a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

31/12/2020

Para a Maria

Pequena reportagem sobre Miss Marble:
Observação de gaivotas através da janela (bastante desperta)

(após uma hora ou duas de) Visualização de filmes de pássaros no Youtube (adormecida)

O gato

O poema começa com Chove nas árvores nos gatos* que desta vez não me deu jeito nenhum ter trazido à memória seguinte a mais uma noite curta o gato magoado. Estava ontem alegre a dispor as cadeiras ao sol do terraço para daquele absorverem o poder quentinho. As cadeiras, varri delas os restos de estarem guardadas no escuro dos encaixes, e também do chão as folhas que haviam chegado no dia anterior. Então vi o gato sair do esconderijo onde se refugiava do mundo e de mim, avaliando mal as intenções da minha vassoura. Saiu a miar e saltou para o terreno em baixo afastando-se tão rápido quanto podia. Levava o pêlo encharcado desde as orelhas à ponta da cauda e coxeava. Não pude salvá-lo de nada, fiquei a vê-lo ir miando infeliz. Desde aí parece que choro escondida, por dentro. Dói-me a dor dos gatos. A dor dos animais todos. Também dos quinhentos e quarenta animais mortos por homens deprimentes, ínfimos de cabeça, zeros de coração. Zeros. 

* "Hotéis decadentes que atendem no Inverno" , in Movimento, João Luís Barreto Guimarães 

30/12/2020

Policultura (ao contrário dos eucaliptos)

De um lado, homens racham lenha, mulheres deitam galinhas mortas à panela e temperam. Do outro, homens ajustam o nó da gravata entretanto imaginária à sexta-feira, mulheres preparam refeições rápidas fotografadas para envio imediato. De um lado é assim, do outro também é semelhante ao contrário.
Separam-nos o oidio do pessegueiro, a colheita do leite para queijo ou tuitadas viajando indiferentes, novidades criadas urgentemente em achetague. Polarizados por dores nos joelhos e joanetes queixosos ou falta de laiques e abundante intolerância, estendem-se entre eles por exemplo cem quilómetros ou cem metros, de profundidade ou à superfície.

(A vizinha inglesa que está furiosa com o mundo não sai de casa. Nem ela nem os seus filhos.)

19/12/2020

Mondkapje

Tampinha da boca é, traduzindo para português em direto, o nome que os holandeses dão à máscara facial contra o vírus. Acho que é por isso que andam muitos com o nariz de fora dela. Tampinha da boca é tampinha da boca, daí o nome. No stand de automóveis, por exemplo, pode notar-se a milhas terrestres que nós portugueses levamos mais uns meses efetivos de experiência profissional no uso adequado do acessório indispensável, que é como quem diz, temos bem metidos os narizes onde eles são chamados. Assim reconheceu o funcionário que veio falar connosco, ostentando na sua tampinha a insígnia da marca automóvel aplicável em redor. "Em Portugal o vírus não se espalhou tanto, tomaram lá medidas mais eficazes", diz, olhando a partir do longe obrigatório para mim. Eu confirmei com um aceno de cabeça para o caso de não se perceber o sorriso escondido até ao nariz, claro está. É próprio deste povo reconhecer as coisas como elas são; sobranceria ou gabarolices tomadas às colheres não se encontram com facilidade. É pois de prever um futuro próximo mais feliz para todos estes narizes, logo logo arrumadinhos sem falta por trás da tampinha da boca.

07/12/2020

Uma miséria de passos: estava a chover

Tanta introspeção, tanta introspeção e - se não tropeçarmos nestes batimentos supracardíacos da pobre língua - corremos o risco de sucumbir. Tipo assim. Fui, agora apessoando a história, apanhada por duas coisas comuns das quais andava a fugir. A fugir em condições bastante sérias! Uma, Netflix. Agora sou pessoa (apessoando) de ver séries, séries! Tento as feias para não me agarrar mas não acerto. A minha autoestima cai na medida do autocontrolo. Nem pensar em me recomendar das boas! E eu que queria era escrever, escrever, isto faz impressão. Duas, um relógio esperto entrou a derrapar pela minha vida adentro e agora não me larga, já não bastava o querido telefone (outro esperto, mas menos, menos). Ou não o largo eu. É que agora sei tudo sobre mim. Por fora e por dentro. Batimentos cardíacos, tipos de sono interrompido, cochilos curtos em português do Brasil, já tínhamos referido esta nomenclatura, idade projetada, muito tempo sentada (my god), quantidade de passos [inserir título], incentivos em palavras lindas, alegres e saltitantes, as coisas que eu consigo, entre outros: um a-m-o-r mas ai, por favor, que venha a ansiada vacina.

(post escrito pelo robot que há em mim, apesar de tanto declarar o contrário) 

28/11/2020

De primeira

O homem caminha apressado com a sua bagagem de mão por ali fora até se cruzar com a hospedeira de terra. Pelo menos acho que é esse o caso, uma hospedeira de terra. Ela está a organizar as entradas no avião da Portugália, tendo começado pelos passageiros da classe executiva (e bebés). Nunca são muitos estes passageiros e sendo esta uma aeronave mais pequena, claro que menos serão eles estatisticamente. Vai então o homem a todo o gás a cruzar a hospedeira que, tendo já testemunhado o embarque de um ou dois desses passageiros mais raros que pagam muito muito muito mais pelo bilhete de ingresso, se inclina para este e pede confirmação por detrás da máscara, executive class? Eu agora por acaso estou na dúvida se era executive ou se era first class, mas deixemos lá isso, tanto faz. O homem abranda ligeiramente o seu passo veloz e confirma que sim, ele é um executivo (ou de primeira). Ela OK, siga meu senhor toda profissional e isso e o gajo, passou a gajo, pára, volta-se para ela inchado de indignação e diz uma data de coisas zangadas como ferido no orgulho por alguém ter imaginado que ele poderia numa eventualidade super improvável pertencer a outra classe que não a primeira.
Ora agora, que voltámos todos para a mesma gate onde isto se passou três horas antes, porque o sistema lá de voo da aeronave informou à beira da pista que não havia condições para descolar, agora estou toda curiosa a ver se no segundo embarque o gajo também se vai inchar para ali imenso se quem fizer o serviço desta vez não adivinhar à cabeça que aquele passageiro sim senhor, não há dúvidas, aquele passageiro pagou o seu bilhete muito muito muito mais caro e portanto é de primeira. Coitado.

24/11/2020

o que um cochilo curto na nomenclatura da eletrónica pode fazer

Com um cochilo curto pude arrumar o cérebro por dentro. Vinha desengonçado, a apitar um bocadinho, da manhã prematura arrancada à noite (outra vez, outra vez, outra vez). Ali a criar um rasgão nela, apanhada a dormir deste lado do mundo. Mas foi um esforço louvável, coitadinho. Não nos esqueçamos que já não vai para novo. Adoro este meu cérebro, ele é um amor (além de que preciso mesmo dele). Mas esticá-lo desta maneira é que vai lá vai, como dizia a Carla. Lembro-me imenso da Carla por causa dos seus dizeres adoráveis. Só que nunca mais a vi.

A tarde já está posta por ordem. Ali toda de fora da janela, brilhante de um sol tangente mas vivinho da silva, embora por estes lados não haja muitos, é mais um jan van boos, um karl koeiebomen, um martin zijnidee. Por mim, e é isto ao que viemos, afinal, o valter hugo mãe ganhava mas é o Nobel já para o ano que vem para não perdermos mais tempo.

24/10/2020

Aspirador(a)

Ainda por causa desse mistério enervante que é a poesia: já sei! É ao ser depositada, desenrolada ou assentada em torno de um objeto funcional, completamente desprovido de alma, liso como um decreto-lei, cinzentinho qual declaração para as finanças, ainda que absolutamente indispensável, é nessa altura, dizia-se, largura ou comprimento que a poesia mais descansa, respira e rejubila. Porque aí ela pode, então, deixar o seu papel de exceder tudo, todos, o espaço, o tempo, a soberba canseira, aí pode a poesia descansar, repetimos, respirar e rejubilar, também. Se, por outro lado, a obrigarmos a ladear uma doce beira-mar, a pôr-se com o sol, cintilar com a lua ou ainda dançar ao vento primaveril, ou, coitada, a fazer parcerias de fusão com o amor, que amor, ela terá de duramente lutar para não se ofuscar. Nem mesmo quando é servida em rimas tipo isto assim.

Quarenta e nove horas

No refeitório do Cliente Grande deixei o porco no prato quase todo. Estando ali, naquele são lugar, cercada de gente boa, rolos industriais de papel de limpeza e garrafas de pulverizar desinfetante nas superfícies, calculei segura a investida nas fatias de lombo de porco assado. Fatia, na verdade implorei uma, por favor só uma! (mas é próprio da gente boa exceder pedidos - recebi duas). O agrupamento de quartos de batatinhas assadas ali ao lado também prometia elevar o lombo de porco a tolerável por talvez passar despercebido e isso ajudou-me a dar o passo. Portanto, logo depois, já sentada à mesa, as conversas em volta bem lançadas, temperadas de risos, ornadas pelos sorrisos libertos de máscaras, autorização enfim para enquanto se come, dediquei-me a um pequeno pedaço de fatia de lombo de porco. Com o espírito aberto e respirando como deve ser, elevando a circunstância um pouco mais e tudo, abocanhei com jeitinho (mantendo o olhar atento). Mas foi ineficaz a empreitada, o desgosto confirmou-se. E o porco acabou por isso devolvido no prato quase todo (ainda que envergonhadamente). 
Dias depois, no mesmo refeitório, agora sobre um almoço adequado, seguro, e até com algumas delícias, aludi, como quem não quer a coisa mas sim tirar nabos da púcara, ao lombo do porco de segunda feira (era uma segunda feira)! A minha companheira de mesa - ela e eu colocadas em diagonal para fintar qualquer carga viral que alguma de nós pudesse emitir em frente - também havia comido o mesmo lombo de porco fatiado, e eu precisava de saber, de tentar calibrar-me. Ora ela:
- Não estava nada mau o lombo de porco! 

Pronto, já passou. Bem vistas as coisas, chegamos à manhã de sábado do mais longo fim de semana do ano (uma alegria). 

15/10/2020

O prato, ainda

Como o almoço no prato único, desprovido do estampado há muito pelos ciclos da máquina de lavar. Como no prato que não encaixa nos demais, na prateleira, guardando espaços esconsos acima e abaixo dele. Como o almoço na luz da cozinha deitada ao rio do costume, se bem que mais a norte, aproveitando agora com rugas nas minhas mãos, sim, o molho da caldeirada que inventei da mãe e uma fatia do pão de mafra. Como sobre os azuis desenhos adivinhados deste prato de outrora, roubando-te por um instante à eternidade com a memória da tua sopa que dava o aroma às manhãs na minha pequena existência cozinhada ao teu lume, avó.

13/10/2020

Dá até medo a poesia

Se, na maior parte das vezes sigo andando, falando, ouvindo, comendo, respirando sem sofrer do poema a mínima perturbação, outras há em que, apanhada desprevenida, quebro toda, fico espalhada, desfeita, líquida cobrindo o chão e, depois, quando passado um sopro completo, volto a erguer-me para continuar o meu caminho, sacudo a dor da roupa tentando não reparar que fiquei foi mais inteira.

12/10/2020

Parvo outono triste

Caminho pela sombra do prédio que me fica bem à direita de quem vai a descer. Levo o cuidado único de guardar largura de passeio do outro meu lado para quem quiser ir à vontade; não direi que vou cosida à parede mas é por poucos centímetros. Subitamente sinto um cheiro forte a roupa lavada. Um cheiro tão lindo a sábado de manhã como se a caminho de tomar um café e ler o jornal na esplanada ao sol a gente fosse. Um cheiro metidinho que me desacelerou o passo, que é de uma segunda feira, e me levantou a cabeça cheia deste parvo outono triste. Por cima de mim, nas cordas para o efeito, está uma velhota à janela estendendo roupa lavada de confirmação. Um lençol está sendo ajeitado, dependurando já bastante, as mãos que saem das mangas de um robe de chambre cor-de-rosa vigorosas na tarefa. Não ameaçada de levar com uma dobra de lençol molhado na cara, que para alguma coisa há de servir não ser altíssima, devolvo o olhar ao chão mesmo a tempo de bater os olhos numa fronha da mesma família deste lençol, muito caída, em baixo, bem aninhada no canto do prédio como se quisesse esconder-se por não saber trepar a parede de volta à janela de origem. Paro, então. Olho de novo para cima e digo à velhota que deixou cair uma fronha. Ela sorri-me toda experiente daquilo e confirma, deixei, eu sei. Não fosse a imposição vigente neste outono que já disse triste, e parvo, e eu seria pessoa de se oferecer para lhe levar a fronha caída a casa. Portanto, queridos, apetece-me dizer queridos, retomei o caminho sem nunca saber se a velhota descia à rua de robe de chambre cor-de-rosa vestido ou quê.

26/09/2020

O processo de apalpação

Quando, nas instalações de deteção de metais no aeroporto, alguém passageiro faz o sistema alarmar-se, esse alguém segue para o processo de apalpação, não vá trazer consigo alguma desgraça. Levado a cabo por pessoal especializado funcionário do aeroporto, o processo de apalpação tem um requisito a cumprir: homem apalpa homem e mulher mulher. Esta manhã não alarmei o sistema: levo cinto sem metal, tiro os brincos e o relógio, os All Star muito lindos (não sei se já disse) que levo nos pés não apitam - tudo preparos meus conhecidos para conseguir não ficar ali de braços à Cristo-rei a ser apalpada. Portanto, o que nos traz aqui hoje é outro gatilho, vamos lá ver. 

- Quantas mulheres tens aí nessa máquina? - lança pelo ar um funcionário homem para a colega mulher que, nesta máquina onde vou eu a passar passageira, visualiza os conteúdos das malas e cenas afins num ecrã. 
- Aqui? - olha a colega mulher em redor a contar as mulheres-colegas - quatro! 
- Então dá cá duas! Aqui não temos nenhuma! 
(e se uma mulher faz muita falta onde quer que seja, duas idem) 
Prossegui o meu caminho sem observar a transferência sexista que se anunciava, concluindo facilmente que alguma passageira fez alarmar a máquina do lado e não havia quem tivesse as competências requeridas que a pudesse apalpar, ou seja, uma falha na gestão dos recursos (tss).
Como se irá resolver este requisito do processo de apalpação quando alguém se lembrar de pôr @ no lugar dos "a" e/ou dos "o" indefinindo sexo e género para ficarmos todos contentes e abrangidos é o que eu acho divertido.

24/09/2020

Um açaime, digo eu

Então liguei à GNR local e passei a mensagem. Expliquei, por exemplo, que em toda a minha vida é a primeira vez que tenho medo de um cão. Ele é altíssimo, descoordenado nos movimentos, penso que até perturbado na sua mente canina e – comprovado agora – morde as pessoas. Anda solto pela aldeia da serra, hoje em dia muito mais habitada, a horas em que a sua dona decide serem boas: os moradores estarão instalados no sofá a ver novelas muito cedo. Tanto que ela se engana. No dia em que corri para compor melhor a distância entre mim e o cão, os seus dentes cravados na minha memória quente, caí num monte de areia e enchi os sapatos dela. Por isso liguei eu agora à GNR local, uma vez que de todos os moradores da aldeia serei praticamente a única nativa e portanto dominando melhorzinho o português. Incluí, até, na minha súplica, a pergunta relativa a querermos nós (o agente da GNR meu interlocutor e eu) que o cão primeiro magoe, por exemplo, uma criança pequena a sério – visto que por enquanto só mordeu - ou vamos fazer já alguma coisa para evitar? Isto resultou. Os agentes visitaram no mesmo dia a dona do cão. Se a visita surtiu efeito não se falará mais deste cão aqui. Caso contrário é provável. 

05/09/2020

Uma viagem à feira do livro

Há seis anos, mais ou menos por esta altura, perguntou-me "mãe, posso casar com o José Luís Peixoto?". Hoje, na Feira do Livro, ficámos ambas a vê-lo assinar autógrafos. Perguntei-lhe, quando percebemos que era o dia do seu aniversário, ela não arredando pé do posto de observação, "queres lá ir, filha?".
- Não, tenho vergonha. Ele até já me conhece, mãe.
De tantas vezes ela o abordou. Depois suspirou, voltou-se enfim determinada a continuar caminho, e disse "Ai... ele é tão charmoso!".

(Aproveito para recomendar, para quem não leu, "Dentro do segredo - uma viagem à Coreia do Norte")

04/09/2020

A patine é certa como os impostos e não só (deve ser da idade)

O passadiço que corre quieto sobre o pouco de rio e que na primavera sofreu de uma falha nas tábuas transversais do piso conferindo um perigo ao local, já exibe o remendo que levou este verão em completo acabamento. Por diligência, alguém foi e, a tábua toda novinha era julho, a instalou bem ali, inserida entre as outras, calminhas, sabidas de embeber vapores ao caldo fluvial. Mas ela passou metade do verão espetando-se para sul, uma prancha toda para nada, exagerando num comprimento estimado por excesso. E eis que, já o sol nos dá setembro, o novo inserto de tábua (não pode uma pessoa ausentar-se três semanas) não só está cortada enfim na medida exata, como também revela o início do seu percurso de aproximação às vizinhas em cor e patine! Não fotografei o processo. Doem-me os olhos de muito os enfiar no pequeno ecrã. Olhei antes lá em baixo, toda a vez, os pequenos caranguejos aflitos, sobre leito de lodo morno, sempre laterais na abordagem, eu gostando assim muito deles e sem saber lá porquê.

28/08/2020

Leeuwarden

Visto num jornal local, numa página com fotografias das últimas refeições pedidas (e ingeridas, à exceção deste caso) por norte-americanos condenados à morte.

"Robert Anthony Madden foi executado a 28 de maio de 1997. Ele pediu que a sua última refeição fosse dada a uma pessoa sem abrigo, mas o seu pedido não foi atendido. O Fotógrafo Black acha, por isso, esta foto a mais controversa. Madden terá esfaqueado e atirado em duas pessoas (um pai e um filho). As últimas palavras de Madden foram: "As minhas desculpas pela vossa perda e pela vossa dor. Mas eu não matei essas pessoas. ..."

25/08/2020

Oldeboorn

A meio da tarde, levanto os olhos do livro e foco-os para além da janela, para os descansar. A mulher loira, do outro lado do canal, leva nos braços, empilhadas, as duas cadeiras de jardim para trás da casa. Logo depois regressa, vem buscar o vaso de flores, único acompanhante da mesinha redonda, agora que as cadeiras saíram. Fiquei à espera que ela viesse buscar também a mesinha de certeza para lugar seguro. Antes de desistir e devolver os olhos ao livro - a mesinha lá ficou, órfã, sujeita às leis da intempérie anunciada para a noite, avisto o terceiro gato do dia.

16/08/2020

Tormenta

Anton já não cozinha para ninguém, nem para ele próprio. Também já não passa as suas camisas a ferro. Nem pode conduzir um carro, como o próprio observou esta tarde, mesmo antes de as nuvens pretas desabarem num pranto elétrico, a água furiosa contra os vidros e ele, observando o exterior revolto, a sete meses de completar cem anos de vida, sorri com a tormenta e acrescenta que está a ficar velho.

15/08/2020

Qual a média de maçãs por cabeça, já que precisamos da estatística?

Apanhei três maçãs verdes do chão, com cuidado para não incomodar alguma possível abelha oculta pela curvatura do fruto, não fosse ela virar-se a mim. Mas não. Levei as três peças para a cozinha e lá as parti em pedaços. O dono das vacas disse o mês passado que podemos dar-lhes maçãs, ainda que estas, verdes, intragáveis, desde que partidas em metades, para ajudar a mastigação. Eu parti em mais que metades, ou seja, menos que metades, coitadinhas das vacas. Sabe-se lá. Meti os pedaços  maneiros numa taça e cruzei o jardim com ela até me acercar da cerca. Do outro lado, uma vaca só, afinal. Demorei muito a preparar as maçãs. As outras já tinham ido comer a erva fresca mais para sul. Esta que ficou perto olha para mim e parece que adivinha. Tem a cara cheia de moscas, dá pena. Atirei-lhe então o primeiro pedaço com cuidado para não acertar na cabeça do animal. A minha pontaria não costuma ser excelente. Deu certo. A vaca comeu o pedaço do chão e enquanto o mastigou alguma saliva pendia da sua grande boca. Compreendo, porque a maçã tem um nível de ácido tão forte que faz salivar. Só de pensar já faz.
Atirei outro pedaço à vaca, tive cuidado, e outro e outro, até ficar a taça vazia. Todos os pedaços caíram no chão e todos foram apanhados. A mesma vaca comeu três maçãs inteiras em pedaços, o que parecendo uma contradição, não é. Com isto ficaram outras cinco cabeças de gado para amanhã ou depois não acertar com pedaços de verdes intragáveis maçãs.

06/08/2020

Finalmente o papagaio e outras não histórias

Há um saco de ervilhas geladas a aguardar o naco de frango ingénuo que se estende nas mesmas condições ambientais destinado a uma sexta feira ou algum instante imprevisto.

Na descida em direção ao rio noto que o dedo do pé recentemente acometido daquela última dor sem querer está aconchegado e aí confirmo pelo canto do olho esquerdo o stock de vasinhos de pimentos coloridos en el kiosk.

Mas este quiosque é esse mesmo! Na volta, já quase a esbarrar com a procura das chaves de casa, desenfio os auriculares dos ouvidos para comunicar na manhã ainda fresca. Se faz favor aquele vasinho dos pimentos laranja e logo depois, enquanto se processa a troca, dedico-me ao papagaio!

 

(o naquito de maçã que esta ave comunicadora de ideias fixas segura na pata esquerda fui eu que lhe estendi, hã?)

04/08/2020

Uma espécie de não presente

Para a Flor:

"AVARANDADO

Quarta nota para
a manhã infinita:

Afinal o grande amor
Não garante nada mais
Do que as 12 graças
Desdobradas pelos
Corredores do mundo
Agora isso é mais
Do que suficiente
E apesar dos bofetões
Do tempo invertido
Apesar das visitas
Breves do pavor
A beleza é tudo
O que permanece"

Matilde Campilho in "Jóquei"

Vem-me uma esperança renovada na humanidade ao observar tanta beleza brotando em alguns blogues. E nem sequer são poucos.

03/08/2020

Desergonómico espetante ou espetador (mas mesmo)

No bairro das gaivotas, à hora em que o sino da igreja anuncia o tempo, setenta e três pessoas recebem, nos seus dispositivos eletrónicos em forma de chapa, a mesma mensagem de vídeo. Cinco pessoas consomem-na. As restantes encolhem os ombros. Elas não sabem que a descrença vem do absurdo convívio íntimo com a chapa de vidro e frio, um frio coberto com gordura de dedos e insatisfação. Carregam a chapa tão junto ao corpo que, quente (elas não sabem), chora quieto, ávido de outras curvas, em todas as horas. Nesta também? Sim.

01/08/2020

O brinco estava certo

Subitamente, lembrei-me da máquina de ordenha na grande vacaria que visitei no verão passado. A máquina tinha um pequeno visor associado a cada posto de extração do leite, que exibia o número de série da vaca que o ocupava. Por exemplo, koe* 42. Estes grandes animais enigmáticos carregam na orelha o brinco numerado que os identifica inequivocamente. O lindo que ali vi foi sobretudo serem as próprias vacas a tomar a decisão: é hora de ir à máquina. Faziam fila ordeira junto à entrada de cada posto de ordenha. Quase todas com o depósito tão cheio que se viam as veias mamárias em alto relevo. Elas sabem que daquele processo sairão aliviadas de muitos quilos de leite, em princípio mais de dez quilos se não forem mesmo vinte. Acredito que para elas importe mais o leite em quilos do que em litros, se não se importarem. Como sou freguesa da exatidão quando ela se deixa apurar, e de onde estou só vejo, da vaca, os pés, aguardei os minutos precisos para a número 42 sair da ordenha. Depois, estiquei o pescoço e observei o seu brinco.

*vaca

30/07/2020

Cuidados

Relativamente ao fado, é preciso ter também caldos de galinha com a tomada de posse: o meu fado. Isto é ainda mais verdade se for o fado cantado. Cantando, podemos perfeitamente distrair-nos a manter o timbre no seu lugar subatómico em equilíbrio que é sabido metaestável e tunga.

O regresso às instalações do dentista revelou à cabeça novos automóveis no parque de estacionamento. Sentada ao volante, continuo com a dificuldade em tornear aqueles pilares. Mas logo depois, no consultório, enfiar o cabelo na touquinha e os pés nos elementos de proteção com elástico ali designados pezinhos, foi fácil.

Ao almoço, entre duas garfadas de alface com rúcula (a rúcula decerto congeminada no olimpo), passa na televisão, entalado entre duas notícias da atualidade, um reclame reivindicando, orgulhoso, o sábio caminho percorrido por um conhecido medicamento contra a diarreia. Thank you.

29/07/2020

Um (una)

O grito ondulatório das gaivotas por cima dos prédios não causará a deteção das suas coordenadas geográficas móveis, nem seu posterior tratamento dentro do habitual intervalo de confiança, noventa e cinco por cento reconhecemos não ser mau, o resultado veiculado nos meios de comunicação à hora do jantar acompanhado de um franzir de testa do jornalista, impressionado.

27/07/2020

Dois (apartado)

Se o domingo não andasse aí a cheirar o sujo da berma da estrada, eu o teria agarrado, metido no bolso e, a correr, bem podia ir deitá-lo ao rio (ou esquecer). Domingos! Parecem os buracos do queijo. (Querem parecer os buracos do queijo?)

Acordei três noites seguidas a meio do sono assustada com o provedor de serviços de comunicações. Então escrevi mentalmente, com requintes de ácido, fulminantes, acabamentos em negrito da Hewlett Packard, a carta lagarta demolidora. Feita em três, culminou na fila dos correios. Bom dia.

26/07/2020

Três

Quando, nos filmes, o ator diz para a atriz, tens fome?, e a convida para irem comer juntos, uma alegria sempre vem, independentemente da minha idade.

Deve haver um sítio muito pequenino, por baixo da minha omoplata esquerda, onde uma agulha mágica, espetada, eliminaria a dor cinzento-metalizado, agudazinha.

Às vezes adoro a voz da Luísa Sobral, outras é difícil ajustá-la, dar-lhe uma cadeirinha almofadada, convidá-la a sentar. Não sei porquê.

25/07/2020

Quatro

De vez em quando tenho pena de viver num mundo com programas de televisão chamados Big Brother, mas a maior parte do tempo não penso nisso.

Não sei porquê já começo a achar graça às pequenas mensagens que me chegam do pingo doce com anúncios do borrego, do porco e de partes, como a pá. Fui vencida em todas as tentativas de me livrar delas.

A minha nova máquina de café é de fabrico nacional e ainda por cima patenteada. Inchei com isto, mas só depois de chegar a casa.

Primeiro, a gata mordeu o pé do cacho de uvas, depois tomou a sério (ela está sempre séria) a pequena uva branca que lhe apresentei, arrancada ali, e foi para o chão brincar à bola com ela. Uma hora mais tarde encontrei a uvinha abandonada, mordida, meio comida.

avidez

Na plenitude desta constância em organização(zinha), parei na intenção de ir ali deitar-me e ver o noticiário da uma para conseguir conhecer mais do tudo (eu quero o tudo), mas aconteceu um atropelamento auditivo, outra coisa, mas toda, toda – foi um acidente auditivo, uma fala ouvida e não só ouvida, ela foi sentida, a fala, entrou-me cá. Nas veias, nas artérias, os glóbulos tintos, cansados da minha, demasiada totalidade, ou de mim, respiraram em coro de gente ávida, e olha. Vou comprar dois livros.


23/07/2020

Saudades do calor humano, é?

Um sistema de ar condicionado esteja virado para o frio esteja para o calor condiciona-me frequentemente a não gostar dele é nada. Um sistema assim tem o hábito de promover imenso frio no verão dentro dos edifícios e imenso calor no inverno dentro dos edifícios. Eu já quase desmaiei numa reunião moderada a uns 30 graus celsius no dezembro de Lisboa, podia ser uma vergonha. Mas agarrei-me bem à minha consciência para não a perder ali toda nas conversações e à mesa de madeira em torno da qual éramos dezassete, contei, dezasseis dos quais homens, todos já sem gravata e de mangas arregaçadas. Balbuciei um pedido de abertura urgente de janelas para o lado, mas nada, nas obras de remodelação recentes muito modernas tinham colado as ditas para sempre. De modo que já só podia contar com chegar pelo próprio pé à porta de salvação. Claro que planeei o futuro: se for dezembro irei de blusa fresca e esvoaçante e, se correr um julho destes, envergarei um casaquinho fechado até ao pescoço a combinar com uma echarpe muito linda.
(e isto vem a despropósito de quê?)

**** adenda especial para a Maria:

(a próxima a ver se conseguimos com os olhos abertos)

21/07/2020

Café da manhã

Devagar, como sempre faz, o dia emerge da noite. A janela aberta deixa que dele entre um braço de luz prateada, num silêncio. Uma gaivota ronda o pedaço, lançando os seus gritos de praia perto, tão perto da adolescência, ao longe. Com eles quebra o silêncio, golpeando o ar aqui e ali, para lá e depois para cá. 
Lembro-me então dos pequenos caranguejos no lodo que dá chão ao rio. Lá estarão andando de lado, aos arrancos apressados quando a maré deixa. Uns são pequenos outros ainda mais. Absolutamente da mesma cor do lodo, se castanho ou se cinzento fugido, abetonado, condizendo com o majestoso pilar da ponte, não me decido. Mantenho para já, filha de um desconfinamento diário impulsivo, a certeza de que os verei quando o rio se retrai mais fino. Mas são, vejamos, não caranguejos no lodo, como disse, antes são caranguejos do lodo, que é outra coisa. Entretanto, a gaivota voou embora e eu vou fazer café.

14/07/2020

Nenhuns baites por segundo

Por um lado, a segunda circular está pior, obrigada. Por outro lado, ela está mais dinâmica. E ainda por outras palavras, a segunda circular está aqui está não a almoçar, mas a ser promovida a primeira circular. Ah pois é. Ao entrar-se nela, temos ondulação forte, tremedeira, interrupções súbitas no piso (cabum), uns excessos levantados por raízes de árvores vizinhas olá cá estou eu. Características acentuadas, novos graus de liberdade de movimentos, como já se percebeu. 
Mas valeu a pena toda aquela agitação adicional, circular (de primeira), ao cabo da qual voltei a entrar no edifício do Cliente Grande. Tão feliz. E quando digo entrar quero dizer transportar para dentro do edifício a matéria, as próprias moléculas, as forças entre elas, a vontade de estar ali que levava incluída, eu.

12/07/2020

Incertezas

Afinal não se sabe, em princípio, se a COVID-19 tem ou não pico. Em termos gerais, digamos assim. Ou se não é bem pico porque a curva achatou e é só surto. Primeiro, pelo menos, mas também segundo, previsto para depois do verão. A verdade é que deixamos de limpar as compras do supermercado com detergente antes de as arrumar. O pacote de arroz era fácil, assim como a garrafa de azeite, já o saco que traz a alface levantava dúvidas, limpar exatamente como, o saco é mole, o do pão também. E então a fruta? Lavamos as mãos, isso lavamos, muito bem. Mas também já não tiramos as máscaras com todos os predicados aprendidos na televisão, os elásticos, a ordem, isso assim. Tiramo-las como calha, aliás semitiramo-las, porque as puxamos para o queixo se for das com preguinhas ou desenfiamos de uma orelha, se for das de bico de pato, dizem. Eu pessoalmente, passo a redundância, prefiro as segundas não sei porquê.
Que todavia estão iguais às terças, sextas e sábados desde março. E a hoje, que é domingo.

08/07/2020

Slot aborrecido (ai o itálico!)

Na porta de embarque bato os olhos na sola de um sapato de ténis, a sola está voltada para mim. Tem um perfil parecido com o do sapato que deixou as marcas no chão do quarto da Saminhas no último assalto. Este perfil esteve na lista top mais na altura, quando fomos a várias lojas de calçado virar sapatos para apreciação das solas. O perfil  foi então eliminado, as estrias da borracha são mais largas. O sapato do ladrão, ou da ladra, era outro.
O tempo de espera para entrar no avião é um vazio repleto de aborrecido. O miúdo da frente da fila, por exemplo, torce o pequeno tronco do colo do pai abaixo, acompanhando a tentativa de um gemido. Quer sair. Ou quer embarcar. A mãe do miúdo já andou a passar por baixo das fitas delimitadoras de contenção de passageiros em filas para ir apanhar o cachopo fora da área, tinha ele escapado do colo do pai com sucesso.
Hesito entre ter saudades do comboio e culpar a máscara que me dá comichão no nariz e um bocado de falta de ar.

30/06/2020

Geometrias

Casados fez sessenta anos em plena pandemia, os vizinhos da casa em frente estão atarefados a cuidar do seu jardim holandês. As folhas do chão são varridas e reunidas. Não utilizam máquinas, fazem eles enquanto acenam a quem passa, ou a mim, que estou a espiá-los detrás da janela da cozinha. A sebe poliédrica perimétrica é aparada mantendo as superfícies lisas, os ângulos retos. As ervas supérfluas, indesejadas, são removidas com mãos experientes dentro de luvas de entre as flores escolhidas em amarelo, lilás, branco. Os canteiros de novo intactos. É um jardim bonito e bem cuidado, como era de esperar, mas falta-lhe uma coisa para ser promovido a quintal: a roupa estendida entre a qual se vê uma toalha de piquenique aos quadrados vermelhos e brancos a esvoaçar na brisa da tarde como nos livros de histórias. As toalhas deste tipo têm a especialidade de não ficar estiradas, hirtas, em direção ao chão. Elas atraem a brisa da tarde de propósito para ficarem bonitas nas ilustrações dos livros. Não há roupa estendida em toda a rua, aliás; feito que terá origem na proliferação já antiga das máquinas de secar. O contentor de tampa verde informando sobre a sua espécie de conteúdo está ali por perto, aberto e quase cheio, bem alimentado pelos resíduos colhidos no jardim da casa em frente. Deve estar para breve o dia de passar o carro-camião-mas-limpinho que com o seu braço mecânico vai, apanha e vira os contentores da tampa verde de rodas para o ar, dois a dois, agita-os esvaziando-os e volta a pousá-los. É só preciso, na véspera, colocá-los alinhados lado a lado, estimando razoavelmente o alcance do braço mecânico, direitinhos. Todos os moradores da rua sabem isto e eu também, que venho de passagem. Eles não falham: eu só me enganei uma vez.

23/05/2020

Rentrée (acho que não dá para itálicos nos títulos)

A rapariga da caixa do supermercado perguntou-me se eu pretendia não sei quê que não percebi por causa da máscara dela para o banco alimentar. Numa fração de segundo passei do estado de pensar que não tinha trazido nada das prateleiras para alimentar o banco e portanto ia dizer que desta vez não, para logo perceber que me bastaria adquirir ali um cupão em papel que fazia as vezes do produto real, este representado em fotografia no seu rosto, seu, do cupão. A escrever é que isto demora mais. Perguntei quanto era o cupão e a que correspondia a oferta daquele exemplar específico que a empregada já tinha subtraído à pilha de cupões no gesto de me incentivar. Salsichas, diz. Mas saber quanto vale ela não sabe e nem virando o cupão de um lado e do outro repetidamente a resposta vem. Então eu lancei o olho para o segundo cupão da fila, que exibia um belíssimo pacote de arroz na fotografia. Prefiro o arroz, então, se faz favor, salsichas não. Só depois de passar o código de barras do cupão do arroz foi possível à rapariga da caixa ver o seu valor, seu, do cupão. Está a divertir-me escrever cupão. Passada uma boa meia hora, já eu estou devolvida à minha secretária de trabalho para pegar nele, ponho-me a pensar nas Salsichas, alguma vez eu ia oferecer salsichas! Se não prestam para mim!... A realidade nua e crua é que eu já comi salsichas no passado, pois, antes de saber do que são feitas as mesmas. Suponho que então acreditava ser fruto de misteriosa magia especial das fábricas a produção de tão fabuloso sabor num tom cor-de-rosinha perfeito e homogéneo. Mas isto, claro, foi há muito, muito tempo, tu e eu duas crianças.

13/05/2020

Dois metros (continuando numa espécie de matemática)

Quando me aproximei da entrada da loja, vi que ia com a sorte de estar apenas uma freguesa a ser atendida pela dona do estabelecimento de venda de ferragens e artigos do género, do outro lado do acrílico. Levo no bolso um comando de portão de garagem com a pilha exaurida. A olho, calculei os tais dois metros entre mim e a freguesa única que está entretida, noto agora, com o seu telemóvel enquanto a dona do estabelecimento aguarda que lhe seja dispensada a atenção necessária ao processo de atendimento que já vai na fase de pagamento.
- Ai, desculpe, estava aqui a mandar uma mensagem à minha filha – diz finalmente a freguesa única enquanto arruma o dito móvel na mala e retoma o processo que tinha ficado suspenso.
A dona do estabelecimento faz um leve sorriso que os seus olhos revelam e abana ligeiramente a cabeça como quem diz não tem problema.
A freguesa única continua, dois metros a olho à minha frente.
- É que ontem fiz o teste à COVID, recebi agora mesmo o resultado e estava a contar à minha filha.
A dona do estabelecimento abriu um bocadinho mais os olhos detrás do acrílico e eu apurei os ouvidos, que dois metros ainda é mais ou menos longe. Ela claro que continuou.
- Deu negativo – uma gargalhada – e eu ia para dizer à minha filha que tinha dado positivo, mas depois não a quis assustar! – segunda gargalhada, maior.
Eu a primeira gargalhada compreendi perfeitamente.

12/05/2020

Seis horas

Foi esquisito sair com o carro para fora do perímetro bairrista pela primeira vez em mais de dois meses. Como se estivesse a explorar novos horizontes, eu bem amarela para não dizer branquinha, como achou a vizinha do terceiro ao ver-me passar. Depois, da primeira vez que saí do automóvel, que branquinho não consegue estar devido a ser preto, contudo se pudesse era capaz disso, grande contradição, mas iamos a sair do automóvel já arrumado no estacionamento longínquo, não me esqueci de me mascarar. As minhas orelhas não se têm revelado suficientemente firmes no desempenho das novas funções, que eu já as topei: os elásticos de vez em quando querem sair dali à elástico, tóin, é preciso apanhá-los desprevenidos para os dissuadir de escapar. Porém não terá sido por este motivo que, das duas ou três e se calhar quatro vezes posteriores à primeira em que hoje saí do carro, sempre no mesmo estacionamento, deixei a querida máscara, querida por ela cheirar inesperadamente muito bem enquanto me protege dos males do corona, deixei-a, repito, dentro da viatura inadvertidamente. Foi preciso exclamar um ah! A máscara!, e dar meia volta para ir buscar a peça valiosa. Caso contrário, nem pensar em circular por ali como se em trajes menores eu andasse, isto é que vai uma crise, e este post está que parece sei lá o quê. E vão seis. Seis horas no mesmo estacionamento. Ou seja, é com certeza por isso.

06/05/2020

Espécie de matemática

E cá temos mais uma contribuição da Catarina! (O título dei-lho eu, que adoro.)

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Passo os dias ao computador... Já não o suporto e acredito que nem ele a mim. Hoje, depois de uma agarração de quatro aulas, achei de devíamos "dar um tempo". Deixei-o na sala e vim cá para fora apanhar uns raios de sol.

Mas como os e-mails não se respondem sozinhos, decidi fazê-lo no telemóvel... Uma vez que, nesta fase, os e-mails se reproduzem como coelhos e que eu fiquei inibida de lhes dar avanço por causa das aulas, digamos que o trânsito das mensagens por ler estava ao nível do IC19 em hora de ponta de época pré-covid, e o cenário, na caixa de entrada, estava bera. 

Tudo muito bem até aqui. O problema é que eu nasci com o termostato avariado e o S. Pedro não se mostrou muito cooperante com a minha vontade de apanhar sol. Solução: umas luvas da Decathlon que, apesar de feiosas, são práticas, eficazes e munidas de uma tecnologia fantástica que permite, simultaneamente, dar ao dedo no touch screen e ter as mãos quentinhas. E assim foi: toca a responder aos e-mails de luvas (depois de ser gozada pelos meus filhos - hoje não jantam), luvas essas que aumentam a dimensão dos meus dedos para o triplo. Digamos que é um tremendo desafio tentar acertar nas teclas certas com dedos felpudos de elefante... Não há pontaria que valha! 

Uma salva de palmas para quem inventou o corretor automático que me ajudou bastante! Ou melhor, meia salva de palmas porque a eficácia do mesmo para adivinhar o que tenciono escrever não foi maior do que uns míseros 35% e fez com que não conseguisse escrever este texto em menos do que a proporcionalidade de tempo equivalente ao tamanho dos meus dedos: o triplo.

Catarina Rodrigues

05/05/2020

Desconfinado (com cafeína)


Fui ver o desconfinamento. Menos por curiosidade e mais por necessidade de me desconfinar eu. Quando lá cheguei, encontrei-o como em tempos estava a guerra do Raúl Solnado: fechado. Quer dizer, meio fechado. Aceitando este meio, iniciei o caminho de regresso ao confinanço, também podemos chamar-lhe confinanço para variar de palavras. Neste entretempo, e ainda no âmbito das variações, dou de caras com vários cafés confinados ao estado de fechado e um café aberto, quer dizer, meio aberto. Optei por este meio, para me vingar. Aproximei-me lentamente e sem fazer barulho como quem não quer a coisa mas quer a coisa e de longe perguntei, sabendo a resposta, se podia tomar um café. Tanto podia o café como podia um pastel de nata, se eu queria um pastel de nata. Não queria. O que eu só queria era ali mesmo, numa não esplanada, em pé, ao vento da tarde, tomar o meu primeiro café desconfinado.

02/05/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 48

O quiosque das flores ainda está aberto e já o sol se pôs a andar há horas. Embora daqui não pareça restar nenhum dos muitos fregueses que o visitaram durante todo o dia, escolhendo cestos e ramos, arranjos e vasinhos, as luzes estão acesas. São luzes daquele tom muito branco fazendo lembrar ou uma câmara frigorífica ou um bloco operatório. Mas no quiosque a situação escapa airosamente devido ao mar de flores dispostas em redor. Nos suportes que fazem escadinha, em mesas montadas para a ocasião, como os bolos-rei no natal. Têm muitas cores, as flores, fazendo crer que não será um acaso a rima que se meteu entre estas duas palavras, flores e cores, instando-nos a recordar o ponto em que vamos no calendário. Não será para assinalar o fim do estado de emergência, mas sim o dia da mãe que entra em vigor dentro de minutos. Aliás encaixa bem o estado de emergência dar lugar ao florido dia da mãe. Os fregueses que hoje ali escolheram flores devem ter as mães dentro do mesmo concelho que eles. No meu caso, vivendo a minha mãe a uma distância que atravessa uns três concelhos inteiros, irei ao quiosque armada em freguesa, amanhã, tentar roubar uma pena ao papagaio que deve estar cansadíssimo com a agitação e portanto mais lento na defesa e, de caminho, comprarei flores. Para mim, desta vez.

01/05/2020

Post do dia 47, um pôr fim ao Corona (até)

Diz a voz doce e encorajadora do rádio que online temos infinitas possibilidades e é verdade. Offline, ou seja, se olharmos em redor, mexendo a cabeça e talvez um bocado os ombros, para um lado e/ou para o outro, só temos uma: a realidade em que se encontra a matéria que nos dá corpo (e mente).
Pela minha parte, dispenso as infinitas possibilidades dos ecrãs. Especialmente aquela coisinha verde de nome indizível parecido com whastapp que eu escrevo como calha devido a embirrar que aquilo não se chame “What’s up?” como pertencia chamar-se (nham nham nham, já sei), essa coisinha verde então, dá-me cabo da cabeça e vem num ecrã diminuto ainda por cima e aos montes.
Mas o problema não és tu, sou eu, queres ver?  Quando em criança ouvia uma canção no rádio por exemplo no programa “Quando o telefone toca”, acho que se chamava assim o programa, acreditava que os problemas amorosos cantados pelo intérprete eram reais e claro que depois de ouvir a mesma canção várias vezes ao longo de meses tive pena da pessoa e cheguei ao ponto de comentar em voz alta que aquela cantora, era uma cantora, nunca mais resolvia o desgosto de amor que o homem lhe tinha dado e ela tanto cantava e não sei quê. Foi o dia em que me explicaram que as canções são tudo mentira, eles cantam o que lhes apetece, sintam ou não. Óbvio que odiei. 
Já agora, “Quando o telefone toca” era nome decente e ninguém se lembrou de optar, tipo, por "Kandofonetrrrimtrrrim" pois não? É isso.

30/04/2020

Um dia até ao fim do post por Corona - 46

Sapatos fora da caixa para aguçar o apetite de lhes pôr os pés em cima no momento de sair da zona de conforto também conhecida por pantufas.


(há imenso tempo que não havia um post com sapatos)

29/04/2020

Um 45 por dia até ao fim do post - Corona

A meio da manhã, no intervalo do trabalho, a chuva a ameaçar cair lá fora.

- Aos dez anos eu já descascava a minha fruta, mãe?
- Acho que sim, Saminhas, mas não tenho a certeza... As boas facas para a fruta são as que cortam bem... 
Pelo visto já perdi uma boa parte de exatidão nas memórias da minha ação – e tão intensa, sempre tão intensa – no meu passado de mãe.
- Mas porque perguntas?
- Estava a lembrar-me da Natacha, uma das minhas acampantes.
Saminhas e Muzi, as minhas duas filhas, são muito ativas em orientar grupos de miúdos (mais novos, pois claro) nos famosos acampamentos de verão.
- Certa vez, ela quis comer uma laranja e eu dei-lhe a laranja, inteira, para a mão. A Natacha ficou a olhar para a laranja e não sabia o que fazer para a comer. Como eu não a ajudei, havia outros meninos a pedir fruta e não é suposto nós ajudarmos, ela começou a morder a laranja, com casca e tudo.
- A sério?
- Sim… e acho que ela tinha dez anos. Eu disse-lhe para ela tirar a casca à laranja, e fiz o gesto com a mão – ali toda a gente descasca as laranjas com as mãos, não damos facas aos miúdos. E ela lá conseguiu descascar metade da laranja, depois começou a comer essa metade às dentadas.
Enquanto conta isto, Saminhas exemplifica com uma laranja imaginária nas mãos.
- E quando acabou a metade descascada, comeu o resto de dentro da casca, tudo às dentadas… eu não a ajudei, eles têm de se desenrascar. – conclui, divertida, a exemplificar, enquanto eu imagino rios de sumo a escorrer da boca da Natacha.
- Que estranho… será que ela nunca tinha visto uma laranja inteira? Será que lha apresentavam sempre já em gomos ou rodelas, pronta a comer?
- Não sei… mas ela é russa, mãe... se calhar na Rússia não há laranjas.

(alguém aí com filhos na faixa etária da Natacha pode esclarecer? é caso para duvidarmos da existência de laranjas na Rússia ou é caso para quê?)

28/04/2020

Um dia por Corona até ao post do fim - 44

Melhor momento do dia:

Receber o anúncio de um workshop dos meus eventuais interesses. Um workshop presencial, pre-sen-ci-al. Para quando? Julho. Meados de julho.
Fiquei tão feliz que, mesmo o querido workshop nutrindo interesses que passam ao lado dos meus, acho que me vou inscrever só para poder pôr na agenda. Pre-sen-ci-al.

(ando um bocado contraditória, parece)

27/04/2020

Um fim por dia até ao post do Corona - 43

Há muito tempo descobri que, surpreendentemente, agrada-me a sala de espera do dentista. Por um lado, empurro para um momento posterior a situação à qual vou, por outro lado, não sei quanto tempo esperarei e não saber quanto tempo esperarei é coisa de valor, como diria a Carla. É não estar mais nas minhas mãos o controlo, é pura e simplesmente tirar umas feriazinhas, fazer um intervalo, ainda que intervalinho.
Hoje descobri que, surpreendentemente, ainda mais que a sala de espera do dentista, agrada-me esta espera que não é só de sala, mas de toda a casa. Uma casa, a minha, que está uma beleza de ordem, arrumação, disposição. Este outro intervalo, este grande, este senhor intervalo está a saber-me tão bem.

26/04/2020

Um dia por fim até ao post do Corona - 42

E como andou a tirar férias sei lá onde, de papo para o ar e isso, agora a Catarina tem de compensar a gente, não é?

(a fotografia até me fez doer os olhos quando os pobres bateram nela...)

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Estou desconfiada de que os meus gatos estão fartos de companhia 24/24 e que andam a planear uma fuga de casa, começando pelo apuramento das respetivas competências de caçadores. O Félix, mais gordinho, e, por isso, mais necessitado de proteína, tem-se dedicado a pequenos roedores. Já a Faísca, uma senhora, mais elegante e requintada, veio com esta iguaria para casa (para dentro de casa...).

Se alguns se queixam de falta de emoções fortes na quarentena, já eu queixo-me dos meus gatos andarem a testar a resistência do meu pobre coração. Ainda assim, consegui fotografar esta vítima (que era bem bonita, by the way), nesta altura, já mais para lá do que para cá.

Um dia que tenha uma objetiva de longo alcance (tipo 1km) talvez comece a pensar em fotografar também as presas do Félix, desde que me consiga barricar num bunker à prova de rato. Para já, fico-me pelas da Faísca.


Catarina Rodrigues

25/04/2020

Um dia por post até ao Corona do fim - 41

Faz hoje um ano que acabaram as obras cá em casa. Foi num feriado porque eu ansiava demasiado por esse fim, não podia esperar nem mais um dia e, quem veio acabar o trabalho, acedeu a prescindir do seu descanso. Uns dias depois, mudei o canhão da fechadura e o respetivo conjunto de chaves. Mesmo assim, o meu apartamento foi assaltado, gentil e cuidadosamente, mais uma vez. Ainda não sei quem foi, mas é das poucas coisas que exijo da vida como se tivesse esse direito: astros, enviem-me o sinal claro, inequívoco, apontando com exatidão cirúrgica para quem levou todos aqueles objetos. Supérfluos, cada um deles, é certo. Mas só depois de saber quem foi, conseguirei desatar o nó e começar a tentar aumentar o coração para falar com ele, ou ela, e perdoar. Sem o saber, quem foi e porquê, também quero saber porquê, não serei capaz. E sabendo, sabe Deus. Se Ele existir.

24/04/2020

Um post por fim até ao Corona do dia - 40

Depois de um retiro, aparentemente para férias, (ahan, é o que faz a boa vida), a minha irmã está de volta!

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Professores em quarentena

Assim como todos os meus colegas professores, com o fecho das escolas, não vou trabalhar e estou, naturalmente, de férias.
Foi assim o meu dia:
Não precisei de pôr o despertador porque não tenho horário a cumprir. Acordei depois de quase 10 horas de um sono profundo e relaxado. Para o pequeno almoço, fiz umas panquecas sem farinha nem açúcar para manter o corpo são e um sumo natural com laranjas acabadas de espremer ao que se seguiu uma hora de yoga para começar o dia em beleza.
Como não tenho nada para fazer, tenho aproveitado para aprender umas receitas diferentes e fui preparar o almoço: uma carne marinada em vinha d'alhos que deixei cozinhar em lume brando durante duas horas para apurar o tempero, e, para acompanhar, um puré de batata doce esmagada à mão e aromatizado com um apontamento de alecrim fresco, acabado de colher.
Deliciei-me com o repasto na companhia dos meus filhos e aproveitámos para pôr a conversa em dia. Tomei o café na varanda, ao sol, desta feita na companhia do quarto livro que estou a ler desde o início da quarentena. A leitura acabou numa pequena sesta que me encheu de energia para uma série de abdominais, agachamentos e uns minutos de prancha, pois há que manter a forma!
A certa altura, ouvi um barulho... 
Ohhh, era o despertador! Afinal, tudo não passou de um sonho! 
Eram 8h. Estava na hora de acordar, banho, vestir, pôr comida aos gatos e ligar o computador que demorou uma eternidade a iniciar, graças ao excesso de trabalho a que o tenho obrigado (desconfio que, não tarda, entra em greve). Abri os documentos e separadores que preparei para a aula síncrona, iniciei o zoom e comecei o meu dia de trabalho. Não tive tempo de tomar o pequeno almoço antes e, quando a primeira aula acabou, tive 10 minutos para engolir um iogurte e umas bolachas. Reproduzi a primeira aula uma segunda vez para um grupo diferente e as aulas da manhã estavam despachadas. Assustei-me ao abrir o e-mail com a quantidade de mensagens por ler... Afinal não ia lá desde as 22h do dia anterior, e já eram 11h30. Ainda assim, havia outras coisas para preparar que tinham prioridade, dando oportunidade a algum açambarcamento de mensagens não lidas na minha caixa de entrada. 
12h30: hora de ir fazer o almoço. Consegui cortar-me a picar uma cebola para o refogado, o que deu imenso jeito, uma vez que me imobilizou o polegar esquerdo. E, se, com duas mãos, já não sou propriamente uma fada do lar, com uma a minha parca habilidade para a cozinha ficou ainda mais reduzida. Mas pronto, apesar do polegar ter latejado valentemente enquanto encarnava o papel de chef maneta, o almoço fez-se e comeu-se... à pressa. O café já foi tomado em frente ao computador, na companhia dos alunos da primeira aula da tarde, um golinho de cada vez, quando havia uns segundos de espera sempre que tinham uma tarefa em mãos. Os últimos goles esperaram tanto pela sua vez que já se encontravam a uma temperatura bastante semelhante à do iogurte do pequeno almoço.
Duas aulas à tarde... Feito! Estava na altura de estalar as costas, esticar as pernas por cinco minutos e atirar-me com unhas e dentes aos e-mails que tinha para ler... e para registar... e para responder.
E foi assim o meu dia. Agora está na hora de ir fazer o jantar com a minha mão esquerda a meio gás e a direita (que, para a cozinha, funciona como se fosse esquerda) a todo o vapor (dentro do que é possível). Fogão, o meu segundo melhor amigo dos dias de hoje (o primeiro é o computador). 
Acho que vou aproveitar a hora do jantar para perguntar aos meus filhos se dormiram bem. Ao almoço não deu tempo.

Catarina Rodrigues

22/04/2020

Um dia por Corona até ao fim do post - 38

Ter um gato é muito diferente de não ter um gato. No meu caso, gata. De manhã, quando me levanto, emito sinais sonoros, por muito suaves que sejam, suficientes para que em três, dois, um, esteja ela à minha porta a fazer brau brau. Quando abro uma frincha, a gata verte-se para dentro do quarto e fica a rondar-me os pés dificultando-me o andar. Ao mesmo tempo que continua o brau brau, levanta o lombo em arco para receber as festas matinais, e recebe-as, claro que as recebe. Depois, fazemos o corredor juntas até à cozinha, mas a viagem demora o dobro. Levar uma gata enrolada nos pés é como aquilo de atravessar um campo de Higgs – atrasa o progresso, a situação requerendo uma destreza da minha parte. Chegando finalmente à cozinha é hora do banquete. Enquanto abro a embalagem de carne de vaca que deixei a descongelar, por exemplo - este exemplo é bom por ser o seu preferido - a bicha ronda-me agora as mãos. A tarefa executo-a com uma cabeça de gato a tapar-me o campo de visão, já me habituei. Impossível não me rir, essa é que é a verdade, e isto logo pela manhã. A cozinha também está cheinha de sol a combinar (já agora). Ter um gato é muito diferente de não ter um gato.

Hoje à tarde saí para ir pôr o lixo na rua. Ela ficou à porta a ver-me fechá-la com a cabeça inclinada e aquele olhar verde. Quando regressei, a minha filha contou que ela correu à janela e ficou a olhar para a rua dizendo brau brau. Não é bem miau. É brau brau. Uma variação muito linda, não sei como cheguei até aqui sem desconfiar o quão encantador é ter um gato. Muito melhor do que não ter um gato. Tanto que me atrevo a recomendar. Vivamente.

21/04/2020

Um post por fim até ao dia do Corona - 37

Corria a tarde amena, a minha janela aberta ao chilrear dos pássaros, eu e o computador agarrados um ao outro (a intensidade desta relação ilustra-se abaixo muito bem) e chega-me um som conhecido, sobreposto à poesia sugerida acima com os pássaros, aos quais podemos juntar as flores da época e ficar todos aqui imbuídos de cabeça inclinada a imaginar a beleza de ambiente, bastante fofinhos, mas eu não o aceitei logo. O som conhecido continuou, indiferente à minha indiferença, eu e o computador nos preparos do costume, a verdade é que não nos largamos, até que à terceira ou quarta, sexta, décima, tirada, sei lá quantas, reconheci-o! Tchalp tchalp terem tchalp!
- Tchalp tchalp terem tchjalp!?.... mas mas… o papagaio?!?!?!... o quiosque das flores… querem ver… - exclamo toda admirada para o computador.
Levanto-me pois de um salto e abeiro-me da janela. Num filme de Hollywood havia de se ver esta cena em câmara lenta, acrescida de um cair da cadeira em que eu me sentava, este último, o cair, só fazendo parte do filme, a realidade foi outra.
- O quiosque das flores está aberto!! – sou a única personagem que fala.
Que lindo: a cena do tal filme que indicia o recomeço de tudo, o acabar do confinamento, o foram felizes para sempre, aqui diante de todos nós.
Ou temos ali apenas uma comerciante de flores (caríssimas) que precisa disso mesmo, de as comercializar.

(mais tarde, quando passei ao lado do quiosque no caminho para o supermercado, ouvi uma outra senhora que andava por ali a fazer qualquer coisa importante, um pouco de longe, por isso é que eu ouvi, perguntar à florista então e já vendeu alguma coisa hoje?)
(que lindo mesmo)

20/04/2020

Um post até ao fim do dia por Corona - 36

Há dias aconteceu-me uma coisa inesperada e boa, mesmo ai que boa. Andava a passear num blogue que tinha praticamente acabado de descobrir, o gato aurélio, e tropecei no título “parar para pensar”. Ora isto é para mim!, pensei (e parei). Logo depois, abri o conteúdo apresentado e agora já sem pensar praticamente nada. Tenho então a dizer que fui completamente apanhada. Primeiro vi o filmezinho de quatro minutos a abrir o apetite e depois encaminhei-me para o primeiro episódio: uma série!!! Eu, que por defeito sou alérgica a séries, por defeito e por medo da habituação (e também por outras dificuldades).
Mas este é dos melhores conteúdos que já conheci, se não mesmo o melhor. Muito obrigada, gato aurélio.

(e a banda sonora, caramba, também não era preciso tanto!)


19/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 35

Descobri recentemente, tem dias (a descoberta), que posso conjugar atividades e funcionar em canal dual (agora sim). Por exemplo, enquanto vou falando ao telefone, atividade atualmente muito aumentada, despacho vários lençóis, fronhas e toalhas, reduzindo a pilha de roupa para passar a um rotundo nada. Adoro, porque se já não me pesava muito o passar a ferro, agora é até bastante agradável. Limpar o chão também dá ao telefone, desde que com o dispositivo silencioso que a minha filha diz chamar-se mopa (e não com o aspirador, evidentemente). Eu preferia chamar-lhe sapata de limpeza, à mopa, visto ser mais esclarecedor o termo e sempre dava uso à palavra sapata que é tão sonora e determinada. Já tive uma vez oportunidade de aqui referir - mas agora repito, porque não consigo renovar assim tanto as ideias para posts diários - que adoro o aspirador ter a inscrição anunciando ser um exemplar silencioso e estes dispositivos mecânicos do género vassoura e mopa, pronto, é mopa, não informarem nada, quando esses sim são verdadeiramente silenciosos e podiam fazer uso disso no marketing deles se quisessem, mas tipo adiante, o mundo já não é de hoje que vai muito ao contrário.

18/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 34

- Ó mãe, gosto tanto quando fazes um bolo! – a minha filha apreciou a ideia.

Estas latas de design específico e a meu ver dificilmente igualável em beleza de latas (quanto mais ultrapassável), têm o hábito de se fazerem da família. Abaixo apresento a que connosco está confinada em casa nestes tempos. Nestes e noutros, pelas minhas contas o seu confinamento já vem de há uns cinco, seis anos, e restringe-se ao armário principal da cozinha, por outras palavras não tem lata para andar pela casa. É, também, dos produtos que mais tempo fica no agregado familiar devido à reduzidíssima quantidade de bolos confecionados requerendo as provisões que contém (a caixa de cem cotonetes vem em segundo lugar em termos de permanência, só que é independente dos bolos, não sei porquê). Mas ponhamos lá ordem nisto.
Como, se não se percebeu ainda, vai perceber-se já a seguir - isto para quem não estalou a língua e divergiu para outro blogue mais organizado em ideias – este post está a apanhar boleia de uma vizinha muito entendida em levedura (as boleias é capaz de pegar moda).
Finalmente, a lata retratada abaixo está nas últimas e já passou do prazo há – vi depois de o bolo já levedado sair do forno – quatro anos. De maneira que a exclamação que abriu este amontoado de palavras a que chamamos post, pode passar de validade mal o referido seja aberto, fatiado, comido. Calma, fora ele não vai, isso é que era bom: fica em casa!

(a artista apresenta um certo desgaste na zona da tampa)

17/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - (diga) 33

Dada a crise de tempo em que me tornei a meter, achando que não, não, a última quase me tirou o fôlego, não vou repetir a dose, dada portanto a crise de tempo em que teimo em meter-me como se amanhã houvesse mas pouco, o problema é esse, vou apanhar boleia de um post vizinho para fazer este, com vossa licença.

Já tenho trocado as quartas com as quintas, não falarei sobre o meu peso, sobra-me o que fazer, não vamos todos ficar bem embora muitos de nós sim, só leio até ao fim o que tem de ser ou me agrada, mas isso como sempre, não sei bem o que é um herói, tenho estantes de livros como plano bê para a reforma (mas ainda falta), tenho uma varanda, o que não tenho é unhas para tocar saxofone para a vizinhança.

Também tenho sido razoavelmente feliz por estes tempos. E sortuda, como já é normal.

(entretanto, caso eu falhe nas respostas aos eventuais e simpáticos comentários vindouros, é mesmo por valores mais altos se alevantarem)

16/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 32

São vinte e duas horas e vinte e dois minutos, a coincidência vem de um fenómeno natural. Não fosse estarmos a chegar ao fim do dia trinta e dois com o blogue sem post e não havia problema. Mas, dado o exposto, há que avançar a passos largos para uma solução. Por outras palavras, quem não tem cão caça com gato.

Ou gata. Já largamente conhecida pelo conjunto de qualidades supremas que lhe assistem, vem hoje mostrar mais uma: o gosto pelos livros. Puxou a mim, a danada. Quanto ao livro, empurrou-o.

Que tal a escolha? 

15/04/2020

31 - Mu tsop rop aid éta oa mif od Anoroc

Se fosse mesmo
correr
tudo bem
de certeza mesmo
correr
tudo bem,

ninguém diria, 
ninguém, mesmo
vai correr
tudo bem

14/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 30

Hoje cometi uma loucura. Quer dizer, duas. Tirei a máscara da gaveta e desci para a garagem. Despertei o carro do sono prolongado e ativei o navegador do dispositivo inteligente para me guiar ao local. Vou levantar um bem da categoria bens-e-serviços que adquiri ontem em linha (prefiro evitar estrangeirismos por poluírem o texto que já de si não nasceu assim tão lindo) na loja respetiva. Tirei o carro da garagem e fui, indo. Passei ao lado do parqueamento dos aviões onde estavam muitos, muitos, mas desviei o olhar. Continuei como se fosse o dispositivo inteligente que embora o sendo não desconfia dos aviões naqueles propósitos. Continuei indo. Quando cheguei ao destino, uma considerável zona comercial, procurei, sem sair do carro, a porta de que me queria servir. Mas não a encontrei na primeira ronda pelo parqueamento, este de automóveis, não muitos, poucos. Vi um homem ao fundo e, embora mascarada, parei junto dele, abri a janela e, gritando muito alto para superar a almofada em frente da boca mais os metros que se interpunham, perguntei pela minha porta querida. Ele aproximou-se um nadinha e deu indicação detalhada. Tem de ir, a pé, mesmo dentro da loja, tinha ele dito. Aquilo que antes era óbvio, fácil, imediato, agora está turvo, duvidoso, longe. Subi o tapete rolante em direção à loja querida. Havia algumas pessoas dispersas, em linha, mascaradas na sua maioria, aguardando vez. E então vejo a outra lojinha, ai jesus. Era uma lojinha de vender café e bolos, pastéis e sumos. Estava meio fechada e meio aberta. Tinha um papel afixado na parte meio fechada anunciando a parte meio aberta: café havia, desde que para levar. Sentar é que não. Fitas de plástico trancavam o espaço em volta, avisando melhor. Perguntei à única empregada, mais uma vez com voz aumentada, se podia comprar um café, só para prolongar a expectativa. Pode, pode, mas tem de ser para levar. Paguei com dinheiro. Aceitei o copo de plástico superando a parte do plástico com o café a fumegar, meu bem querido. Olhei para a minha filha que também veio mas tem estado caladinha. Ela ri-se com os olhos, divertida, e diz com a voz abafada, rápida e esforçada, tens de tirar a máscara, mãe! Foi mesmo a tempo, o meu ímpeto estava tal que por um triz não ia o café com máscara e tudo.

13/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 29

Verdadeiro título deste post: Telescola

"Os excertos de conversa abaixo apresentados ocorreram em Lisboa, no ano de 2020. Uma das conversas data de janeiro, a outra de abril. Identifique a conversa que ocorreu em abril.

Conversa A
Depois de um dia de trabalhos caseiros, Susana telefona à sua mãe.
- Olá, mãe, como estás?
- Tudo em ordem, filha. E tu, que fizeste hoje?
- Andei a fazer limpezas... e, sabes, quando fui à janela sacudir o pano do pó vi um avião cruzar o céu!

Conversa B
Depois de um dia de trabalhos caseiros, Susana telefona à sua mãe.
- Olá, mãe, como estás?
- Tudo em ordem, filha. E tu, que fizeste hoje?
- Andei a fazer limpezas... vê lá tu, que não saí de casa todo o dia!"

12/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 28

E porque hoje - embora não pareça muito - é Páscoa, temos de novo a Catarina!
(ouve lá, ó irmã, aquilo ali em baixo é um tigre ou a pantera cor-de-laranja?)
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Este é o Félix. Aqui em versão mauzão para ilustrar o meu desabafo de forma mais fiel.
Tenho dito várias vezes que o Félix, apesar de ser gato, pensa que é cão. Ora, nada como a quarentena para conhecermos a fundo os nossos companheiros de isolamento, não é verdade? Pois, parece que me enganei e que o rapaz até tem a sua personalidade muito bem definida.
Para quem não sabe, eu vivo no campo e os meus gatos, o Félix e a Faísca (essa sim, uma felina assumida em toda a sua definição) têm acesso ao monte que fica atrás do condomínio onde vivemos. Ora... campo... monte... o que se segue? bicharada... entre a qual... ratos! Exatamente! Essas criaturas adoráveis que não me deixam nada nervosa nem com vontade de me lançar em gritos histéricos ao primeiro colo que me aparecer à frente.
Pois então, o Félix, certamente cansado de me ouvir chamar-lhe gato-cão, há coisa de duas semanas, mostrou-me a sua costela de caçador nato trazendo um rato para o nosso quintal. E não é que o bicho estava vivinho da Silva? E não é que o bicho era enorme, praticamente do tamanho dos meus dois gatos juntos? Ok, essa parte é exagero, ele tinha apenas uns 3 centímetros de comprimento, mas foi do tamanho de um rotweiller adulto e com uma obesidade considerável que o meu sistema nervoso o viu. É... tão querido, o Félix, a mostrar-me o quão gato ele é. Foi uma demonstração e tanto!
Adiante... Nesse dia, o meu querido filho encheu-se de uma coragem do tamanho do meu pânico só de pensar que o bicho podia ter a triste ideia de entrar para dentro de casa e conseguiu transferir a fera para uma pá, para o devolver, em voo artístico, ao monte de onde foi recolhido pelo Félix, não se fosse dar o caso da mãe ter um faniquito momentâneo e ficar ali estendida. Ganhou o título de "Homem da casa", o pequeno, nesse dia. Merecido!
Mas a história não acaba aqui...
Não satisfeito com a manifestação de felinez aguda demonstrada por A+B (ou por RA+TO), ontem, o meu querido Félix achou por bem repetir a graça com outro rato (ou o mesmo, não sei, que não cheguei a travar conhecimento com a criatura). Ora, eu já pronta para confirmar o título atribuído ao meu filho, a verdade é que não o encontrámos e que o Félix passou o resto do dia meio engasgado, com uma tosse que não lhe conhecíamos antes e que, numa dessas tosses, algo comprido e semelhante a uma cauda lhe saltou da boca. Exato... Blheck, não é? Também achei.
Assim sendo, não fosse o Félix ter ganho gosto pela rataria da zona, hoje não o deixámos sair de casa, não lhe dando, desta forma, oportunidade de partir em caça de mais um daqueles seres adoráveis e com genica para dar e vender. Diz o povo que "Quem não tem cão, caça com gato", não é? O Félix decidiu adaptar o ditado à realidade dele para "Quem não tem rato para caçar, caça lombos de pescada da Pescanova que a dona pôs a descongelar para o jantar". Evaporaram-se três dos seis... Felizmente, sobrou lasanha do almoço.
Posto isto, só tenho uma coisa a dizer:
Félix, meu gatinho lindo, já percebi que és um gato mauzão e super valentão que come ratos e caça tudo o que lhe aparece à frente, mesmo que não esteja confecionado. Agora podemos voltar à versão gato fofinho que se deita de barriga para cima a pedir festas? Obrigada!
(Todos juntos a fazer figas, por favor!)

  
Catarina Rodrigues

11/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 27

Em geral, aborreço-me com livros ricos em nomes de lugares, especialmente nas partes dos nomes de lugares. Deve ser por isso que não me atrai uma literatura de viagem. Para além desta linha de base, o que me leva à leitura pode ser uma coisa, aquilo que me mantém nela, possivelmente outra.
Nada sugeria a possibilidade de aborrecimento em Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf, e, por tê-lo trazido da Feira do ano passado, fresquinho, decidi abri-lo e entrar pela porta da frente, sem derrapar, tranquila e confiante.
Logo de início faltou-me vibração, um saborzinho que fosse. Ou então profundidade, qualquer destes dava. Mas respirando fundo segui em frente. Alcancei o meio caminho com notória dificuldade, o percurso feito aos arrancos. Londres, a luz, os ruídos, as flores, uma festa em mente, outra vez as flores e depois os interiores. Uma personagem por dentro, a seguir duas e depois três. Várias personagens por dentro. Dispersei: toda aquela diluição. Fez-me lembrar o patético que era, na infância, misturar todas as plasticinas coloridas, cada uma linda, própria, vibrante e promissora, querendo obter algo superior, o máximo das partes num expoente ainda mais lindo e apurado, e terminar com uma massa nojenta de um castanho tremendo. (pensei, até, em ir fazer um bolo)
Decidi, então, abandonar o livro. Não posso mais com esta narrativa sabendo-me a mastigado igual.

Provavelmente devo um pedido de desculpas ao resto do mundo. É a terceira ou quarta obra-prima das grandes que não me traz nada, me entedia e depois deixo a meio.

(vou mesmo fazer um bolo)

10/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 26

Até eu, que sou capaz de ouvir, ouvir, ouvir como não conheço ninguém (uma constatação), estou a ficar enjoada com isto de, uma pessoa após outra, após outra, após outra, virem à televisão dizer o mesmíssimo. Já toda a gente sabe. Para além disso, os anúncios televisivos – aos quais sim, sim, eu já conhecia o poder medonho de cansarem muito - esses, os que foram feitos bem novinhos para dar resposta à nova situação, passam vezes sem conta: sobem o potencial para ainda mais insuportáveis. Diria mesmo capazes, caso a oportunidade tivesse lugar, de me levar à loucura.

É, portanto, maravilhoso constatar que tantos anos, décadas, sem praticamente ver televisão me suprimiram nada, zero. Maravilhoso.


















Dom-fafes. Da esquerda para a direita: fêmea, macho. (por falar em maravilhoso)

09/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 29-4

Para o caso de os meus queridos leitores (quem diz leitores diz leitoras) não terem tido ainda a oportunidade de fazer a experiência, eu conto. Cantei os parabéns a você em português, aquela canção que todos os portugueses com mais de quatro anos de idade conhecem, quatro? três!, e verifiquei que a minha versão, já com muitas-vezes-três anos de experiência, levou 29 (vinte e nove) segundos. Dando-se o caso de eu ter avançado para bis, que não avancei, sem acelerar nem abrandar no bisar (preferencialmente também sem rimar) podemos estimar com um baixo grau de incerteza que duas vezes os parabéns a você vai situar-se nos cerca de 58 (cinquenta e oito) segundos. E isto sem a parte das palmas.
Portanto andam por aí umas falsas notícias (mais conhecidas por fake news) sobre os vinte segundos da lavagem das mãos para tirar o eventual coronavírus delas, sim?

Convidam-se os mais afoitos a fazer a cantoria e vir aqui comunicar o seu tempo. Sem batota, evidentemente. Ou a enviar vídeo ou áudio e eu postarei com alegria. Cantar é que não canto em público, aviso já. (fazer um desenho com papagaios já foi ir longe demais mas enfim).

08/04/2020

Um post por dia até ao fim do Corona - 24

Ora cá temos de novo a Catarina!

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Tenho, desde que me conheço, uma enorme paixão pela Lua. Quando era miúda, achava que era especial e uma privilegiada porque Ela andava sempre atrás de mim. Quando viajava de carro, à noite, com os meus pais e irmãs, lá estava Ela. Acompanhava-me para onde quer que fosse como se estivesse a proteger-me da noite, linda e brilhante, para eu poder olhá-la e admirar a sua beleza. E na Lua Nova sentia saudades, mas sabia que em poucos dias Ela voltava. Nunca me desiludiu!
Agora sei que Ela brilha para todos e acho bem. Uma beleza assim deve ser acessível aos olhos do mundo inteiro. Mas continuo a sentir-me privilegiada por poder admirá-la da minha janela dando-me a oportunidade de conseguir fotografias como esta. 


Catarina Rodrigues