a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

15/07/2023

Café e leitura

Lembrei-me ontem, no decorrer da tarde e do concerto para piano número dois de Rachmaninoff, de lançar um desafio em redor: expliquem lá, meus queridos, uma situação vibrante durante meia horinha sem utilizarem a muito palavra imagina. 

Entretanto corri aos correios para levantar os dois livros de Direito que contrapesam um garrafão cheinho de litros de água e que surpreendentemente anseio por ler. Desconfio que adicionalmente serão capazes de engrandecer o meu pobrezito músculo de braços.

Com a chuva que por fim cai em cheio sobre o vale após toda uma noite de ameaças, a manhã claro que já vai plena só em café e leitura.

(mas ainda não percebi a cena medonha dos concertos de piano em palco pejadinho de velas acesas - a ideia não seria ouvir música em paz?)

(Figueiró dos Vinhos ou Figueirinho dos Vós, as you wish - reprodução de uma obra de José Malhoa, 1915, por Julio Anaya Cabanding)
(pronto, pronto) 

08/07/2023

Dois pedaços bicudos da sua própria tablete

No fim, para a sobremesa, disse ao empregado que queria algo de chocolate mas maneirinho, nada enorme como é costume naquele restaurante de estrada para camionistas de veículos muito pesados passando velozes com inscrições do género “o seu parceiro na zzzzzzzzz” a última parte, aquela em que iríamos saber em que ramo da tecnologia o veículo de grande porte é nosso parceiro, não se consegue ler, porque o camiãozão entretanto já desapareceu da nossa vista cansada, mas dizia eu que revelei os meus apetites por algo de chocolate mas de tamanho adequado à minha envergadura, ao que o empregado fez que sim com a cabeça e afastou-se com ar de quem sabe perfeitamente qual a sobremesa ideal para mim. Surgiu com dois pedaços bicudos de chocolate amargo com caramelo e pepitas de sal tirados da sua própria tablete (e não incluídos na conta). As coisas que acontecem em Penela, dois.

Nem sempre valem pela comidinha

Um casal de meia idade com ar de não-penelenses, ela de cabelo louro pintado e ele de cabelo branco farto, muito penteado, ambos bronzeados e bem apessoados, sentou-se na mesa atrás de nós. Encomendaram de véspera o famoso bacalhau à Pastor segundo informação veiculada pelo empregado, prato que consiste numa posta do tamanho de um tabuleiro de xadrez mas com o triplo da espessura do mesmo, o bacalhau soterrado por uma camada de maionese da ordem dos centímetros. O empregado informou-nos ainda, enquanto pagávamos a conta, que o casal é italiano. Vieram recentemente viver para cá e trouxeram os seus, atenção, estais sentados? Sim? Então vamos lá: os seus dezassete (17) cães e oito (8) gatos de Itália. Diz ainda o nosso informador que alugaram um táxi italiano daqueles assim (e faz uns gestos com os braços que parecem indicar um táxi muito comprido) para trazer a canzarrada toda e presumo que a gataria também - os gatos devem ter adorado a viagem – até aqui. As coisas que acontecem em Penela.