Hoje de manhã precisava mesmo de atravessar o rio e escolhi
a ponte vinte e cinco de abril para o efeito. No caminho que tomei até lá, ora
à chuva ora ao sol ora à chuva ora ao sol, havia muito congestionamento de
tráfego como já se espera que suceda, mas hoje foi pior: fui abrandando cada vez
mais até parar e parada para ali ficar. Claro que tinha havido um acidente lá à
frente feito por condutores que também queriam chegar à ponte. Compreendi então
que a meia hora de avanço que eu levava para o início da reunião ia ser ali toda
consumidinha e talvez mesmo ultrapassada, pelo não andar da carruagem para
dizer as coisas como deve ser. Aproveito pois para fazer um telefonema que já
tardava, ligo para a Carla. E como foi a Carla a primeira pessoa com quem falei
hoje, descobrimos as duas ao mesmo tempo que estou sem voz; veio de noite uma
rouquidão para mim sem eu saber. Portanto, ai a
tua voz!, ai a minha voz!, em uníssono. A Carla gosta tanto da dona Esmeralda
como eu, mas talvez ela goste um bocadinho mais, porque continua lá no trabalho
a almoçar da cantina onde a dona Esmeralda serve os pratos e eu não, eu estou parada
nesta via de não acesso temporário a lado nenhum, aquém rio, à espera de escoar
para lá do acidente. Portanto falámos, quer dizer, eu arranhei, ela falou, durante
um bocado. Como está a dona Esmeralda? A dona Esmeralda, para além de ter
pintado o cabelo, e ter mudado de óculos, ouve lá isto, prepara-me a Carla, agora
tem facebook! A dona Esmeralda!
- A sério, Carla? Facebook?
- A sério, e queria pedir-me amizade lá no facebook, mas eu
disse-lhe dona Esmeralda sua amiga já eu sou e além disso não tenho facebook.
Desligámos e pouco depois cruzo a zona do acidente, dois ou três
ou quatro carros acidentados, sei lá, um estardalhaço tão triste. Acelero
finalmente, entro na ponte, assisto a outro estardalhaço tão triste de um outro
acidente, este no sentido contrário ao meu, vamos lá todos parar a olhar e
ficar mais um bocadinho na ponte, e chego à reunião com meia hora de
atraso. Depois de mim muito mais gente chegou, todos fora de horas, todos foi a
ponte. Foi a ponte não: foi nós sermos condutores medíocres ao sol e ainda mais
medíocres à chuva.
Isto não disse eu na reunião, mas digo aqui, que no blogue a
voz está boa: em vez de andarem para aí a fazer os cartazes inúteis do post
anterior, criavam escolas de reciclagem da carta de condução. Com aulas obrigatórias.
Burros.