a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

29/05/2018

Deslarguem

Creio que simpatizei bastante com o RGPD daqui em diante referido apenas como regulamento - aliás referido nada, que uma vez já bastou para aborrecer o leitor - logo à cabeça quando dele ouvi falar. Imaginei a minha vida mais toda limpinha, sossegada e livre, a caixa de email isentazinha do lixo que lá costuma cair em grandes quantidades todo o belo dia, o fim das sms’s sobre as promoções do borrego, pá de porco e abrilhantador para a máquina, também as dos eletrodomésticos linha branca sem iva quando lhes dá para esse lado, extinguidas as que vêm dos provedores de comunicações que não fazem jus nenhum a em casa de ferreiro espeto de pau, e – cereja no topo do bolo – nunca mais receber telefonemas enganadores provenientes de números não identificados, praga que mais se parece com perseguição tipo seita.

A quatro dias andados da entrada em vigor dele, não só os malditos correios eletrónicos e telefonemas não solicitados aumentaram em abundância, para aí exponencialmente, como até o meu pequeno e sossegado telefone fixo, o de casa, aparelho perto da idade da reforma, suponho, recomeçou a tocar com insistência.

E desconfio que este é um post que qualquer um de nós, cidadãos europeus, poderia - mais promoção menos promoção - escrever nesta data.

De modo que já des-simpatizei o que tinha simpatizado, evidentemente. Deslarguem bem podia entrar já no dicionário.

24/05/2018

As famílias normalmente querem viajar juntas

Aproveito estar em modo de espera para atualizar as comunicações, enviar as mensagens que têm de ser e as que quero que sejam. À minha frente já se enfileiraram muitos passageiros para o embarque e muitos passageiros para o embarque corresponde a muitas malas e maletas ou sacos. Eu também tenho a minha mala à qual só está a faltar um nome sem ser mala mas ainda não me inspirei propriamente para isso o que é estranho neste caso. Mas estou a meio de troca de mensagens com Muzi, a minha filha mais velha, quando uma voz feminina metálica mas não de robô, em princípio, anuncia nos altifalantes que vão dar início à verificação das malas e maletas ou sacos para aquilo que já sabemos que é ver se nenhum passageiro para o embarque leva mais do que deve ou pode. A funcionária do aeroporto de Lisboa, fardada lá do modo que é deles, vem andando com etiquetas cor-de-rosa que passa da mão para cada mala e maleta ou saco que cumpra os requisitos devidos. Chegando a mim, eu ainda estou numa tal mensagem, na fase de corrigir os erros, faço muitos, ela diz: É a Susana? Sou…
- Rodrigues?
- Rodrigues.
(eu não podia escrever este post se tivesse inventado um nome no blogue que não fosse o meu, pois não?)
- Ah, que bom! Estávamos à sua procura.
- Então encontraram-me. – momento no qual passo todas as hipóteses pela cabeça – por que raio andavam eles à minha procura?...
- Pagou um valor extra para o seu lugar no avião.
- Paguei. – porque não achei outra forma lá no sistema da companhia aérea de fazer o check-in: ou era obrigatório pagar um valor extra pelo lugar ou era obrigatório não fazer o check-in.
- Os lugares ao seu lado vão vazios e há uma família que quer viajar junta, mas para isso precisávamos que mudasse de lugar, importa-se?
- Não me importo. – as famílias normalmente querem viajar juntas, há imenso tempo que é assim.
- Então venha comigo.
Fui. Ultrapassei toda a fila de passageiros para o embarque e malas e maletas ou sacos correspondentes. Ao aproximarmo-nos do balcãozinho do dito embarque diz esta funcionária do aeroporto para os colegas, ela vivaça:
- Encontrei a Susana!
Claro que optei por lhe perguntar o que a levou a achar-me com cara de Susana numa fila de tantos passageiros para o embarque, mas ela só conseguiu explicar-me que eu tenho é cara de portuguesa. 
Depois, com a minha cara de portuguesa, e dedos e mãos e vá, tudo, acabei a conversa com Muzi, a minha filha mais velha.

03/05/2018

Engalfinhadas umas nas outras

Vai uma pastazinha de dentes?!
Não sendo oferta que se lesse em palavras como estas supra escritas, era que se adivinhasse. Eu gostaria de ser (não sei se já contei) linda, nova e poderosa (poderosa para dar uns apertos específicos em certa gente, nada fora de plena justiça), aliás gostaria?! Adoraria!! Mas claro que não sou. E para ajudar à festa, vamos a envelhecer tão depressa que - começa a acontecer - quando me encontro com o espelho, já solto um ai jesus quem é esta agora? E depois lá vejo que sou eu mesma, ali, completamente. Explicada ficou quase sem darmos por isso a razão pela qual me encontro hoje à tardinha ao balcão desta vez do dentista para pagar a conta da consulta de urgência de que acabei de usufruir, e fazer as próximas marcações. Foi um tempo bem passado, ao balcão, melhor do que na cadeira deitada-ondulada a levar marteladas num dente que estava a pedi-las, e para além de bem passado foi um tempo longo. Tanto que deu para reparar nos três frascos redondos, de boca larga, que estavam ali em cima, repletos de – olhei melhor, foquei os meus velhos olhos – não são rebuçados! O que eu vi foi pastazinhas de dentes todas engalfinhadas umas nas outras, muitas muitas. Como se dissessem (não dizem) tire uma, pague nada, é só levar!
Eu disse – oh! que engraçado!, em vez de rebuçados, temos pastazinhas de dentes! – com a carteira aberta na mão.
A rececionista disse – claro! nós aqui não oferecemos rebuçados! – com a mão estendida para receber o meu pagamento e um tudo-nada indignada-disfarçada.

Diálogo bastante exclamativo para compensar a falta da pergunta de oferta com que se abriu este post de pasta (zinha de dentes).

01/05/2018

Compassino

Saio do sol de Lisboa, entrando para tomar o café ao balcão. Quando preciso de café pode ser ao balcão, se é da pausa que careço, tem de ser à mesa. Hoje foi ao balcão. Estava muita gente, até me achei um pouco anestesiada aguardando a minha vez naquele contexto surdo de sons, loiça a tilintar e ordens lançadas de um lado para o outro. Pensei: gostava de ficar invisível por uns minutos enquanto apenas observo assim anestesiada pelo ruído (para descansar). Mas não esperei muito: a empregada do outro lado do balcão – olha aí - que tem uma fala que – atenção – atravessou o quê - vamos lá - atravessou o Equador!
- Á siôra qui desêja?
- É só um café, por favor – articulei bem café para ela me poder ler os lábios caso necessário dada a algazarra ambiente.
E mais ou menos ao mesmo tempo o homem que traz um saco com pacotes de tabaco diz uma bica se faz favor.
- Pódji sê um café, siô? – e em dizendo isto pisca-me o olho enquanto se vira para a máquina de café por trás dela e vai que sai mais um.
Coloca os cafés em cima do balcão, clanc o meu, clanc o do homem dos pacotes (de tabaco), ainda ele está a reagir à provocação e diz que sim que pode ser um café no lugar de bica, mas que giro isso.
- Maiz sábi que um djia um siô mi pedjiu um cimbalino, e eu não sábia o qui era um cimbalino, acredjita? Eu não sabia, não! – diz isto mais para mim que para o homem dos pacotes, visto ele ser menos aberto a conversas do que eu, suponho.
- E agora já sabe? – desta vez ergui mais a voz dado que as minhas palavras tinham pouco do óbvio que se pudesse adivinhar lendo nos lábios.
- Ágora já sei, sim siôra! – rindo, diz.
- Mas sabe porquê esse termo, cimbalino? – para mim a conversa ainda não acabou que eu sou a favor do rigor, evidentemente.
- Não sei, não….
Então, intercalando com as voltas que ela vai dando nas tiradas das próximas bicas - ao final do dia, se fosse eu, ficava tonta - digo-lhe o porquê do cimbalino, uma criação portuense!
- Jura?! – entre duas voltadas para a máquina, esta, que – eu leio – é da marca “Compass” (vê-se perfeitamente).
- Juro. Era como se aqui disséssemos “compassino”, uma vez que a marca da máquina que está aí atrás de si é “Compass”.
- Ah… então eliz lá no Porto juntam umaz letrinhaz no nomi dá máquina e fica cimbalino? Olha lá… eu acho umá graça!

E eu, por acaso, também.