a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

29/01/2015

Más umas para as outras

Estou a chegar ao trabalho mas para isso é preciso que aquele carro que ali está a bloquear a entrada avance. Então hei-de galgar o passeio e cruzar a cancela, bom dia, acho que nunca tinha escrito galgar. 

Mas como não, fico numa diagonal perigosa no meio da avenida na qual os condutores não têm o costume de circular a menos de cinquenta quilómetros à hora, como deviam, mas sim a menos de trezentos o que na verdade já não é mau, no entanto isto inclui camiões carregados com automóveis novos e tudo, portanto não queremos.

E eis que a condutora, que se encontra fora do veículo bloqueador e tem um papel na mão, gestos apressados, dirige-se a mim. Abro a janela, bom dia, a Riscaulado não é aqui, pois não? não, aqui é a Riscaumeio, digo eu, mas a Riscaulado é do grupo, não é, sabe onde fica? pergunta-me tudo seguido e eu a ver pelo retrovisor as aproximações vertiginosas dos automobilistas por trás de mim, sei onde fica, mas a senhora tem de me deixar entrar antes que eu seja colhida aqui e morra ou quase, está bem?

- Ai desculpe – correu para o carro e avançou dando-me o chão de que eu estava precisada.

Fui estacionar no meu lugar e regressei para junto dela, para as explicações. Está a ver aquela avenida toda muito comprida, aliás enorme, vê-se bem, que termina quase dentro do rio? Não. E aquela estátua extraordinária que parece abraçar os pássaros, não está a ver? Não. E se for uma bomba de gasolina com um supermercado dos muito feios logo a seguir, uma oferta que satisfaz o veículo e a família, bastante conveniente, isso vê? Não.

Suspirei. O caminho não é fácil e leva pelo menos quinze minutos. Isto a somar ao desconhecimento dos pontos de referência por parte da minha interlocutora ex-bloqueadora, não dá conta certa, ou seja, estamos a ver que sobra para mim.

- Está atrasada? – se ela me disser que ainda tem cinco horas para chegar à Riscaulado, eu fazia-lhe um croqui muito bem feitinho e croqui já tenho a certeza de não ter escrito.

Ao perguntar-lhe isto, vejo que ela tem as mãos a tremer, o papel que segura diz que sim diz que sim, que ela está nervosa, vai auditar a empresa do grupo onde trabalho, é uma auditoria, explica-me, deixa cá ver se sou má para ela ou se sou boa, penso, dizem que as mulheres são más umas para as outras e nem sou eu a dizer isto, eu digo outras coisas está-me a parecer que muito mais bonitas, hoje sou boa, que eu não gosto de ver esta senhora de mãos a tremer.

- Eu levo-a lá, venha atrás de mim.

Voltei a tirar o carro, ela seguiu-me o caminho todo, cumprimos as duas os limites de velocidade que isso tenham lá paciência mas é assim que se faz e ela chegou quase a horas à Riscaulado

Agradeceu-me e perguntou-me o nome.

Depois regressei conduzindo pela manhã solarenga tentando chegar ao meu dia de trabalho pela segunda vez e desta é que foi. 

E foi longo, o dia. 

Quando chegou ao fim, já toda a gente tinha saído. Com a mala ao ombro, na mão o casaco e as chaves do carro, apago a luz da minha sala, as outras todas já estão. Assim que entro no corredor iluminado pelo rectângulo verde por cima da porta indicando a saída, oiço-o. O alarme já estava ao serviço e fez troar a sirene de que dispõe. Alguém, portanto, se voltou a esquecer de mim cá dentro e é isto em todo o edifício, agora tenho de correr antes que venham aí aflições, ligam da central, pedem-me uma senha para provar que não sou gatuna, não sou mas senha não a tenho, tenho código, até vou já ali desligar esta barulheira nos botões, essa senha que me pede é que nunca me disseram qual é, se o senhor pudesse dar-me uma dica, não dava?, é que eu também nunca me lembrei de a pedir, percebe, fecharam-me cá dentro sem querer. Consegui convencê-lo, desliguei o telefone e digitei o código no pequeno teclado junto à porta. Silêncio. Saí para a rua mergulhada na noite fresca e lembrei-me do episódio desta manhã, as mulheres são más umas para as outras, dizem as pessoas.  

Ora eu digo que sei muito bem quem se esqueceu de mim outra vez dentro do edifício. Não é mulher.

26/01/2015

Por ti

Não tivesses tu entrado na minha vida e não sei que raio de espessura havia de dar aos meus pensamentos que antes andavam órfãos, provavelmente já sabes.

Se olho para as pessoas nos aeroportos, sentadas com os pés em cima das malas, todas sujas, acho-as felizes, de certeza que são felizes. Eu nunca pus os pés em cima da mala, mas se me perguntares porquê, sei lá porquê. Olham para mapas, as pessoas, apontam, mexem nos telemóveis, coisas, estão entretidas. Nenhuma me vê e eu vejo todas, sou sempre eu a ver as pessoas, fico a tomar conta delas com os olhos e resulta, fazem-me gostar delas. Vejo que partilham palavras que não oiço daqui, não atravessam este vazio que me envolve como uma manta tão grossa que podiam ser duas ou três, a natureza faz destas e aqui no fundo só estou eu. Eu e tu.

A verdade é que gosto imenso disto, deixo-me mergulhar na espessura asséptica que estes lugares sem alma oferecem e é por isso que são bons, abrem espaço para o silêncio se instalar, sim, mesmo com ruído ambiente disperso, olha a situação.

Portanto, encaixada no aeroporto, encho este vazio sagrado com os livros, leitura almofadada pela presença das pessoas felizes, elas não se importam, eu encosto-me, difícil entender quem não gosta de estar só, nunca se está só quando se tem livros, e eu é isto, sempre foi, vou dizer, amo todos os autores que leio, é um amor de um sentido só, mas é.

Como nós. Nesta união invisível, talvez até tenhamos as mãos dadas ou os corações a bater em sincronia num universo paralelo. E ao lado deste amor de sentido único por quem leio, por quem escreveu para mim, segue outro amor que é este. Este que tenho por ti.

24/01/2015

Estalactites pendulares ou os carapaus de pé

Passam dez minutos das dezasseis horas de uma sexta feira de dois mil e quinze, e é ao som de La Traviata que isto acontece. Isto e espreguiçar-me sem ninguém ver, o trabalho da semana está a chegar ao fim e o meu cérebro adianta-se, deixa-se invadir por três pensamentos, qual deles aqui desfiar é que vamos ver.

Por um lado, um dos posts mais visitados neste blogue sossegado tem um link para aqui e creio que é esta a razão.

Por outro, esta ópera continua a dar-me, em certos momentos, uma vontade persistente de patinar no gelo, caso para não me deixar encarquilhar muito sem tratar do assunto, mas isto, claro, é apenas quando puder ser e quando tanto o trabalho como o aquecimento global o permitirem.

Vamos lá então a este. Naquele fim de dia saio do chuveiro nada encarquilhada, ainda me encontro a meio da casa dos vinte, são dezoito e quarenta e a loja fecha às dezanove, que eu vi, portanto pernas para que vos quero. É o último dia na estância de esqui e eu vou comprar as calças da marca que me apraz comprar nem que chovam picaretas, por acaso até esteve um belo dia de sol instalado nos quinze graus negativos providenciados pelos Alpes franceses que me vêem correr agora mesmo rua fora, a loja que quero é a última.

As meias grossas, muito próprias, que lavei ontem e que ficaram a secar junto ao aquecedor do apartamento alugado estão que nem dois carapaus ressequidos, acho que as conseguirei pôr em pé quando voltar com as calças na mão, quer dizer no saco, e isto faz-me rir enquanto corro de cabelo molhado pela rua de lojas, mas não por muito tempo. De repente, ainda nem a meio da rua vou, sinto algo duro bater-me na cabeça insistentemente, será chuva será gente, chuva não é certamente e gente não anda aqui (variação), é especialmente na nuca que a desconhecida dureza me bate com a cadência dos meus passos corridos.

Esqueço-me por um instante dos carapaus secos, de me rir, da alegria de comprar umas calças El Charro, estaco no frio e levo a mão à cabeça. Tenho, como seria de esperar já que a natureza não anda distraída a pensar em compras, o cabelo congelado a formar estalactites pendulares na corrida. Maravilhada com isto, que ter o cabelo congelado torna-se assunto muito interessante, entro na loja ainda com a mão na cabeça, belos pêndulos estes mas um calor aqui dentro, de modo que se acaba logo a brincadeira.


De volta à sexta feira de dois mil e quinze onde íamos, sou capaz de referir que me espreguiço mais uma vez, La Traviata não se incomoda nada, lá lá lá, esta tarde segue tão lenta, passaram apenas três minutos mas eu já não tenho as calças El Charro há muitos anos, nem o meu cabelo tornou a congelar nem eu me lembro se consegui pôr os carapaus de pé.

22/01/2015

Design alongado

De manhã deixei-a à porta da escola mas antes de nos separarmos, combinámos almoçar juntas.

À hora marcada, ou melhor, uns minutos depois, aproximei-me apressada. À minha espera aquele sorriso que tem luz.

- Desculpa, filha, atrasei-me um bocado.

Entrámos no restaurante chinês que tem mesas com toalhas brancas de algodão misturado com fibras que impedem o enrugar do tecido e guardanapos amarelo torrado com dragões contrastados em brilho do mesmo tom, metidos em forma de túlipa descaída dentro dos copos de pé.

A empregada aproxima-se e plegunta se quelemos clepe. Ao mesmo tempo estende a cada uma de nós uma toalha quente e húmida que apanha com uma pinça de plástico do prato dourado rectangular que traz na outra mão, tanto vapor a libertar-se das toalhas.

- Está quente, é pala limpal as mãos.

Limpamos as mãos e voltamos a sujá-las ao pegar nos cardápios almofadados, penso que esponjosos e dourados tenho a certeza, os cardápios dos restaurantes são objectos muito sujos, e eu nem me quero agora lembrar deles.

Encomendámos e pouco depois chegam as bebidas. A empregada que não deita vapor, até anda bastante devagar para empregada de restaurante, deita sim um golinho de coca-cola no meu copo de pé e já desprovido do guardanapo; pousa a lata. Eu percebo a deixa e tomo o golo que ela deitou, sua marota, mas quando vou a dizer que sim, que pode servir o néctar industrial feito das mais borbulhantes moles de moléculas de gás envolto na conhecida pomada castanha, já a empregada, mesmo sendo lenta, se vai a afastar, portanto afinal não percebi. Servi-me eu da lata, olha a lata dela.

Toca de repente o meu telefone e eu devo ter-me esquecido de ser eu porque atendi, mesmo estando ali com a minha cachopa em momento dourado e não me refiro aos enfeites do restaurante. Era a professora da outra filha e vinha com queixas. Faltou um trabalho de casa de matemática.

- Como, faltou?

- Faltou, mãe. E as perguntas na aula de geografia foram impertinentes.

- Impertinentes?! Que perguntas?

Neste momento em que o meu almoço ameaça resvalar para o imperfeito, vislumbro um objecto também castanho, mas sólido, design alongado, com movimento próprio, antenas e muitas pernas velozes que por serem velozes não as pude contar. Desloca-se esta coisa animada despreocupadamente sobre a toalha de algodão com mistura, nunca confiei em algodões com mistura. Continuo ao telefone, impertinentes, matemática, atrasada, atrasada?!, nem parece irmã da mais velha, mas o quê, pode repetir professora?

Faço sinais à minha filha que continua a comer, do ângulo dela não vê o número de circo. Com a mão livre aponto para aquilo, aponto aponto, e por fim, espantada, descobre ela também que à mesa afinal estamos três, isto se não contarmos com a professora ao telefone. Mas matemática? Ela fez o trabalho, professora, eu vi. Como? Que perguntas?

O meu copo de pé ainda tem um golo de coca-cola dentro, e eu então meto-o goela abaixo, viro o copo ao contrário, que é o mesmo que de pé para o ar, e pouso-o aprisionando a barata no centro do círculo de vidro, acabou-se a brincadeira, sim, professora, eu vou ter uma conversa com ela, obrigada pelo cuidado.

Desliguei.

E agora em vez de ver a minha filha aos gritos dizer, uma barata, uma barata, como eu pensava que lhe tinha ensinado, sai isto, mãe espera aí não mexas, deixa-me enviar uma snapchat (acho que é assim, snapchat), os meus amigos não vão acreditar!


Ajeitei o cabelo, não vá dar-se o caso desta snapchat incluir-me em fundo. A ver se não se nota que logo há mais uma conversa para ter em casa.


(epílogo: as queixas revelaram-se infundadas, o trabalho foi feito e as perguntas versaram sobre matéria de páginas ainda não dadas na aula; felizmente ajeitei o cabelo)

19/01/2015

O tónus muscular dos meus braços

A rotina é coisa estruturante na vida de uma pessoa e tudo. Mesmo quando uma pessoa almoça vai para um século no mesmo refeitório a cheirar, já o temos dito, a gordura vintage de banha de porcos mortos há um tempão misturada com lixívia, e com as mesmas gentes que, tal como uma pessoa, mudam pouco. Na verdade, sabemos todos praticamente tudo sobre os gostos culinários, alergias, forma de dobrar a roupa, horas a que se passa a ferro, supermercado onde se compra o pão, doenças familiares e clubes desportivos de toda a gente, não, esperar aí um pedaço, que não se tornam as conversas nada monótonas como já vamos ver.

Há quem saiba largo sobre o que se faz às vacas em tendo vacas. Eu nasci nesta Lisboa que cheira a fado (de onde tirei eu isto?) e nada de possuir vacas ou cabras, tampouco uma galinhita ou assim. Nem eu nem os meus progenitores nem os progenitores deles, etc, absolutamente (ando a copiar o etc do Herberto Hélder, gosto muito do etc dele, etc).

Portanto inquiri sobre as vacas. Então vamos lá saber quantos litros de leite dá um bicho desse porte por dia? Vinte? Toma, vai buscar. Embrulhei, e a seguinte pergunta foi o peso, p’raí uma tonelada, não? Aquilo cheio de leite… caramba.

- Eh! - diz-me o Zé - nada disso, depois de ordenhar é uns trezentos quilos. O depois de ordenhar é para me gozar, mas eu gosto de continuar isto.

Trezentos quilos acho pouquíssimo, uma vaca não se torna nada pequena depois de crescer, mas fingi que sim.

- É uma vida dura – continua o Zé, certamente viu-me os olhos brilhar imaginando-me a adquirir casa no campo e vida santa em vez deste stress de nos consumir as vísceras que nem as vemos.

- Dura, como, Zé? Há por acaso reuniões de cinco horas em salas com ar condicionado sem janelas com os animais? Não há!  - o meu entusiasmo não se abala assim do pé para a mão, mas o Zé é formado em ser uma grande melga e continua.

- Olha, é levantares-te às cinco da manhã se tiveres só uma vaca e morares relativamente perto da (ai que me foge o nome) leiteira (contentor comunitário que recolhe o leite das bovinas moradoras na zona), para dar tempo de entregar o leite fresco que aquilo fecha cedo, às sete se não me engano.

- E se tiver duas? – penso nas economias de escala, naturalmente.

- Duas leva mais tempo a ordenhar, aí levantas-te às quatro e meia. Mas podes arranjar uma máquina para tirar o leite – continua o sabido – sempre cansa menos.

- Uma máquina parece excelente ideia. E quantas vacas cabem numa máquina?

- Uma. Uma máquina tira leite a uma vaca.

- Então não estou a ver a vantagem, para isso faço eu o serviço.

Há-de ser exercício todo aproveitadinho para o tónus muscular dos meus braços que não vão para novos, em vez de ficar a olhar que ainda adormeço.

E a olhar pus-me eu sem querer para o relógio. Catorze e vinte e cinco, horas de ir andando para a reunião.

(se não tenho olhado ao relógio, tinha-me distraído com a conversa por causa da miúda que mora aqui por cima e anda sempre aos saltos com o cão, havia de ser boa para me ajudar com as vacas, estou agora a pensar, ela e o cão)

18/01/2015

Larysa

- E tu és donde? Espanha?

- Ao lado, Portugal – respondi.

Larysa é ucraniana, tem o cabelo muito louro e quanto a mim não mais de trinta e dois anos. Na festa de aniversário da amiga holandesa comum, somos as únicas estrangeiras, sentou-se ao meu lado.

- Vives cá há muito tempo? – perguntou-me.

- Eu não vivo cá mas venho muitas vezes. E tu?

- Há dez anos. E agora já não saio daqui, tenho o meu trabalho, os meus filhos e o meu neto, olha – e sem reparar que eu quase me engasguei com o que estava a beber e lhe apontei os olhos muito abertos, neto???, saca de um bolso qualquer, num gesto rápido, um telemóvel. Desliza os dedos no ecrã e apresenta-me o bebé Alexander. Tem um mês e meio, não é lindo?

Mas eu ainda estou espantada à procura de uma ruguita no rosto dela, qualquer coisa que me informe sobre a sua idade que pelos vistos avaliei mal, não encontro.

- Avó?! Mas que idade tens tu?

- Lindo, o meu Alexander, não achas? – continua a ignorar a minha pergunta e olha enternecida para o bebé que na foto é içado nos braços de um homem novo de cabelo preto, e este é o meu filho, esclarece.

Não sei se alguma vez alguém disse a alguém que o seu neto ou neta não, não é nada lindo, vais desculpar mas é feio como a noite dos trovões, é que não acredito. E não fui eu a primeira, até porque acho mesmo, verdadeiramente, os bebés normalmente lindos. Principalmente se tiverem cabelo, como aquele Alexanderzinho içado como um leitão.

- É lindo, sim. Mas que idade tens, Larysa? Diz lá… - eu queria saber, na minha base de dados mental das características antropológicas, ninguém com aquele aspecto podia facilmente ser avó sem ter tomado um atalho qualquer, quem sabe avanços da medicina que me escapam, tanta coisa me escapa.

Mas Larysa não me responde, talvez para os ucranianos seja ofensivo perguntar a idade, pensei. No entanto, ela engraçou comigo, contou-me a história dos seus dois ex-maridos, mostrou-me quão comprido já está o nome dela, nós não podemos tirar os nomes dos maridos e somos obrigadas a pô-los, se me casar terceira vez fico com um nome mesmo grande. E ri-se, está divertida. Ainda tem o telemóvel na mão.

- Dá-me o teu facebook, assim podemos comunicar – pede-me.

- Facebook?... Eu não tenho facebook.

E pela primeira vez senti-me praticamente ostracizada por não ter facebook. Foi a vez dela de me olhar incrédula, de frente, muito séria, um ligeiro quê de piedade, o telemóvel suspenso na mão.

- Porquê?... Não tens internet?...

- Tenho internet, sim, dou-te o meu endereço de email, mas tu vais dizer-me a tua idade… avó???

- Quarenta e três – eu não descodifiquei imediatamente, os números em neerlandês saem ao contrário, é três e quarenta o que ela diz.

- Iiiiii… não pareces…

- Ponho um creme. Chega bem. E o meu cabelo não é loiro, é escuro como o teu, eu é que o pinto, o ano passado estava ruiva, olha – largou a informação remanescente, esta não inquirida por mim, visivelmente divertida, exibe de novo o telemóvel com uma Larysa ruiva e eu percebi que já deve ter testemunhado reacções como a minha diversas vezes.

Depois, inclinada sobre mim, falando mais baixo como que em confidência, diz-me, olha, até a minha mãe, lá na Ucrânia, tem facebook.

- E a tua avó? Também tem? – eu também sei brincar e antes que ela julgue que aqui no Portugal toda a gente é saloia como eu, atirei-me ferozmente à plateia de holandeses e lancei a pergunta: quem aqui não tem facebook?

A maioria. Safei-me, Larysa.

À tua cabeceira

- Ó mãe, quando tu morreres temos de comprar outra. Quanto custa? Mil e um contos?

Ainda não tinhas três anos, lembro-me bem. Estavas já na cama, dentro do teu pijama de flanela azul que fazia sobressair os teus caracóis escuros e, antes de eu começar a contar-te a história do coelhinho branco, fizeste a pergunta.

- Quando a mãe morrer, filha, não se pode comprar outra. Mas a mãe só vai morrer daqui a muito tempo, muito. Primeiro vou contar-te imensas histórias.

A ansiedade foi minha em apaziguar o que não precisavas de apaziguar. Não posso saber o que pensaste. Recordo que ficaste serena e ouviste a história, penso que a sabias já de cor. O coelhinho branco foi à horta buscar couves para fazer um caldo.

As histórias foram mudando, o tempo trocou os escudos pelos euros, os contos passaram a ficar só nos livros.

- Ó mãe, sinto uma coisa na garganta, aqui… E estou sempre a pensar no Bruno, mãe…

Aos dez anos apaixonaste-te. Eu, sentada na tua cama, à hora da história, também senti uma coisa na garganta; o tempo estava a passar tão depressa.

Cresceste muito, cresceste acima de mim.

Foste mergulhando no teu mundo cada vez mais fundo, embora ainda te movimentes no nosso. Encontrei o pacote do leite no armário das chávenas. E o teu guardanapo na gaveta dos talheres. Esqueceste-te de me trazer o livro que te pedi dois minutos antes, quando te liguei a dizer-te para desceres, ia levar-te ao dentista. Já não me contas muito, o que contas é escolhido de uma colecção que adivinho vasta, e pensas que eu não vejo os nós na tua garganta.

Já não te leio histórias antes de dormires, os teus livros cresceram contigo, vais sozinha pedir autógrafos pela segunda vez ao teu autor preferido.

- Mãe, não vais acreditar, o José Luís Peixoto lembrava-se de mim! Olha o que me escreveu! – abriste o livro autografado à frente dos meus olhos, tens as mãos a tremer e os nossos mundos tocam-se, voltam a confundir-se, a iludir-me, é o instante em que o meu coração abraça, apressado, o teu.

As tuas saídas com os amigos também cresceram, em frequência e em duração. Não podes saber que os nós da minha garganta, depois de muitas horas à tua espera, começam a doer.

O barco em que viajas está a afastar-se do porto de abrigo que foi a tua infância, eu sei. Estendo os braços e em aflição te reclamo de volta, mascaro coisas que não conheces, exijo outras, declaro estados de inquietação que te parecem patéticos, abro fendas desastradas e tu choras, indignas-te, esfregas a cara, quem te pôs essa raiva aí, filha? Meteu-se um muro entre nós e eu não o sei saltar. Magoei-te, tu viraste-me as costas.


Creio que já dormes, mas eu não posso ainda. Fui à estante. Peguei no livro do coelhinho branco. Está velho, filha. As folhas mantêm-se unidas por fios de linha gasta, penso que estão cansadas de tanto as ter virado, à tua cabeceira. Voltei a ler a história, agora em silêncio. Ainda a sei de cor.

16/01/2015

Ayaan Hirsi Ali

A propósito disto, republico o post que escrevi há quase dois anos debaixo do efeito que este livro



me causou. Efeito que perdura, porque me transformei.

15/03/2013


Ayaan Hirsi Ali

Nasceu na Somália e é da minha idade, mais ano menos ano.

Na infância, ouvia as histórias que a avó inventava e que lhe traziam presságios de horror.

Foi espancada por uma mãe que acreditava fazer o que era certo (ainda assim conseguiu amá-la).

Viu a irmã berrar de dor quando lhe cortaram as entranhas e viu-a, mais tarde, enlouquecer de tristeza até morrer.

Fugiu para a Europa quando o pai a obrigou a casar com um homem que ela não escolheu. Ele pagou-lhe, ao homem, um dote generoso para lhe levar a filha e com isso deu-lhe a licença vitalícia de violação e violência. Toma lá a minha filha, trata-a como te aprouver quer ela goste quer não e ainda te pago umas coroas para veres como sou poderoso.

Teve sorte. Foi acolhida na Holanda, mas mentiu ao revelar o seu nome para despistar perseguições. Mesmo assim a família encontrou-a. O intuito era lavar a honra, tirando-lhe a vida. No entanto, não a mataram. Teve mesmo sorte.

Meteu-se na universidade de Leiden e estudou ciências políticas. Foi deputada no parlamento holandês onde defendeu as mulheres como ela, e outras.

Depois, houve que fugir de novo. As ameaças de morte continuavam e chegaram a concretizar-se no realizador Theo van Gogh que com ela fez o filme "Submission". No corpo dele, preso com a faca que o matou, um bilhete dirigido a ela.

A liberdade é um bem a que nem todos têm acesso. E se por sorte ou perseverança a alcançam, podem ter de a pagar com a vida.

15/01/2015

Com o coração na boca

Nos intervalos que se abrem no fluir líquido de um dia normal, cai, por vezes, uma estrela. Mas também moscas, vamos verificar.

Estou junto à caixa multibanco que alguém gostou de enfiar num canto escuro e feio de uma garagem, não há garagens bonitas nem almoços de graça, e tenho de esperar pela minha vez, detesto levantar dinheiro, isso e abastecer o carro mas paciência. Quando vejo o terminal inteirinho à minha frente, livre, nem precisava de escrever livre, avanço com o cartão multibanco que me vive na carteira há anos e estendo-o em direcção à ranhura onde tenho de o meter. Neste intervalo em que o cartão está em trânsito, sinto uma coisa dura espetar-me o lombo do lado direito a caminho das costas, acompanhada de uma voz que diz a vida ou o dinheiro e se não foi isto foi uma coisa assim ou absolutamente assim.

No semáforo são oito horas e vinte da manhã, estão pouquíssimos graus Celsius na rua, eu parada dentro do carro, e na minha cabeça giram as tarefas em contínuo, num frenesim que não quero quebrar, não me posso esquecer, estou mesmo a chegar ao trabalho, aparecendo o verde é um instante e a antena dois toca a Moonlight Sonata que já vai na parte final, naquela parte final, a que me faz levantar do banco e dar com a cabeça nas nuvens, depois é um caso sério para aterrar, tarefas venham cá. Está um nevoeiro envolvente que àquela hora já se despede e começa a recolher devagar ao rio, não muito longe dali. E sinto-me, de repente, nesta curteza de tempo, imensamente feliz. Ter existido um Beethoven, uma estrela que encanta assim, é o mesmo que dizer que podemos ser imortais, pois podemos.

Aquela porcaria assustou-me imenso e à velocidade da luz percebi que estava a ser assaltada e à velocidade do som dei um grito descontrolado e a outra velocidade mais lenta, ainda que muito elegante, um salto para trás.

É que sorri, disso estou certa, fiquei a saborear a sequência das notas, a subir a subir, mais e mais depressa, numa aceleração de tirar o ar a uma pessoa que está prestes a entrar no trabalho, não é muito certo mas pode acontecer, que tonturas de tanta beleza, porque não oiço eu isto a toda a hora e cai o verde, caramba.

E o que temos aqui? Temos a borrega da Cremilde, que desata a rir, acha giro isto, é ela, a songa monga, colega por quem eu nunca consegui nem mesmo nos dias bons, que me despertasse no coração, e o meu coração não é mau, uma leve gota de simpatia, nada. E agora acha bem espetar-me o dedo nos ossos, quer brincar aos ladrões. Ó sua estrupícia com verrugas, assustaste-me!! mas isto eu só pensei, mordi os beiços e dirigi-me ao pobre do filho, ela leva o filho para assistir às suas démarches inteligentes consumadas nas caixas multibanco, olha cremildinho, diz à tua mãe que isto não tem graça nenhuma, ouviste? o pobre está envergonhado, não é para menos, tem mais um palmo de altura que a estronça, que está um bocado acabada, um bocado não, muito, acabada seria favor.


E agora? Podemos ser imortais ou dou um chapadão à Cremilde que lhe desorganiza as verrugas mais próximas em vez de manter toda torcida a mão dentro do bolso, o que não dá jeito nenhum? É que fiquei com o coração na boca.

13/01/2015

A Lua e outro conto (mais não, podia cansar)

- Está tristonha.

(tristonha é palavra que não me assenta, mas não estava ali mais ninguém)

- Quem? Eu?

- Não, a Lua.

Do alto da avenida cujo nome muita gente deve saber, aquela que se estende perpendicular ao rio, alinhada com as torres são gabriel e são rafael plantadas no parque das nações (se eu escrevesse isto tudo como deve ser, ficava aqui uma população de maiúsculas e que feio ficava) até ao aeroporto, vemos os dois, o taxista e eu, enquanto o semáforo descansa no vermelho, erguer-se a Lua um pouco acima do rio Tejo, como de resto é seu costume. 

Apresenta-se hoje a meio gás, um gás cor de laranja ácida muito quente disposto numa metade com diâmetro que faz inveja com certeza à jante de liga leve com imensas polegadas que se punha dantes no audi quê sete e agora não sei, mas é capaz (aquilo das maiúsculas mantém-se).

- Tristonha?! Eu acho-a tão bonita, assim, enorme e daquela cor…

- Não… parece tristonha. Mas a senhora também, já da outra vez que a levei (o taxista lembra-se de mim) achei-a um bocado tristonha.

É que não, isso eu não. Não me assenta, comecei por dizer ali em cima, mas o condutor que me leva a casa não vai ler isto e por conseguinte deixei-o nas suas deambulações, eu tenho é de me deitar a treinar a memória, que deste condutor não me recordo eu.

Hesito se termino aqui a escrita que já não é cedo e havemos de querer descansar, oito horas de sono é que é e nós aqui no Portugal é raro, mas como não escrevo há muitos dias, vai mais um bocadinho.

O comboio em que sigo pára na estação Amsterdam Bijlmer Arena e eu recordo-me que foi nesta feia estação que um dia vi a mais bela cena entre dois animais, um pássaro abraçar outro com uma asa, foi também o momento em que me arrependi deveras de não aderir que nem louca às tecnologias que me permitiriam agora evidenciar a maravilha que aquilo foi, um pousado na estrutura metálica alta por cima de mim, enfiado sobre si mesmo, meio tremeliques, feito numa bola preta. Eu esperava o comboio e olhava para cima, o pássaro parece não estar bem, e foi quando o outro veio, pousou ao lado, rodou a cabeça para o companheiro, como que a inquirir-se que terá este meu irmão, que lindo pássaro era, aliás os dois, o tremeliques e o viçoso inquiridor, há-os em grande número nas estações de comboio neerlandesas, e eu a olhar para eles e a roer-me de raiva com o meu telemóvel muito bom para telefonar e assim de repente acho que para mais nada, já lá vão uns três longos anos, isso é preciso ver. E então o viçoso chega-se mais ao mano e olha-o e observa-o, tenta descortinar-lhe uma cabeça, digo eu, qualquer coisa com forma no meio da bola de penas pretas tremeliques, e eis que levanta a asa daquele lado e cobre o irmão com ela, isto de eles serem irmãos é que não pude confirmar. O Tremeliques, que acaba de ganhar o direito à maiúscula, desenrolou a cabeça lá do corpo dele e olhou para o outro, ensonado, o que foi? E então é um ajeitar de asa, um aconchegar, um inclinar ainda mais inquiridor de cabeça, isto teria eu filmado se pudesse, mas ai que o Tremeliques não responde, retoma a sua forma redonda e o vibrar desordenado, o pássaro não está bem. 

O Viçoso, a esta hora merecedor indubitável da maiúscula que lhe serve, retirou-se pois, batendo as asas em direcção à vida que a ele ainda certamente sorri.

Afinal pensando bem, sim, tristonha eu.

07/01/2015

Toda partida

O Herberto Hélder não me põe maluca porque isso já dizia a minha avó que eu sou. Mas praticamente.

Faço planos sérios de me formatar o entendimento para encaixar nem que seja a martelo as ondulações das profundezas da poesia. Ou isso ou esticar os neurónios, dar-lhes plasticidades novas a fim de lhes conferir o número quântico de graus de liberdade que há que ter na alma para apanhar a ideia, qualquer das duas penso que dá. Os versos do Fernando Pessoa por exemplo já sim, depois de os ler cento e três vezes, entraram, felizmente. Um alívio.

Esta introdução não se fez para aborrecer ninguém, fez-se para dizer a seguir umas coisas como esta, que agora me deito com um frio que não se pode e ajeito nas mãos o grande Herberto Hélder, que é como quem diz, um livro dele novinho em folha, aberto numa página de poesia, eu com a coragem que estou. Li duas vezes o primeiro verso e fechei os olhos a tentar visualizar.

Nada.

Abro-os de novo, deixa cá ver, leio mais uma vez, um esforçozinho, a ver se dá... E é aqui que começam as cambalhotas apocalípticas – está visto que apocalípticas roubei do livro dele mas foi mais à frente, numa consulta ao médico, que eu palavras destas não trago no bolso – apocalípticos, agora fica assim, dizia eu, são os contorcionismos a que me obrigo nas arestas daqueles versos que o mestre escreve e que eu vejo que são mesmo bons versos, nunca tais combinações de motes me passariam pela cabeça nem que vivesse oitocentos anos, mas admito que nasci com curtezas neste campo, daí as cambalhotas.

Portanto, eu gostaria de fazer um pedido para dois mil e quinze que era criar-se aí nos blogues um curso de leitura e compreensão de poesia, com ênfase na parte da compreensão, por favor, para cabeças pouco plásticas como a minha, ainda que muito giras noutros aspectos, dependendo dos gostos.

Mas voltando ao momento que ficou suspenso ali atrás  – lembro que tenho o Herberto Hélder a dar comigo em doida com as páginas de poesia apocalíptica, cá está – corro então muito depressa umas folhas para a frente até me encontrar a salvo dentro de uma prosa do mesmo mestre, evidentemente, não percamos este detalhe de vista. E pronto, estou em casa, por acaso já estava, mas a metáfora meteu-se ali e deixamo-la ficar. É que na prosa percebe-se tudinho tudinho o que lá está escrito, uma escrita que dá um gosto tão grande, e eu então parto-me a rir, era assim que dizia o meu pai, hoje refiro a família toda, parto-me a rir por ali fora.

São poucos, pouquíssimos, os autores que me fazem rir; o meu sentido de humor é duro de roer, normalmente não se encontra e uma pessoa vê-se e deseja-se para rir um bocado quando lhe apetece, mas isto sim, estas prosas do mestre Herberto adoro-as tanto.

E depois, toda partida, acho que caí no sono.

03/01/2015

Crocâncias estaladiças ou os buracos das minhocas

Não é que o ano não tenha entrado bem, entrou. O sol, que beleza, os passarinhos, que maravilha, a ausência do vento que assolou o verão e manteve os biquínis novos e os velhos na gaveta, isso foi pena, mas agora a paz, o verde, a família reunida, a lareira, os livros, tudo. Bem, quase tudo. Ainda o ano é uma criança e já assisti a uma injustiça, coisa feia.

Devido a ter-me esquecido que já não gosto de ir ao cinema, fui ao cinema. O filme puxa-me a atenção para as espirais que a minha mente gosta de inventar mas que desta vez não foi preciso, é só seguir o guião, as naves espaciais, a gravidade, a relatividade, o tempo dobrado por exemplo ao meio para os buracos das minhocas nos entrarem no entendimento, os wormholes, também se podem chamar wormholes, outras galáxias ali a espreitar ao lado de Saturno, que não tira os anéis e que giro fica no grande ecrã, eu por acaso também gosto imenso de anéis, uma sopinha com jeito de me fazer sair dali cheia de ideias brilhantes para me entreter nas horas ociosas, mas assim não foi, houve a tal injustiça. 

Era uma família de gente sentada na fila de trás. Família que não foi tratada como devia. Alguém lhes meteu nas mãos quantidades industriais de pipocas crocantes e estaladiças servidas em baldes e os pobres mal davam conta daquilo, tão difícil, mastigar teve de ser com a boca aberta, que grandes são as pipocas, procurar as maiores foram obrigados a fazer no escuro, escarafunchar dentro do balde, a mão a dar a dar, onde estás tu que te apanho, anda cá filha, um chinfrim de ano novo, uma tristeza para quem quer comer pipocas crocantes e estaladiças à vontade, como se estivesse em casa e nada, pespegam-lhes com um filme e nem uma mesa, uma toalhinha, uma jarrinha com uma flor de plástico, um guardanapo, uma falta de respeito por quem tem um ratito a meio da tarde, tão injusto que depois me saem parágrafos enormes como este. 

Por conseguinte, como projecto de ano novo, eu sugeria ao estabelecimento dos cinemas arranjar-se uma salinha do tipo restaurante, uma música ambiente mas tem que ser alto o som para se ouvir acima do mastigar das crocâncias estaladiças de boca aberta, que boas devem ser, lá isso devem, em vez de enfiarem as pessoas numa sala escura e lhes espetarem com o incómodo de um filme, está bem? 

E nós, os que ali estão sem ratito a meio da tarde e com o propósito de assistir à longa metragem no silêncio que se requer para assistir às longas metragens, sempre conseguíamos ouvir as explosões sem ruído de fundo produzido em boca aberta - não sei se me repito, é dos nervos que me deu - e nas profundezas sonoras dos baldes em busca das mais gordas crocâncias, estarão, acredito, a ver a ideia.

Eu vejo-a perfeitamente; devido a ser muito boa, torna-se fácil. Embora não tanto como os buracos das minhocas. Mas ainda assim.

nota de rodapé: "crocâncias" é palavra muito recente, não se encontra ainda em todos os dicionários.