Ponte medieval, Rio Coura, Vale de Mouros
Lá está o velho Mercedes estacionado à beira do rio. Com as janelas abertas.
É o casal sexagenário que ali vai passar as tardes soalheiras
de domingo.
Gostam de ver as águas correr, sentir-lhes o borbulhar, admirar
a velha ponte, ouvir os pássaros que ali vivem e já conhecem o roncar do motor,
sabem a que horas chega.
Nos últimos três domingos, o rio sentiu-lhes a ausência. O
filho e a nora tinham vindo da França, com os netos, ficaram o mês das férias,
encheram-lhes a casa. Partiram ontem, fizeram-se ao caminho antes do meio-dia.
Ela faz crochet. Enrola
o dedo indicador direito na linha branca de algodão e revira-o por cima da
outra mão na laçada rápida, automática. Entoa baixinho uma canção do Tony
Carreira, busca-lhe o ânimo. Para o rio levanta os olhos de cada vez que
termina aquele lado e vira o trabalho para recomeçar na outra ponta.
Ele recosta-se no banco do Mercedes, inclinado no maior ângulo de que a tecnologia de então o permitiu
equipar, e passa pelas brasas. Cruza as mãos que apoia na barriga proeminente. Respira
pesado.
Ficam assim por duas horas ou três. Ficam até o sol deitar na
água corrente as sombras das árvores.
Depois ela arruma o trabalho, são horas de tratar da janta.
Ele sente-lhe o quebrar do cântico e desperta.
- São horas, mulher.
- São.
- Cantas mais uma?
- Porquê, homem, a canção não tos traz.
- Canta, vá. P’ra me distrair.
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