De cada vez que oiço o
troar demolidor da minha paz quotidiana vindo de um alarme de automóvel
estacionado na rua, incremento de vários pontos a ideia já de si positiva que
tenho de mim mesma por nunca ter escolhido alarmes para os meus carros. Isto
dá-me a certeza de que o carro em apuros não é o meu e dá-me ainda a garantia da
retoma da tal paz logo a seguir àquilo. De qualquer forma, gostaria de poder
trocar esses troares agudos e ondulantes por sinfonias já isentas de direitos
de autor. Beethoven fez muito por nós, mas para alarmes de viaturas vítimas de
ataques, creio ser esta a composição adequada, em repeat e até à salvação. Quem encontrar melhor, diga lá.
Ainda no mesmo contexto
de paz conquistada no consumo mínimo, levo a manhã de trabalho com vontade de
comer a hora de almoço. Isto não parece lógico, mas é logo nas
primeiras horas do dia que o meu cérebro se esquece de ir às reservas mais
próximas tão entretido está com o jorrar de ideias, e pede mais. Fica a nota para o caso de dúvidas.
Mas foi – era aqui que eu
queria chegar – ao som de um alarme desses estridentes que ontem à noite fui para a varanda estender roupa a uma hora de sossego cerebral. A perturbação
sonora não estava sozinha, tinha companhia condizente com os meus desejos musicais expressos dois parágrafos atrás - isto anda tudo ligado - ou seja, havia por lá um insecto castanho de grandes
dimensões que esvoaçava em meu redor e da roupa, munido de intenções de avançar
para rotas de colisão comigo, disto estou certa, levando portanto o resto do
bem estar que eu trazia da máquina de lavar (assim como há quem goste do cheiro
da terra molhada, gosto eu do ciclo da roupa no lar). Removi o meu corpo
estremecido dali para fora a uma velocidade extraordinária e chamei a minha filha. Veterana de acampamentos de verão e guitarradas em redor das lareiras com
histórias de arrepiar cabelos muito jovens, abandonou o estudo do português
por mim e veio salvar as duas - a bichana voadora e eu - com um jeito que deve
ter ido buscar ao pai, admito. E devolveu uma de nós à doçura da noite
lisboeta.
O alarme depois calou-se e a
roupa estendi-a toda a pensar nisto.