Dizias "Vou pôr mais água no chá" enquanto te dirigias à cozinha com o bule de porcelana decorada a florzinhas ao estilo inglês, já vazio. E regressavas segurando o bule de modo mais firme, cauteloso, superando assim o peso da tua idade de avó experiente. Devagar, e só depois de passar um minuto ou dois, tornavas a encher cada uma das nossas chávenas. Era chá preto. Nos pratos havia paezinhos de leite com fatias de queijo flamengo cuja espessura havia sido supervisionada por ti, não fosse alguém lembrar-se de as cortar demasiado finas.
Nessa altura - quantas décadas já lá vão? - eu não sabia de outras maneiras de tomar chá. Não sabia, por exemplo, que iriam fabricar-se saquinhos mais pequenos, cada um destinado a uma chávena só. Nesse tempo nosso, chá era o nome de um momento de comunhão, de encher a barriga com doçuras e, acima de tudo, um momento de amor. Não havia, não na tua casa, chá só para um. Esse era um nome tão amplo que, dentro dele, cabia toda a tarde de domingo.
As toalhas que usavas para cobrir a mesa cheiravam a lavado. Ora bordadas ora com aplicações em croché, haviam sido feitas por ti. De uma revista, de um modelo, da tua imaginação. Fiquei com duas, sabes? A verde clarinho e a das rosas vermelhas. O bule, aquele que transportavas para "pôr mais água no chá", também ficou para mim. Mas, tal como as toalhas, passa os domingos arrumado. E os sábados, os invernos - anos inteiros. Ao lado da pilha de pratos e das chávenas encaixadas duas a duas. As florzinhas de estilo inglês no silêncio do interior escuro do armário.
Hoje o chá é individual e ninguém tem tempo para toalhas bordadas. Não que as pessoas não estejam juntas, mas, sabes, cada um tem o seu gosto, a sua preferência, o seu problemazinho. E, depois, há mil e quinhentos chás.
Há de frutos do bosque, mel e limão, maçã e canela, chá para a noite, para as pernas, para a cabeça. Há chás para tudo.
Só não há um para as saudades, querida avó, estas tão grandes, velhinhas, persistentes, que cá deixaste plantadas no meu coração.