21/08/2013

À beira do rio

Ponte medieval, Rio Coura, Vale de Mouros                                                       

Lá está o velho Mercedes estacionado à beira do rio. Com as janelas abertas.

É o casal sexagenário que ali vai passar as tardes soalheiras de domingo.

Gostam de ver as águas correr, sentir-lhes o borbulhar, admirar a velha ponte, ouvir os pássaros que ali vivem e já conhecem o roncar do motor, sabem a que horas chega.

Nos últimos três domingos, o rio sentiu-lhes a ausência. O filho e a nora tinham vindo da França, com os netos, ficaram o mês das férias, encheram-lhes a casa. Partiram ontem, fizeram-se ao caminho antes do meio-dia.

Ela faz crochet. Enrola o dedo indicador direito na linha branca de algodão e revira-o por cima da outra mão na laçada rápida, automática. Entoa baixinho uma canção do Tony Carreira, busca-lhe o ânimo. Para o rio levanta os olhos de cada vez que termina aquele lado e vira o trabalho para recomeçar na outra ponta.

Ele recosta-se no banco do Mercedes, inclinado no maior ângulo de que a tecnologia de então o permitiu equipar, e passa pelas brasas. Cruza as mãos que apoia na barriga proeminente. Respira pesado.

Ficam assim por duas horas ou três. Ficam até o sol deitar na água corrente as sombras das árvores.

Depois ela arruma o trabalho, são horas de tratar da janta.

Ele sente-lhe o quebrar do cântico e desperta.

- São horas, mulher.
- São.
- Cantas mais uma?
- Porquê, homem, a canção não tos traz.
- Canta, vá. P’ra me distrair.

Ela retomou o crochet, cantou mais duas. Sabia que tinha de o distrair até ao próximo verão, quando os meninos trouxerem mais um palmo de tamanho, medrado lá na França.

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