Logo que chegou a encomenda, apreciei a capa. Pareceu-me infantil, mas o problema com o mundo infantil é meu; portanto endireitei as costas e afastei o cabelo dos olhos. Abri então o livro com uma avidez intacta. De pé, mesmo, entrei-lhe pelas palavras a derrapar. Mastiguei as primeiras pseudoideias com o paladar configurado, a cabeça um bocado inclinada a sul, quer dizer, a mente aberta a qualquer luz que viesse, os olhos bem focados.
Mas estava a escapar-me um sentido, uma imagem sequer. Alguma lógica. Comecei a correr atrás daquelas palavras que fugiam todas em ausência. Eram e não eram em verbos estranhos ou não. Acompanhadas por doses absurdas de talvezes e incertezas de rumo, parei de comer na terceira página. O problema seria meu, evidentemente. Com certeza as pressas. Pousei o livro, voltaria mais tarde. Depois do trabalho, do banho, de um jantar (da luz verde e azul muito linda na noite).
Porém, na segunda visita, fui recebida com a mesma bacidez, o mesmo vácuo onde nada cabia. Não pude formar qualquer imagem por deslavada que fosse. Aquelas palavras estão inanimadas.
Não foi uma possibilidade continuar a leitura, e morri-a na página oito. Entreguei muito depressa o livro à estante, recolhi as mãos limpinhas e consumi a indignação num suspiro intitulado sem-título. Foi melhor assim.
Pela descrição, não estranharia que a autora se tivesse baseado em Schrodinger (mil perdões, mas não consigo fazer trema neste teclado...) -- "ser e não ser" (dito isto, ocorre-me que Schrodinger não fez mais do que pegar no "ser ou não ser" de Shakespeare e mudar apenas o "ou" em "e".
ResponderEliminarMais concretamente, um caso em que as palavras no livro ainda fechado podem estar vivas ou fenecidas. Abre-se o livro, e comprova-se que, afinal, toda a matéria que possam ter tido, já se transmutou em onda fugitiva há muito. :-)
Caríssimo xilre, eu diria que a sua elaboração vem muito a calhar e possivelmente se reveste mesmo de verdade. Não me admiraria! "ser e não ser! ", até se abrir a caixa. Isto relativamente ao gato, claro!
EliminarQuanto ao livro que inspirou o post, ocorreu-me que tenha ali maozinha de um bot.tipo.chatGpt ou coisa que o valha, tão insípido me soou.
E finalmente: se a poesia começou a entrar nesta cabeça dura depois de muito ficar à porta, foi em parte pela extrema vivacidade das palavras em alguns poemas!
Assunto com muito potencial para desenvolvimentos, realmente. 😊
Bom fim de semana.