a voz à solta
15/08/2019
O tema despreferido das minhas irmãs
E não é que já vou no quarto livro seguido que me deita abaixo, ou me toma, me agarra?
Isto sim é felicidade.
A lista - para o caso de interessar:
O susto - Agustina Bessa-Luís (dispensamos comentários)
Os anagramas de Varsóvia - Richard Zimler (nada a combinar com Agustina, especialmente difícil logo a seguir a ela, mas não é que no final valeu demais?)
O vinho da solidão - Irène Némrovski (na senda dos russos, uma doçura triste, beleza tão grande, espécie de autobiografia, talvez eu ali também)
O centauro no jardim - Moacyr Scliar (vixe maria, que delicinha!)
(o título é impercetível, mesmo, favor desculpar)
07/08/2019
Carcaças feitas à mão (não mantêm a forma)
Na Holanda tudo se planeia. Se agenda, se regula. O nível de organização bate aos pontos aquele que se pode observar em Portugal, por exemplo (isto é uma constatação).
Tal é a amplitude do fenómeno da organização neste país, que inevitavelmente já se transformou em normalização em alguns aspetos. Ora bem, certas marcas de queijo quando vendido fatiado, embalado, apresentam as suas fatias com o tamanho e o formato da generalidade do pão que se come. É pão parecido com o que para nós seria "de forma", e também ele já vem fatiado. Pode até diferir na cor da farinha, mais clara, mais escura, e na quantidade de sementes que encerra, mas mantém a forma, o danado.
(Se pensarmos bem, sempre se poupa tempo de manhã, ao pequeno almoço, a preencher a fatia de pão com o queijo, não é?)
Há dias, Erik, cidadão deste país, segurava, em cada mão, uma carcaça de pão português, comprado na serra beirã a um padeiro dos antigos e, observando com atenção as carcaças, diz-me: estes pães são de tipos diferentes, olha.
- Não, são exatamente do mesmo tipo.
- Não são nada! - ele estava com certezas na sua conclusão - então não vês que um é mais gordinho e o outro assim mais estreito?!...
É isto que eu digo.
05/08/2019
Tesouros
Aqui, neste princípio de tarde de verão, húmido e quente, farto, pardais gordos debicando pelas mesas migalhas demais, aqui onde estacionam carros potentes e as crianças se vestem de igual, onde se afixam cartazes anunciando concertos de verão e os menus escritos a giz se impõem num estar pitoresco, aqui quatro cubos de açúcar são nada. Lá, num ido inverno polaco igual ao inferno, criogenado, o ódio por menu do dia, a morte por certa, há quase oitenta anos, lá, foram os cubos de açúcar tesouros.
03/08/2019
Robalo escalado
Estou a trabalhar dentro de casa, na serra (devido à minha mobilidade extrema, há que precisar o local da cena), a porta para o terraço estando aberta e deixando entrar o piar dos melros, o zangar dos gaios, os quais andam muito à bulha mas são lindos de não se aguentar e eu queria apanhar uma pena das azuis, riscadas, para enfeitar-me com ela, e um ou outro avião que lá vai. Dentro de casa voam, evidentemente, umas duas ou três moscas, também elas contribuindo (por enquanto sem número*).
De súbito, oiço uma cabra muito chateada, mas muito chateada. Continuo, pensando que o vizinho inglês está a tratar delas, das cabras, e pisou uma sem querer ou sei lá que coisa parecida. O meu trabalho versa sobre assuntos tão díspares de cabras, que dá graça o contraste.
Mas a cabra parece estar a aproximar-se num crescente de reclamação, bé que eu sei lá, bé bé bé, e a minha concentração perturba-se.
Levanto-me, então, para ir lá fora tentar ver o que se passa. Já vou de coração enfraquecido, que as cabras conquistam-me só por existirem e estas aqui do lado considero-as livres de perigos, tendo em conta que o vizinho afiançou servirem só para dar leite e não para comer.
A cena ao alcance da minha vista: a cabra está a ser convencida, à força, puxada por uma corda ao pescoço, pelo vizinho inglês e mais dois homens que chegaram num carro branco, a sair da área vedada que lhe tem servido de lar.
Volto a entrar em casa, tiro o robalo escalado do frigorífico e salgo-o para o almoço.
* uma piada.
02/08/2019
#SoFaltamDois
Interesso-me mais por assuntos mofentos ao olhar das pessoas modernas e tal e semelhante isso (para avisar). Mas vá lá que de vez em quando ainda encontro um pouco de eco no mundo de consumo superficial que é o nosso. Consumo superficial, julgamento fácil ou intolerância apressada relativa a nada, por exemplo. Imenso barulho. Lamento.
Foi no bar do comboio serviço Alfa Pendular destino Santa Apolónia proveniente de Porto Campanhã que não pude resistir.
- Este comboio é novo, não é? - eu perguntei ao empregado que me vendia o café sem número de contribuinte, numa de variar.
- Não.
- Não é?! - tipo eu insisto. (tipo vem das minhas filhas)
- Não. Tem vinte anos, o comboio é de 1999.
Redundante o numeral, que a conta é fácil de fazer, mas eu adoro exatidão, sou dessas.
E logo acrescentou.
- O comboio foi todo renovado. Tem cadeiras novas, por dentro é tudo novo, mas é o mesmo comboio.
Notei certo orgulho? Notei.
- Ficou muito bem, parece outro, novinho!
E, para meu deleite de pessoa de exatidão, ainda me deu de bandeja, juntamente com o café.
- Ao todo são dez comboios que fazem este serviço, sabe. Oito já foram renovados, só faltam dois.
Toma. (não sabia)
(e aposto que tu também não)