a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

21/06/2021

Cuidado com o gato

A noite foi melhorzinha. Devido a estar tão necessitada dela, e de sono, não atendi aos chamados repetidos da Marble à minha porta por volta das seis. Desta vez ela não a conseguiu abrir, ou não tentou, e eu virei-me para o outro lado. Mas quando a saboneteira nova que a Saminhas trouxe ontem do IKEA se partiu na casa de banho por causa de certa patinha branca que a deitou ao chão com o intuito de realmente arrancar alguém da cama, levantei-me pois bem informada do sucedido pelo catrazsh. Em matéria de saboneteiras, e vão duas partidas. 

Antes de começar a rever o trabalho para entregar hoje até à hora do almoço, reparei que o lenço de papel que está em cima da secretária para o que for preciso, por exemplo, apoio na limpeza da boca durante a degustação de cerejas, situação que se verificou ontem pela noite de trabalho adentro, está tingido da cor delas. Trata-se de um roxo suave, muito bonito, perfeitamente capaz de me recordar que hoje começa o verão.

09/06/2021

Planos inclinados

A miúda a quem há uns anos tentei ensinar física - planos inclinados, forças, componentes em x e y  – e também alguma química – reações entre os elementos naturais que tinham de dar sempre certo - e que trazia com ela mais preocupação no arranjo das unhas e do cabelo e nas diferentes capas do telemóvel do que naqueles assuntos, a miúda que, para começarmos a sessão eu tinha de lhe dizer, então agora tira lá o caderno e o lápis, essa miúda vai abrir um centro de estética. Está, então, explicado o meu total falhanço.

(Não vale a pena tentarmos fintar a natureza porque, felizmente, ela leva sempre a melhor.)

08/06/2021

Malware

Mesmo dentro de casa com tudo fechado, ouve-se as máquinas lá fora. Pelo continuado do som, estimo ser um trator a trabalhar a terra dele. Se o vir, fico logo alegre – a imagem de um trator a trabalhar a terra dele faz-me isso - mas ouvi-lo apenas não. Estou no andar de cima, na minha lavoura (para não repetir trabalhar), tenho uma vista verde, extensa e luxuriante à minha frente, lavo nela os olhos as vezes que eu quiser, lavo lavo, mas não os ouvidos. Ao mesmo tempo, vem do lado esquerdo uma cantoria aguda que estimo ser emitida pela vizinha cujo holandês me escapa em noventa e cinco por cento (na realidade, só lhe apanho uma palavra e sempre a mesma, que é “misschien”* e que ela pronuncia, em vez de “mecerrin”, “mechin” e, como a pronuncia em duplicado, “mechin, mechin”, dá para cinco por cento da conversa), mas também pode ser um dos netos, que de vez em quando vem passar umas horas com estes avós. Além de que, e vou já já fechar o balcão das queixas (ah ha! eu também duplico palavras), além de que, dizia, esta manhã logo cedo passou o carrinho da junta a aparar a relva em frente às casas, dispersando o seu próprio ruído imenso. A boa notícia vem agora: consegui encontrar a solução para as mensagens suspeitas que o meu telefone coitadinho recebia desde há dois dias, à cadência de vinte por hora, tipo isso. As muitas muitas (ó!) mensagens alertavam para um problema iminente e convidavam com vermelhos e azuis berrantes a seguir ligações "salvadoras" (também se pode fazer as aspas com os dedos a riscar o ar). Não segui nada, claro. Investi, antes, com a solução explicada na querida Internet que foi totalmente eficaz, quer dizer, dizimei a intenção do malware. Mas não sei traduzir malware.

*talvez

02/06/2021

Avelã ao cubo

Mal me apercebi que era o dia das crianças - já a tarde ia apuradinha - aproveitei o facto de ainda ter uma filha em casa, à mão de semear, e combinei com ela levar as nossas crianças interiores (c' amoor) a jantar fora. Escolhemos o Cantinho do Avilez e sentámo-nos na esplanada. Encomendámos a sangria branca e duas entradas, peixinhos da horta e queijo com chutney de tomate. Este post parece um menu mas não é, uma vez que não há aqui nenhum quê erre código para fotografar com o telefone nem uma azeitona recheada em cama de alface, por isso adiante. A Saminhas comeu a salada de quinoa e eu uma massa com camarão e manjericão, que estão aqui estão a querer rimar com também pedimos pão. Vento não havia, nem aragem corria (outra vez?!). A correr passou mas foi um grupo de pessoas e mais tarde outro de bicicleta. A noite vinha caindo com preguiça como se estivesse sólida, colada ao teleférico parado ali tudo. As nuvens que tinham vindo passar o dia ao céu local já haviam ido pairar para a outra banda ou para outras bandas, isso não poderei precisar. A minha atenção neste ponto estava detida no absorver da sobremesa de avelã ao cubo (a-ve-lã e-le-va-da a três), primeiro comecei eu a engoli-la a ela e no fim ia sendo ao contrário se eu não me tivesse agarrado com força à colher. A sangria branca também estava a pedi-las, mas deixámos um fundinho no jarro não fosse o caldo entornar-se (cuidado com o cão: esta sangria é para aqueles que pedem normalmente sangria e para aqueles que – como eu – dizem que nunca bebem sangria, nem pensar, só vinho e outras bebidas igualmente autênticas, hã?). Estou a falar a sério.