Ao almoço não
quiseste sopa, eu comi a de ervilhas. Algumas inteiras, as demais em união
irreversível, cremosa, de um tom de verde que me aprisionou os olhos por causa
da sedução cromática à qual já sei desde os vinte e cinco anos de idade que sou
sensível. Gostava de ter um casaco de inverno deste tom de verde era o meu
pensamento, estava até a ver-lhe a textura macia, a imaginar-lhe os botões de
massa do mesmo tom, grandes, o casaco forrado para deslizar melhor no abraço de
o vestir, o que eu gosto de casacos e eles de mim, de certeza que é isso, quando tu repetiste que estás ansiosa pela tua primeira aula de
condução, logo à tarde. Pestanejei nas ervilhas para me libertar e virei o olhar para ti,
sinto-me sempre um tanto culpada por desviar a atenção de quem está presente,
absorta no meu mundo vibrante que é magnético, eu que tenho teorias tão bonitas, ainda por cima eu e os casacos e as cores, elas hábeis sugam-me em vórtice, algumas cores, e
se eu quisesse exagerar diria todas mas não. Sentada à minha frente, continuas
a falar e a sorrir, mexes as mãos, inclinas a cabeça, ainda não sabes que és linda
e és tanto. Pedi-te para repetir, o que disseste, filha? Enquanto te olhava não
te ouvi, uma das minhas teorias desdiz a de as mulheres fazerem múltiplas
coisas em simultâneo, mentira imensa. E tu vais de fazer a inclinação de cabeça
e o olhar maroto, depois a pausa, a seguir baixas mais a cabeça e olhas
reprovadora a fingir para mim: Ó mãe, pára! Mas parar de te amar com os
olhos não farei até morrer. Retomas o assunto da condução, da aula que vais
ter, que estás nervosa, esperas ser capaz, dizes, e torces as mãos no colo, não
preciso de as ver para saber que as torces, és tão bonita, filha, e não sabes que é tão bom estar aqui a
almoçar contigo enquanto o meu lugar lá na cantina vazio.
Sucedeu este
almoço não hoje mas há uma lua talvez e eu apanho este rascunho no
monte de rascunhos que é o meu. Pensei que era capaz de dar um post mais ou
menos, mais ou menos curto, sobretudo. Longo não. Longo há-de ser o meu casaco sopa
de ervilha. Casaco não, sobretudo.