De manhã, estendi duas máquinas de roupa ao sol. Estender
roupa faz-me sentir renovada. Eu não tenho secador de roupa porque a
quero estender. E apalpar a ver que já secou e apanhá-la, cheirá-la, dobrá-la,
fazer a pilha do ferro. Enquanto isso vou deitando os olhos à rua, penso que a
disposição dos carros das pessoas e dos cães (e do papagaio) e também dos pombos, se ficassem quietos, é única e talvez
nunca se repita ou esteja a repetir, e depois vou a escorregar para o infinito do
tempo mas então vejo o rio e eu tenho quase a certeza que amo o rio. Ou seja, roço os cotovelos pela poesia da cidade
enquanto trato da roupa. Sabemos que a poesia da cidade é acinzentada
e esburacada do sujo dos pombos, mas para quem tiver olho e vagar à janela, acho que dá. Eu não sou muito de poesias porque tenho a cabeça dura. De vez em quando leio
quatro vezes o mesmo poema e fico na mesma. Só muito poucochinhos poemas é que
entram na minha cabeça dura não sei porquê (e aí é m u i t o bom, esses poemas que me cabem
estão vivos e têm uma espécie de alma - mas também é esquisito). Os outros é como
se estivesse a ler chinês. Paciência. Há
outras situações. Há por exemplo o meu aspirador. Se bem que hoje optei por varrer a
cozinha porque não tive vontade nenhuma de barulho. O meu aspirador, atenção, é silence, diz na caixa; comprei-o assim de propósito, quero o
mais silencioso que houver, e havia este. E diz também no lombo dele, silence.
Mas a vassoura, ainda assim, é mais. E não diz silence nela, devia dizer. A pilha do ferro que já estava de outra roupa, não a de hoje, tratei
dela quase toda. O ferro não diz nada. Também podia dizer silence. Mas para não imitar o aspirador se não quisesse, trazia uma poesia na lateral. E a
gente ao menos tentava enquanto o fazia deslizar pelos lençóis e calças e camisas. Acho que não custava nada.
O dia teve vinte e cinco
horas mas não sobrou nenhuma para escrever um post.