a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

29/06/2014

Desse lado

A serra estende-se à minha frente. O vale, ao fundo, está ponteado de casinhas brancas. Aqui e ali a sombra de uma nuvem teimosa e a cascata, na encosta do outro lado, ouve-se daqui.

O dia amanheceu de uma cor indefinida, era branco e azul ou, pensando bem, talvez apenas cinza. Eu vi porque acordei muito cedo e não pude dormir mais. Os pássaros despertavam também, fiquei a ouvi-los cantar, é dos sons mais belos de todos. Se não houvesse pássaros, como podia alguém ter tentado a música?

Entretanto, a manhã já se inundou de luz e eu decidi escrever-te. As cores estão de volta a todas as coisas, o sol radioso, talvez prenúncio de um dia de verão esquecido do cinza da aurora.

Ontem apareceram no terraço dois grandes gafanhotos de um verde muito vivo. Os gafanhotos ainda me enervam imenso.

Continuo a mesma tola de sempre, mas já não se nota tanto. Aprendemos a disfarçar as inconveniências com que vivemos, eu também aprendi. O meu cabelo já começou a branquear, sabes? O meu rosto também já tem vincos que o tempo cá vai deixando. Mas não me importo, ponho uma cor no cabelo que me devolve a ilusão e para o rosto comprei um creme que tem o cheiro do meu jardim de infância, por isso vai dar resultado.

As miúdas cresceram. Nunca gostaram das minhas sopas (e eu também não), mas cresceram. Devia ter-te pedido que me ensinasses a fazer a sopa, o aroma da tua ainda me alimenta a memória nos momentos em que busco consolo em ti.

Ainda não se partiu nenhuma chávena do teu serviço de chá inglês. Tenho sempre muito cuidado, digo a toda a gente que o serviço era teu. Por falar em chá, agora compro o queijo já fatiado, não tomei jeito a cortá-lo à mão e não quero mais máquinas a encher a cozinha.

Não sei se vais ler isto, talvez possas, em vez de ler, ouvir a minha voz interior, aquela que vou soltando por aqui, na internet; expliquei-te o que é a internet quando me perguntaste, recordas-te?

Mas queria dizer-te que não tive, em todos estes anos, outro momento tão negro como aquele em que te fui anunciar a brutal morte do teu único filho e fiquei sem voz.

E tu, sempre o encontraste desse lado, avó?

26/06/2014

Encantadores de serpentes

À entrada do parque deram-nos um mapa, ou melhor, uma espécie de jornal que tinha um mapa. Tinha também notícias e advertências várias.
Como não ia eu a conduzir o carro alugado, abri o jornal e pus-me a ler. Nessa época, corria o mês de abril de mil novecentos e noventa e seis, eu já tinha o impulso de ler tudo o que me aterrava nas mãos ou debaixo dos olhos.

Li então que não era permitido deixar dentro do carro estacionado, à vista, pacotes de batatas fritas ou de bolachas ou alimentos do género. Por causa dos ursos. A acompanhar, estava uma fotografia de uma janela de um carro dobrada ao meio.

Li também que caso nos deparássemos com um destes ursos, bicho negro de tamanho respeitável, deveríamos enfrentá-lo, levantar e agitar os braços, bater com os punhos no peito, gritar, fazermo-nos, em suma, grandes e assustadores. Li duas vezes, para confirmar que tinha lido bem e para memorizar as instruções. Assim, em princípio, o urso leva um susto e sai-nos da frente (eles notavam no artigo que os ursos estão habituados às pessoas). Se isso não acontecer, atiramos-lhe a nossa mochila de presente, para que ele se entretenha e então afastamo-nos.

Levantei os olhos da leitura, o carro rodava devagar pelas estradas do parque Yosemite, na Califórnia, estradas ladeadas de árvores, aqui ainda não são as sequóias, são outras, e ia partilhar estes interessantes artigos do jornal, mas os meus três amigos tagarelavam sobre as caminhadas ascendentes nas falésias que circundam o vale gigante, que bonito deve ser chegar ao topo da cascata, e eu deixei o assunto dos ursos para mais tarde.

E mais tarde chegou. Tínhamo-nos separado dois a dois de acordo com os interesses de cada um, havia que aproveitar o tempo, e os dois que ficámos deste lado caminhávamos pelo bosque, junto a outras pessoas, um grupo grande, à nossa frente.

Eu ouvi um urro que não atribuí aos passarinhos, mas pensei que era sugestão da minha leitura. Observei disfarçadamente os outros e ninguém pareceu ouvir o mesmo que eu. O segundo urro não tardou.

- Ouviste isto? - perguntou-me o Miguel.

As pessoas à nossa frente aceleraram o passo e olhavam para trás, para nós, que não temos cara de ursos, depois para trás de nós, e aceleravam mais o passo. O Miguel fez menção de acelerar também.

- Não te preocupes. Se o urso aparecer, fazemos assim, escuta.

E então contei-lhe a ele o que escrevi ali em cima, mas mais depressa. Ele disse que eu estava maluca e que íamos correr. Agarrou-me no braço e puxou-me. Corremos nós e os outros que iam à nossa frente. Correu toda a gente para a estrada até deixarmos de ouvir o urso.

Eu não estava maluca e tive muita pena, sinceramente, de não o ter visto.

O Miguel ainda tremia e eu a dizer-lhe que era só seguir as instruções, as que ele não quis ler, mesmo quando lhe abri o jornal à frente do nariz.


Sempre que contei esta história que de mentira só tem o nome do Miguel, ninguém acreditou em mim.

Os mais simpáticos disseram que vá, acredito, mas o que ouviste foi um som gravado a sair de uns altifalantes escondidos nas árvores.

Meus ricos, disse-lhes eu, isso é o que há nas ramblas, em Barcelona. O som dos pássaros que lá deviam estar e não estão por causa dos encantadores de serpentes, e isto não é mais que a minha opinião, são gravações emitidas por altifalantes pendurados nas árvores. E eu vi-os.

E também vi, mas aposto que vocês não, que as pernas do árbitro que apitou hoje o nosso jogo são feias. Mesmo feias.

E agora, já acreditam?

25/06/2014

Beijos meus

Não falava com ele há um tempo, talvez uns dois anos. Hoje ligou-me para o número fixo, em resposta ao meu email de ontem a pedir um orçamento.

Tenho ideia que nos tratávamos por tu. Pelo menos tenho a certeza absoluta que me cumprimentava com dois beijinhos, mesmo por cima da minha mão estendida em riste, cheia de esperança de ser apertada. Esta mania dos beijos em trabalho é muito esquisita para mim. Adiro com relutância, mas lá vou aderindo, sobretudo quando a relação de trabalho se deve manter sã.

Mas hoje liga-me, então, o Teixeira.

- Olá, estás bom? - por acaso reconheci-lhe a voz.

E ele muito formal, olá, como está? Há quanto tempo, não é?, e tal, essas coisas que se dizem antes de ir ao que interessa. Eu atalhei, urgi porque preciso agora de tentar outra vez o tu, a ver se é de mim ou se ele está distraído, vamos lá.

- Estás a ligar-me por causa do meu email de ontem, presumo.

- Exactamente, é que já tenho um valor e estou a fazer-lhe um desconto muito bom!!

Mau.

Vou insistir, tentar recordar o rapaz que isto era por tu, normalmente não se anda para trás, rapaz este que ainda por cima deve andar pela minha idade, é quase certo que sim, portanto mais uma razão, afinal aqui a esquisitinha costumo ser eu.

- Mas isso é óptimo, Teixeira, e em quanto consegues fazer?

Ele disse-me o valor e manteve-se na dele, você sabe lá e isto e mais um queijo e tome lá as novidades. Desatou a contar-me, então, muito entusiasmado, o rebranding que a empresa sofreu e que está na base dos preços mais atractivos, a juntar ao facto de terem feito também uma reorganização departamental.

Eu ainda estou na palavra rebranding, a digeri-la com cuidado, a tentar visualizá-la em português, tarefa não imediata, será disto que ele ficou assim?, quando aparece à porta do meu gabinete o Luís com o computador portátil nos braços a tentar dizer-me qualquer coisa, fazendo gestos exagerados com a boca, ou seja a falar sem emitir som, pareceu-me que cantava o "Upside Down" da Diana Ross e eu, caramba, mas que dois!

Como o desenrolar do rebranding continuava, tapei o bucal do telefone e gritei-lhe com o audio desligado, o quê, Luís??

O meu colega Luís tem por vezes umas manifestações repentinas do artista que há nele e eu detesto perder uma boa oportunidade para enriquecer a minha cultura, o Teixeria mencionava agora o website reformulado e portanto tomei atenção no Luís, que eu só oiço um canal de cada vez.

- Já te mandei o relatório, depois vê aí no mail, ok? - diz-me ele.

Ó filho, eu 'tou aqui no rebranding, era o que eu lhe queria dizer, agora que percebi que não havia Diana Ross nenhuma, nem upside down boy you turn me inside out, nem nada. Mas não disse, o Luís adora pôr a malta à prova e o que ele queria sei eu.

O Teixeira, entretanto, já estava na sua recta final quando sintonizei para o telefone outra vez, e pronto, como vê, houve grandes mudanças desde a última vez que cá veio.

Já engasgada e a ver se concluo a conversa sem definir o tratamento, remato.

- Muito obrigada, Teixeira, assim que puder respondo, sim? Foi um prazer.

Acho que me saí bem nesta parte, penso, portanto, ter metido golo.

E o Luís, o safadão, também. O que ele queria era provar que as mulheres não são nada capazes de fazer duas coisas ao mesmo tempo. E conseguiu, o cão.

Já o Teixeira, esse, não pense que leva mais beijos meus.

22/06/2014

Renato

Na quarta feira combinei almoçar com a Marina no centro comercial do bairro perto do trabalho dela que, por coincidência, é aquele em que eu vivo.

Cheguei ao local do encontro e, em vez dela, encontrei uma mensagem no meu telefone, estou cinco minutos atrasada.

Fiquei contente por poder esperar. Enquanto espero deixo de decidir, deixo de contar o tempo, deixo de me apressar ou exigir resultados, suspendo-me no éter da atmosfera possível, que ali à porta do centro comercial tem pintado contra o azul do céu o lilás vibrante, ondulando ao vento, dos jacarandás.

Se por acaso um dia eu morrer, mas não acredito que isso aconteça, poderá continuar a colher-se nas flores destas árvores o reflexo dos meus olhos por muito tempo e por tantas vezes os ter lavado nelas.

Com o olhar suspenso de prazer cromático, detecto, no extremo do meu campo de visão, alguém que se aproxima.

Solto o olhar das cores inebriantes e enceto um sorriso de antecipação à minha amiga, mas quem vem lá é o rapaz magricela que passeia os cães. Vem sozinho e dirige-se à entrada do centro comercial, mas desvia a sua rota na minha direcção e remove da cara os óculos de sol. Eu faço o mesmo, ele dá-me dois beijinhos e encosta-se ao muro ao meu lado.

- Então, hoje vens sozinho.

- Sim, fui agora entregar dois ali à rua de cima, vou almoçar, mas estou cansado - ao dizer isto, o Renato esfrega os olhos.

- Cansado? Então? - este miúdo tem idade para ser meu filho mas é muito mais alto que eu.

- Comecei às seis da manhã, fui passear dois ali em baixo, depois até às oito faço outros dois, ao todo são dez por dia. Ainda me falta um às quatro horas, depois às sete e às oito outra vez.

O Renato tem no rosto marcas que contam histórias que eu não conheço, sei vagamente que não pôde continuar a estudar, que houve gritos e maus tratos na sua infância, que dormiu fora de casa porque não lhe abriam a porta. Sulcos de cicatrizes que cresceram com ele, arte obrigatória quando a vida é madrasta, agruras que lhe escureceram a pele.

- Dez cães? Todos os dias?

- Não, ao sábado não passeio.

Sei de uma família que lhe oferece jantar quando o Renato entrega o cão ao fim do dia. Pergunto-lhe mais sobre o seu trabalho para me manter espectadora deste brilho que lhe baila nos olhos e que ilumina o seu rosto de menino cujas marcas me doem a mim também. Ele dá-me detalhes.

- Este que vou buscar às quatro horas vê-me chegar, lá de cima da varanda, e vai logo a ladrar dizer à dona que eu cheguei.

Depois ri e acena com a cabeça, a reforçar a alegria do cão e a dele, quer que eu acredite. Eu acredito.

Acredito na história do Renato, na família que lhe dá jantar, nos jacarandás que pintam o céu assim, no almoço com a minha amiga. E só por isto acredito também que nunca morrerei.

E na sombra destes jacarandás, vejo a Marina aproximar-se a sorrir, apressada.

21/06/2014

O avental

São oito e dezanove quando tocam à campainha. Adivinho que é a promessa que estava ontem afixada dentro do elevador: a visita para a leitura do contador de electricidade entre as oito e as treze.

Limpo as mãos antes de me dirigir à porta, bom dia!

- Bom dia, era para ler o contador.

- Com certeza, era e é, faça favor. Deixe ver, vazio, ponta não tem nada, cheia, ora anote aí.

O serviço durou uma mão cheia de segundos, que eu ajudei a senhora, era uma senhora.

Regresso à cozinha para continuar a espremer as laranjas. Por um lado, anda aí muita gente a ver se instala as redes inteligentes para fazer a leitura dos contadores mas até agora nada, grandes incompetentes, por outro ando eu a ver se combato a minha anemia com a vitamina C destas laranjas, que vai agarrar-se ao ferro dos cereais, é o que dizem, e ainda com sementes de linhaça que fazem o papel da cereja no topo do bolo.

Se no primeiro caso não tem havido resultados visíveis, facto ainda agora confirmado pela campainha que tocou às oito e dezanove, no segundo a história é outra.

É outra e ficará muito mais completa se eu disser, disser não, escrever, que a casa ainda está mergulhada no silêncio, que o sol matinal já entrou e se sentou à mesa da cozinha, que a luz desta manhã revela as sombras que ainda não acordaram, que a nesga de rio lá ao fundo se vestiu hoje de prata enquanto que eu, menos espalhafatosa, optei pelo branco.

No entanto, apesar da beleza inegável deste combate à falta de ferro a que me devotei sem querer, avanço gradualmente para um campo magnético onde nunca estive e tenho, por conseguinte, receio das chaves de fendas.

Quem diz chaves de fendas, diz agrafadores ou mesmo paragens de autocarros.

As paragens é pior, evidentemente. Por precaução, comecei a atravessar a rua para o outro lado sempre que vejo uma dirigir-se a mim, ainda que se mantenha firme agarrada ao chão, a paragem, nunca se sabe se muda de ideias quando eu passar rés vés. E depois era ver-me não a correr atrás do autocarro, mas a fugir da paragem. Ora isto não, uma pessoa sempre tem uma imagem a manter.

Espremo a última metade das laranjas e reflicto nestas coisas.

Se os senhores das redes inteligentes que nunca mais é sábado (por acaso hoje, dia em que escrevo, é, mas aceitemos a maneira de falar), se esses senhores vissem isto, esta escalada de exterminação da anemia, tão bem sucedida, tão eficazmente orientada, haviam de pintar a cara de preto.

Eles a cara de preto, o rio todo de prata e eu assim de branco, está um leque de tons que é uma maravilha, não fosse o meu branco apresentar-se agora salpicado de vitamina C.

É o que acontece quando me esqueço de pôr o avental.

Agradecimentos: à Carla pela dica das sementes de linhaça nos cereais, estou com muita esperança nelas, e à Mafy pelos links da internet que me abriram portas para este casamento feliz entre o ferro e a vitamina C.

17/06/2014

Todinho

- Chegou um livro para ti, mãe.

Ando a esquecer-me de coisas.

Do dia dos anos da Carla, nunca me esqueço do dia dos anos da Carla, eu, que gosto tanto da Carla.

De pagar a água que roubei sem roubar do balcão das bebidas lá da cantina a uma hora em que não estava ninguém, quatro semanas durou o meu roubo, paguei-a hoje ao indagar-me da causa da cara feia que a dona Esmeralda me tem vindo a fazer (ela sabe que sou eu a ladra da água).

Depois chego a casa. Como todos os dias, desço o carro até ao fundo escuro da garagem, as ratoeiras continuam vazias e eu desiludo-me com isto, ter ratos na garagem dava uma história e pêras, mas vá, aguento-me com a verdade, portanto carro na garagem, quando o vizinho que estaciona ao lado já chegou, o meu carro fica a fazer que raspa a parede aqui do meu lado e eu salto por cima de tudo e saio pela outra porta, com a brincadeira já conto duas nódoas negras numa perna, é questão de chegar antes do vizinho (acho que ele anda a trabalhar muito, sai cedo e chega tarde, já quase gosto dele). E onde íamos entretanto era já a subir as escadas.

Temos elevador, mas hoje subo a pé em protesto ao que ouvi na publicidade da rádio: as mulheres têm celulite em noventa por cento dos casos. Acho deplorável que o segredo profissional não se aplique às clínicas de emagrecimento de pessoas, coitadinhas, até anunciam que o fazem a casais, casais, uma vergonha, logo os dois, tirando-lhes tudo a começar pela celulite e depois eles vão para o rádio contar, é muito esquisito aquilo. Subi as escadas em protesto, até está na moda isso, e parei no rés-do-chão para colher o correio não electrónico que por vezes ainda recebo (apesar do papel também vir carregadinho de electrões, é correio não electrónico, mas isso deixemos).

Por estes dias espero uma carta, mas a que lá estava dentro da caixa era outra.

Vinha da administração do prédio cujas escadas subo em protesto contra a falta de sigilo profissional das clínicas que fazem reclames na rádio que eu, se mandasse, proibia, penso que já mencionei, e vinha a carta muito bem escrita com os termos que me lembram advogados e que eu não sei usar, esses termos, a informar que a minha pessoa tem as comparticipações vencidas, que é o mesmo que dizer que não pagou a prestação mensal a que se obriga para as despesas deste edifício, e que esse facto teve o início da ocorrência em abril de 2014 e eu, credo, levo a mão livre à cabeça, desde abril que não pago o condomínio??!!

Ora sendo isto demolidor do meu bom nome, assim que o meu protesto supra referido, estes termos roubei-os a esta carta, supra referido, terminou à porta do meu apartamento, lanço-me a corrigir a falha, a apresentar desculpas esfarrapadas mas verdadeiras, a informar a administração que pode retomar comigo o trato informal e caloroso, que nós até somos, vá lá, pode dizer-se amigos, e que daqui para a frente encarregarei serviços infalíveis de me lembrarem de honrar o meu dever.

- Chegou um livro para ti, mãe, ouviste?

De encomendar o livro do Herberto Helder não me esqueci eu, nem de o pagar, não fosse esta edição limitada esgotar-se nas mãos de outros vorazes leitores.

E, antes que me esquecesse, já o li todinho.

14/06/2014

Azeitonas pretas do Alentejo

Na manhã do dia em que completaste dezassete anos, eu trazia na alma, bordada, a memória dos teus olhos acabados de nascer, duas azeitonas pretas colhidas da melhor oliveira, aquela que se pode encontrar no centro geométrico do Alentejo.

Fui ao estendal da roupa ajeitar as tuas calças de ganga que, como tu, recuperavam de uma noitada com os amigos desde a hora da madrugada que te trouxe a casa. Tens o hábito, tão recente como a tua gradual liberdade, de pendurar a roupa que trazes dos locais com fumo de cigarro para que, enquanto dormes, se liberte das impressões deixadas por esses lugares onde pensas que eu sei que moram os perigos da juventude.

Ainda dormes. O sol já teve tempo de te espreitar os bolsos e aquecer a fivela do cinto que deixaste metido nas presilhas. Ajeitei as tuas calças na manhã em que completaste dezassete anos de vida e, ao fazê-lo, caiu de um dos bolsos um pequeno isqueiro Bic.

Baixei-me para lhe pegar.

Acolhi o objecto estranho na mão e assaltaram-me em catadupa as memórias cruzadas dessas azeitonas pretas que se abriram para mim no dia em que nasceste, que reflectem um brilho vindo de todo o lado porque foram colhidas no centro geométrico do Alentejo, esses frutos negros que me mostraram do mundo perspectivas mais intensas, onde decifrei as tuas angústias de menina, a iminência das tuas lágrimas, o medo que tiveste de voltar à escola daquela vez que te bateram, pérolas negras que exalavam a alegria que te fazia torcer as mãos nervosamente enquanto me observavas a abrir o presente que me tinhas comprado com a tua mesada: os brincos que eu admirara dias antes numa loja, memórias que este isqueiro Bic, que me veio parar à mão na manhã dos teus dezassete anos, me está a entregar numa bandeja esburacada.

Lembrei-me das canetas. Estou a tentar endireitar o volante, retomar a direcção da minha existência para não embater com força, tornar à realidade feliz que me tinha inundado esta manhã, encontrar forma de estancar o ácido que se está a derramar dentro de mim, e lembrei-me das canetas e do reclame da televisão. Gaveta emperrada de uma memória muito anterior à tua existência, situada na minha juventude insípida passada longe dos perigos que a mim não bateram à porta, que eu saiba, havia um frigorífico enorme na quinta das duas irmãs que eram nossas amigas, minhas e das tuas tias, e na televisão bic laranja bic cristal, duas escritas à vossa escolha, bic laranja da escrita fina, bic cristal da escrita normal, bic bic bic, bic bic bic.

O sol está a queimar-me a vista, sinto um fio de suor a escorrer-me no peito, tenho o teu dia para preparar mas paralisei, filha, tu andas a fumar?

Esperei que acordasses. Vieste abraçar-me com o teu sorriso luminoso, igual a sempre, imperturbável pela sopa de angústias em que o isqueiro me mergulhou, bom dia mãe. Devolvi-te o abraço, dei-te os parabéns, fiz tudo o que teria feito se dos teus bolsos tivesse caído uma caneta Bic. Depois disse-te
-          Encontrei um isqueiro nas tuas calças.
-          Um isqueiro?... Ah, é da Constança, ela tinha umas leggings sem bolsos e pediu-me para lhe guardar o isqueiro. E eu esqueci-me de lho devolver, mãe, o isqueiro é da Constança!
-          Mas a Constança fuma?
-          Claro, imensa gente fuma, mãe, mas eu não! Tens de confiar em mim, eu experimentei aquelas vezes que tu sabes mas não repeti, juro! É da Constança, ela tinha leggings e leggings não têm bolsos.

Continuámos pelo teu dia fora, como tínhamos combinado. Na feira do livro conseguiste o autógrafo do José Luís Peixoto, pedi-lhe para vos fotografar juntos por ser o dia dos teus anos, ele exclamou logo, mas tu já sabias, que é no mesmo dia do Fernando Pessoa. As tuas azeitonas brilharam muito.

A manhã do dia dos teus dezassete anos foi ontem e eu não sei se a Constança tinha usado leggings na véspera. 

Mas sei que estar feliz é perigoso. Mesmo quando se teve uma filha que trazia azeitonas pretas do Alentejo no dia do aniversário de Fernando Pessoa.

13/06/2014

Eça aprisionado

Aquela canção Feeling good que vem da Nina Simone, acho eu, que por sua vez a passou ao Bublé, a quem eu roubo estridentemente no duche quando tenho a certeza de que ninguém me ouve, ou no carro, no carro ainda sai pior porque sai mesmo alto, essa canção é tão maravilhosa que devia já ter dado um prémio Nobel ou dois a quem a produziu. Mas Feeling good  porquê? Porque estou a raiar a euforia perante os três dias sem trabalhar à minha frente, no entanto não era isso que eu ia contar.

No outro feriado com que a pátria nos presenteou a todos esta semana, sem olhar a regiões nem nada, observando a igualdade de oportunidades e essas coisas bonitas, o dez de junho é pausa geral, foi o dia em que finalmente pisei os terrenos da feira do livro número oitenta e quatro.

(o Skyfall da Adele também dá boas desafinações dentro do meu carro, só para avisar, já agora)

É portanto o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades (por respeito escrevo aqui as maiúsculas apesar da minha ligeira alergia a maiúsculas) e eu estou de cócoras à beira de uma estante giratória de arame grosso, desenhando formas onde encaixam imensos livros de bolso que me estão a interessar. Tento puxar um deles, mas o arame tem as voltas altas e o livro não sai, espremo-o, aperto-o, com muito respeito, trata-se de um livro, um livro que há-de ir parar aos bolsos de quem o levar, mas um livro, deixa lá ver assim, inclinar um nadinha, argh! conseguir tirar isto daqui só se vier o King Kong torcer esta porcaria, raios, o livro está aprisionado ou eu não tenho jeito nenhum para tirar livros de estantes giratórias, vem à minha mão, vem lá queridinho.

- Nunca li "O Crime do Padre Amaro" - oiço dizer a mulher para o homem com ar de seu marido de muito tempo, ambos em pé defronte do mesmo escaparate giratório que eu, mas eu aqui de cócoras agarrada à última fila, com as duas mãos a dar puxões que me revelam já o nervosismo, e o livro é mesmo esse do Padre Amaro, que eu espremo e tento subtrair à estrutura teimosamente protectora, que maricas!, eu não o vou roubar, ó! Olho para cima: mas leia, leia! digo à senhora. Esta senhora é das muitas que não gosta que estranhos lhe falem, e portanto observa por cima dos óculos uma qualquer verruga das costas da sua mão que subitamente ficou muito mais urgente que o crime que o Padre Amaro não pôde deixar de cometer, estava à vista de todos, a Amélia foi-lhe irresistível. Pronto, a senhora não ouve os meus conselhos, eu não sou o King Kong, os livros ficam lá todos agarradinhos uns aos outros presos nas grades giratórias, e eu a pensar que a ideia era vendê-los, seus pindéricos!

Levanto-me cheia de calor de me ensaiar em gorila ou lá que macaco é o King Kong, e a minha baixa pressão arterial faz-se notar, vejo as estrelinhas à frente do Eça aprisionado, mas por via da experiência que tenho destas estrelas, recupero num instante.

- Olhe minha senhora, o Crime do Padre Amaro, se quer saber, li-o em Barcelona, é um livro que se lê muito bem em Barcelona, sabe? Fica-lhe a matar, não a si, à cidade, que é muito gótica, não sei se já lá foi, já?, fica-lhe mesmo bem um crime assim, todo cheio de paixão e arrebatamento que para mim aquilo não foi crime nenhum, crime é os padres não casarem nem nada, deus me perdoe e à senhora, que já vai nessa idade toda e ainda não leu o livro, convenhamos que é uma falha, concorda?

Era isto que se formava no meu cérebro e me ia sair em direcção àquela senhora, mas não saiu, porque ela já se lançava a subir a rua da feira do livro número oitenta e quatro e a abanar-se com a mão de um braço e o outro enfiado no do marido, um marido obviamente antigo.

A dúvida que me ficou foi se ela se abanava para afastar as ideias do crime que o padre cometeu ou se era do calor, que nesse dia ainda não tinha chegado lá muito em força, eu é que, já contei, foi de me armar em chimpanzé que vi as estrelinhas.

Eu cá fico na minha, não estava calor, portanto...

E nós, como ficamos? Pode ser em modo de Feeling good, pode? Escolho o Michael Bublé por ser mais giro que a Nina Simone, se não há nada em contrário.


(se houver quem inteligentemente se pergunte para que me esmifrei eu na tentativa de recolher um livro que já li em Barcelona, é só porque o queria ler agora em Lisboa e de cócoras pareceu-me bem)

12/06/2014

Voa porta fora

Estou com o agrafador de barriga aberta para lhe colocar um novo alinhamento de agrafos prontos a usar, formatura em ângulos rectos, riquezas de tecnologia simples e tão útil, quando me entra no gabinete a Ana com o envelope na mão.

A minha colega Ana é magra, não distribui muitos sorrisos, não tenta agradar a ninguém, anda sempre muito depressa, faz o seu trabalho bem feito e fala pouco.

Ora eu gosto de pessoas que falam pouco, não só para me darem a mim tempo de falar muito, oportunidade à qual nem sempre resisto, que por vezes me caem pedaços de céu na cabeça e há que os contar ou então na sopa e há que os partilhar, mas também porque as pessoas que falam pouco não encanam as pernas às rãs e portanto não deitam fora o momento, não me deitam fora a mim, é assim a Ana.

Estamos em junho, há que registar este facto, e a Ana entra-me no gabinete em junho e em dezembro.
Indiferente ao processo de alimentação do agrafador que está a decorrer na palma da minha mão esquerda, estende-me o envelope, olha-me a direito nos olhos, ela sabe que eu a entendo, sabe que eu sei que ela sabe e que sei ao que vem, não é preciso dizer nada, duas vezes por ano, antes do natal e antes do final do ano lectivo, eu ponho agrafos novos no dispositivo e a Ana vem mostrar-me as fotografias dos filhos.

Fica em pé à minha frente, à espera, não tem muito tempo, o trabalho é para honrar, mas os olhos deleitam-se com as fotos que para ela estão ao contrário, eu é que as vejo bem, que crescidos os meninos, Ana, parece que foi ontem, olha para isto!

Quando ligam da escola a informar que um dos meninos está doente, a Ana voa porta fora e vai ser mãe do seu filho. Não sei de que tamanho é a angústia que leva, só sei, o meu coração sabe, que a Ana é uma grande mãe.

10/06/2014

Dissertação

- A senhora deseja alguma coisa?

A senhora sou eu e desejo chegar a casa.

- Sim, por favor, um café - respondo.

A hospedeira estende-me dois copos, um com o café tapado com tampa plástica equipada com um orifício de forma rasgada muito interessante, o outro vazio, transparente, com uma colher preta dentro, tanto plástico, tomara alguém inventar menos embalagens, quiçá eu um dia, e dois guardanapos. Açúcar e leite não vêm no conjunto, eu disse não obrigada.

- Aqui tem. Cuidado, está muito quente. Espera três minutos e tira a saqueta, sim?

Com certeza que o farei e não me hei-de eu queimar, mas antes paguei os três euros devidos. Três euros por um café a onze mil metros de altitude, com vista panorâmica sobre um pôr-do sol que me deslumbra, é dinheiro bem empregue.

Enquanto espero, levo o nariz colado ao vidro da janela, que está à minha direita, e nem me mexo. Podia fotografar, isso podia, mas far-me-ia perder tempo o extrair a máquina da mala, e depois o tentar evitar a asa do avião que fica tão a mais nas fotografias, entorta-as todas, não, não me mexo. Vou absorvendo a vista com a minha, torço o pescoço um pouco para trás e enquadro o laranja mais intenso no centro geométrico do meu campo de visão, a asa já vai de fora e acho que eu também.

Quando me sinto três minutos mais velha, relógio não o levo, levanto a tampa de plástico branco que cobre o café e sim, olá, cá está a saqueta e parece exausta, tirem-me daqui. Com a ajuda da colher preta de plástico que já entrou na história ali em cima, retiro a saqueta de dentro do copo cheio e deposito-a no outro, traz uma grande barriga, esta saqueta, e deita-se, agora parece satisfeita, no fundo transparente, preenchendo-o como se de fluido se tratasse, acho que vai adormecer.

Encaixei, não sei se já lá vão muitos detalhes mas tem de ser, já expliquei que não há fotografias, encaixei, com muito jeitinho, a tampa plástica no copo de papel que se mostra firme e não resvala, também gostava eu de ser sempre assim.

O livro que vinha a ler e que vai deitado na mesa-tabuleiro no teatro destas operações, não está a gostar da manobra e começa a deslizar, a ameaçar fazer-se ao chão entre mim e a passageira ao meu lado, mas eu ainda não encaixei a tampa completamente, eh pá, ó livro, espera lá sossegado que é preciso não nos queimarmos.

Com a destreza que pude reunir encaixo a tampa e apanho o livro a dobrar a esquina, já a fazeres-te à pista, mas que pressas são estas ó livro, serão as minhas? eu também quero chegar a casa.

Mas primeiro um rico cafézinho, que é o que se segue. Eu cá bebo café em qualquer lugar, café é café, espécie de coisa sagrada ponto final. Não percebo nada quando as pessoas dizem que só a nossa bica é que é boa, e o resto água suja. Ora, água suja!

Para mim, já que viemos até aqui continuamos a dissertação, para mim o café é muito mais do que a bebida, é tudo aquilo que se faz enquanto se bebe. Tudo o que se ouve e se diz, se pensa ou se cheira, se aquece, se vê, se contempla, se planeia, se lê.

Ou se escreve. Ou não teria certamente Hemingway contado tão bem porque é Paris uma festa.

05/06/2014

Trinta e oito

Eram dezassete horas e vinte e seis minutos e eu já tinha visto mais de uma dúzia de fotografias de sapatos, com meias, sem meias, sapatos a trabalhar, sapatos de férias, sapatos em casa, quer dizer estes eram do tipo pantufas, sapatos pintados aposto que a óleo em tela há imenso tempo, tanto que quase se pode dizer bué, e ainda sapatos filhos da criatividade do momento, hoje foi o dia mais calçado da minha vida.

Ora isto não é de deixar passar assim sem mais nem ontem e ainda vai hoje.

As pessoas costumam dar-se as mãos, vemos isso muito nas escolas, fazem rodas, cantam e saltitam, promovem assim a união humana, belíssima para a construção do futuro dos petizes. Isto que se viu hoje foi a união consolidada dos ex-petizes, um caminhar em uníssono, uma marcha colorida mas homogénea, um passo de gigante ou quase isso que daqui a pouco estávamos a falar na ida à Lua e tanto também não.

Foi muito bonito, isso é que foi.

Com tanto sapato, seus queridos, puseram-me aqui no sapatinho, mesmo com o natal tão longe, uma tremenda vontade de dançar. E agora?

Agora a ver se esta vos serve, a mim já está a servir, costuma ser o trinta e oito.


Sono profundo

Lembro-me tão bem do carro do Rui.

Não tinha chave. Para entrar, o Rui colava a palma da mão na janela do condutor, fazia um vácuo estudado, experiente, bastante para o vidro se sentir agarrado e depois descia o conjunto até conseguir abrir a janela os centímetros suficientes para o braço entrar e destrancar a porta. Uma vez lá dentro, ao volante, o Rui unia dois fios que penduravam da zona onde os carros menos velhos costumavam ter a fechadura que permitia a ignição. Unia os fios enquanto acelerava e assim ligava o motor. O Fiat 125 começava então a vibrar e a roncar.

O Rui era dos poucos colegas lá da faculdade que já tinha carro. Um dia, eu ia sentada atrás, e vi cinco cogumelos esbranquiçados a despontar no tapete, junto dos meus pés.

- Rui, o teu carro tem cogumelos.

- Quantos são? Têm nascido muitos, com esta chuva. Nascem como cogumelos! - o Rui achava graça a isto, ria-se, e eu tive muito cuidado com os pés para não pisar a cultura.

Sempre que havia um semáforo no percurso e a luz acesa calhava ser a vermelha, o Rui parava e o carro desligava-se.

Já todos sabíamos que o momento que se seguiria ao cair do verde, cair é como quem diz, podia tornar-se barulhento se havia carros atrás.

Verde.

União dos fios, aceleradelas, o Rui com calma, buzinadela lá atrás, aceleradela aqui da frente, os fios, com jeitinho, muita calma, nós a olhar, a impaciência atrás de nós a subir, mais um bocadinho, já está. O Fiat acorda do sono profundo, ronca, agita-se, leva-nos a todos. E aos cogumelos.

- É uma pena o carro não ter chave - disse um dia o Rui, satisfeito. O Rui está sempre satisfeito.

- Pois, se tivesse chave, arrancavas mais depressa - concluiu alguém, acho que foi o Fernando.

- Pois arrancava, mas antes - explica o Rui - ia lá atrás ao condutor impaciente e entregava-lhe a chave.

- Entregavas-lhe a chave?! - agora devo ter sido eu.

- Entregava-lhe a chave e dizia-lhe: o senhor vá ali pôr o meu carro a trabalhar se faz favor, que eu fico aqui no seu a buzinar.

(só não tenho a certeza quanto aos cogumelos serem cinco, talvez fossem sete)

03/06/2014

Vestidos de noivas

Hoje à tarde fui a Moscavide.

Descia uma das ruas perpendiculares com a janela do carro aberta, a minha filha sentada ao meu lado, o sol a deitar-se em toda a parte e cheirou-me a elefantes.

- Cheira a elefantes.

- Elefantes, mãe?! Como sabes a que cheiram os elefantes?

Olhou para mim sorridente, sobrancelhas fora da posição de repouso, expressão interrogativa, olhos pretos brilhantes, é tão bonita a minha filha.

- És tão bonita, filha.

No fim da rua que descemos e que é perpendicular à avenida a que o bairro deu nome, não vem ninguém a quem dar prioridade mas paro o carro, saco da máquina fotográfica de dentro da mala (sim, eu tiro fotografias com uma máquina fotográfica muito boa, a especialidade dela é fotografar, daí o nome), olha lá para mim outra vez, meu amor.

- Mãe, vais tirar-me uma fotografia com esta loja por trás?

- Não, vou tirar três, espera aí. E essa loja é boa, tem vestidos de noivas.

Ela esperou. Sorriu, encolheu os ombros, ai ai, mãe, que maluca!

Moscavide é um bairro feio. Tem prédios feios e ruas feias. E hoje cheirava a elefantes. Eu não devia gostar de Moscavide. Mas gosto.

É com certeza de ser maluca.