21/01/2024

Os apitos da dona eletrónica

Amadurecida há que tempos na insónia orientada a sul, desejei encharcar-me numa belíssima laranja de mesa (a explicação colhida em Que pressa é essa, João Vaz de Carvalho). O inverno, ao invés, aconchegando-se em parte na escuridão, entrega os silêncios gelados entre as zero e as sete.
Sem saber, tínhamos a comida estragada por uma trovoada à deriva, talvez nomeada, também capaz de agitar o eucaliptal muito senhor em projeto de pasta e de papel assinado. 
O meu problema não é a saudinha, ou sequer o dinheiro. O meu problema é pequenininho. 

19/01/2024

Círculos

Um dia ficarei só para os livros. Abandonarei o horário, e portanto os atrasos de vida, deixarei de ouvir o sino da igreja (que foi entretanto reparado). E de circular pela chuva ou almoçar mais cedo. Um dia serei essencialmente simples. Talvez escreva antes ou depois de jantar, não pretendendo resolver os problemas do prédio.
Mas por enquanto são sete e meia e, ao fundo da rua onde trabalho, há um café. Dentro, o ecrã televisivo ocupa uma grande parede e passa, em círculos, insufladas, as notícias mais chocantes dos últimos dias. À saída, com a boca morna do café quente, antes de enfiar a cabeça na chuvinha que se ouve cair na rua, podemos tornar a esfregar os sapatos no capacho exausto. 

03/01/2024

Nossa! os três pastorinhos

Em Fátima, na rua onde circula este autocarro, há iluminações de Natal que brilham contra o negro da noite de janeiro. Têm a forma de um ondulado substancialmente vertical, encimado por uma estrela e acolhendo nas suas concavidades três bolas que, lentamente, mudam de cor. Olhando-as por entre os bocejos que me saem do sono, ponho-me a adivinhar o caderno de encargos emitido pelos serviços da câmara municipal e que o designer cumpriu lindamente: algo assim alusivo ao lugar, compreende?

(e fotografei um caso que passava por lilás, passava, passava)