicado. Em demasia.

    Boa noite. :)

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    1. Este foi o primeiro livro de W. Faulkner em que peguei. A trama é esquisita, parece andar ali à deriva, por vezes até quase acho que ele estava bêbedo quando escreveu certas passagens. Depois, os personagens aparecem conforme vai dando jeito, como que metidos a martelo e, para ajudar, a tradução é tão má que parece a gozar.. . Puxa, que raio de livro mal parido.
      Mas adoro conhecer a tua opinião, Diogo! Aliás como sempre.
      Sobre o teu poema, não me lembro desse em específico... Onde posso ir relê-lo?
      Boa noite e boas leituras, Diogo. :-)

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    2. Até podes ouvi-lo dito!

      https://www.youtube.com/watch?v=MzfaXLVMREc&ab_channel=DiogoC.

      (não acho nada disso do livro, mas bem, os livros vão mudando conforme o tempo que nos cabe; amanhã posso achar tudo isso que achas, perfeitamente)

      Boa noite & boa semana :)

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    3. Diogo, muito obrigada!

      O teu poema é infinitamente melhor do que o livro em que se inspira, se me permites opinião...

      E é verdade o que dizes: os livros podem ter sabores diferentes se os lermos em tempos diferentes.

      Boa Páscoa!

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  2. Compreendo-te perfeitamente. Detesto esse livro.

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    1. Querida Cuca, é mesmo tão bom ter-te de volta!
      Já não é a primeira vez nem a segunda que detetamos coincidências nos nossos gostos!
      (de cada vez que tropeço em Vivaldi, lembro-me que tu e eu somos as duas únicas pessoas no mundo que não apreciam a sua música)
      :-)

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  3. Eu vou ler a natureza e já trago notícias:)
    ~CC~

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    1. A natureza?... Será um livro e William Faulkner? (fui procurar e não encontrei).
      Mas seja o que for venha contar, sim.
      :-)

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  4. Eu gostei de A Luz em agosto. Confesso que foi dificil ao princípio mas, como nunca desito de um livro, insisti na leitura e a partir de certa altura tudo começou a ser diferente e melhor.

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    1. Que giro. Eu gostei mais do princípio. Depois foi ficando cada vez mais difícil.
      Tento sempre não desistir dos livros, mas por vezes tem de ser.
      Bom domingo, Ana! :-)

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  5. Tenho esse livro, também edição da Visão, precisamente, a aguardar vez.

    (quanto a existir ou não livros complicados, apetece-me dizer que, até ter pegado em Ulisses de Joyce, pensava eu que já tinha pegado em livros complicados, mas, afinal, não :-). Alguns apenas precisaram de mais tempo, outros achei-os apenas uma grande chatice, custou chegar ao fim, agora, Ulisses, Ulisses, é mesmo, mesmo complicado, digo-te mais, e, desde já, peço perdão pela arrogância, não acredito que, quem já leu, tirando a ideia, vou dizer, principal ou talvez mais óbvia, ou pelo menos aquilo que interpreto como sendo a ideia principal, tenha percebido realmente tudo aquilo que leu, mas não acredito mesmo. Acho que Ulisses, de Joyce, é um exercício muito pessoal de um escritor que, apenas sem querer, poderá originar alguma forma de diálogo com quem lê).

    Uma boa noite :-)

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    1. Eu acho que não vou pegar no Ulisses nunca. O que já fui ouvindo por aí sobre as "maravilhas" dessa leitura, é suficiente.
      Querida Cláudia, não te recomendo leres essa edição da Visão. A tradução é miserável e a revisão do texto deve ter sido inexistente. Enfim.
      Mas olha, se o leres conta como o achaste, contas?
      Boa noite :-)

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  6. A minha tentativa de ler William Faulkner foi com o "Som e a Fúria". Também não gostei e não consegui acabar.

    Saramago li há muitos anos. A paciência era outra e gostei.

    Não faço "fretes" quando não gosto dos livros. A leitura deve ser um prazer, principalmente quando o tempo é pouco e há tantos livros que gostaria de ler.

    De momento, estou a ler Charlie Donlea, no género mistério/crime, um dos meus favoritos. Se gostar do género, recomendo. Ou o meu adorado Joe Nesbo.

    Gostei de saber que não sou a única a não conseguir ler William Faulkner.

    Um abraço, Susana!

    Sandra Martins

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    1. Olá Sandra :-)

      Ah, mas eu adoro Saramago! Normalmente leio-o avidamente. Só este livro que fala de uma Viagem a Portugal é que está mais difícil por causa das igrejas. Na verdade, as igrejas deprimem-me, esvaziam-me, são enfadonhas. E nem sendo o Saramago a descrevê-las a coisa vai. Quer dizer, ir vai, mas muito devagar.

      Jo Nesbo é que ainda não experimentei mas está na calha! E de Charlie Donlea não tinha ouvido falar, mas fica já registado.

      Agora vou ali abaixo atualizar a reportagem sobre a magnólia, como prometido!

      Um beijinho e Boa Páscoa!

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