a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

23/06/2018

Se precisasse de alguma coisa

O pequeno carro vermelho tem riscos de um lado e do outro e uma amolgadela só de um lado. É o carro da família triste que vive no prédio. O condutor é invariavelmente o pai. O filho, já homem, nunca sorri. Tem a pele muito pálida, usa óculos e caminha devagar, um pouco curvado, como se um peso imenso lhe assentasse nos ombros. Quando o encontro no átrio ou no elevador, digo-lhe bom dia ou, conforme a hora, boa tarde, e ele olha-me através dos óculos, olhos muito abertos, como se me tentasse encaixar no seu mundo alheado, ao qual não pertenço, talvez ninguém pertença. A vizinha do terceiro disse-me uma vez que aquele rapaz tem um atraso. A mãe da família triste sorri constantemente. Vira a cabeça para um lado e para o outro, como se cumprimentasse o mundo em redor, mundo do qual já talvez não saiba que ainda faz parte, porém caminha desenvolta. Nunca anda sozinha e vai sempre de mão dada com o marido ou o filho, como se fosse uma menininha. Tanto ela como ele, o condutor do pequeno carro vermelho, têm o cabelo todo branco e, no caso dele, rareando. Tal como o filho, mas por razões diferentes, ele também pouco sorri. Fico sempre triste quando os vejo. Lembro-me de, há muitos anos, quando me mudei para o prédio, ter sido ela a primeira vizinha que conheci. Encontrei-a na entrada, no dia da mudança. Sorriu-me francamente e deu-me as boas-vindas. Disse-me, então, em que andar morava e que estaria lá se eu precisasse de alguma coisa, que não me esquecesse. E, antes de se afastar: se aquelas meninas pequenas eram minhas, que lindas meninas. Há dias, encontrei-os exatamente no mesmo lugar na entrada do prédio. Estavam os dois, ela sorrindo para o ar, ele segurando-lhe a mão. Perguntou ao marido quem sou, quando os cumprimentei. Respondi eu. E depois acrescentei, mesmo sabendo ser talvez inútil, um resumo do nosso encontro no dia da minha mudança, lembra-se, eram as minhas filhas pequenas. Ele avisou-me então, cordial, de que ela não se lembra de nada, que já cá não está. Mas lembro-me eu, respondi, lembro-me eu. 

16/06/2018

"Burgueses somos nós todos ou ainda menos"

Estamos na Feira do Livro. Estamos eu e um mar de gente. Entro num dos expositores de um grande espaço comum e oiço um menino mesmo junto de mim (estávamos todos juntos uns dos outros):
- Ó mãe, disseste que não vínhamos ver livros!!
Eh lá. Mas também se vem à Feira sem ser para ver livros?! penso cá comigo eu. O menino, sem obter resposta da mãe, também ela bem juntinha a mim, concentrada com um livro na mão, responde-me sem saber:
- Ó mãe, vá lá, disseste que vínhamos só comer!!

Saio do expositor e deixo-me ir levada para cima e depois para baixo, num embalar uno, esta massa de gente, enquanto aproveito o arrasto para decidir, vou ou não vou. Está, no espaço central a dar autógrafos, Mário de Carvalho. Não é pelo autógrafo, é, antes, para trocar uma ou duas palavras com ele, ver como é de perto um senhor cuja forma de escrever me tem encantado, a sua história de vida, a simplicidade que lhe brota de dentro tantas vezes em forma de candura, o sentido de humor, luminoso. Mas vou ou não vou? Não, não o incomodarei, ainda para mais já levei desta Feira, há dias, um livro dele que está em casa à espera de mim, não vou levar outro e... ou vou?... Desde que incomodei a Clara Ferreira Alves há duas Feiras atrás quando lá fui com o livro dela pedir o autógrafo que o placard dizia ela estar a dar, e no placard não esclarecia nada sobre ela estar a dar mas sem querer, sem querer aturar os leitores, xô leitores!, a andar!, afinal ela tem mais que fazer e está ocupadíssima a conversar com amigos, mudei. Nesse aspeto, mudei. Mas agora, olhando daqui ele não parece estar a despachar os leitores, ele sorri e conversa, talvez Mário de Carvalho esteja mesmo a dar autógrafos por querer. Vou. Tiro um livro da pilha, "Burgueses somos nós todos ou ainda menos", e ponho-me na fila.

- E Susana com Z ou com S?
- Com S, se faz favor.
Escreve com três dedos de um lado da caneta e o polegar do outro, já tenho visto quem escreva com dois dedos de um lado, mas com três nunca. Eu queria dizer-lhe que o admiro, que gosto do que escreve. E disse, devagarinho disse. Ele agradece, olha para mim, sorri. É uma pessoa doce, impossível não simpatizar com ele. Diz-me que espera que eu também goste de "Burgueses somos nós todos ou ainda menos". Levanto-me, dou-lhe dois beijinhos, agradeço, desejo-lhe felicidades e depois, ai, depois vem o inesperado.
- Se quiser escrever-me para o facebook, terei todo o gosto...
- Oh... mas eu não tenho facebook... - e desta vez custou um bocadinho.

Quanto ao livro autografado, vai quase no fim. Ele tinha razão e talvez eu lho diga na próxima Feira, se o lá encontrar. Que eu facebook é que não, isso ainda não.

15/06/2018

Enfim o post mínimo

Se chamamos à capa de um livro, capa de um livro, chamamos à capa da capa do telemóvel, capa da capa do telemóvel. Um esquisito português este, é certo, mas corretíssimo. E já a seguir usado para expor o seguinte (o post é mínimo). O meu cartão do cidadão mudou-se da minha carteira que pede adjetivos tais como velha, gorda, cheíssima, pesadíssima e também disforme se não bojuda, para uma bolsinha do verso da capa da capa do telemóvel. O meu cartão do cidadão beneficia agora de uma janela, mais arejamento, vai-se virando tanto a sul como a norte, exposto à luz natural ou eletrónica e percebe-se perfeitamente porquê. Mais: ouve as conversas. É um cartão do cidadão que prezo apesar de ostentar nele uma fotografia de mim própria incrivelmente horrenda que está de castigo virada para o lado de dentro da bolsinha do verso da capa da capa do telemóvel.

Também tenho uma coisa para contar da feira do livro, mas hoje não (este post é mínimo).

09/06/2018

#emboraAíchamarOVerão

Dizem as minhas filhas que para se conseguir ler estas coisas começadas no símbolo cardinal e caracterizadas pela ausência de espaços, tem de se pôr maiúsculas que ajuda e eu digo que acentos também.
Este post é de ontem mas ainda está bom. Quer dizer, ainda se aplica, que bom bom não é absolutamente o caso. Ora vejamos.

O junho, o presente junho, deve achar-se no outro hemisfério, não neste. Por exemplo olhai os jacarandás, eles veem-se em esforço de florir – veem-se e desejam-se – está na cara, tão fraco vai o evento. Já a feira do livro, por falar em evento, estava brava e agreste, ventosa e fria e isto foi na visita da semana passada quando ainda tínhamos restos de outono. Quanto ao papagaio também não é posto na rua, isto é, fora do quiosque das flores onde vive todo o ano; devido ao frio mantém-se dentro que ele é exótico ou tropical ou coisa assim, deve ter levado muitas vacinas, pelo menos verde ele é, se calhar também biológico, e com o papagaio dentro é um silêncio daqueles lados. E desconfio que a cadela que vive cá em cima anda a dar-lhe umas lições desde que cresceu, embora não tenha sido muito o crescimento que a deixou bem baixinha, mas vai que se põe a ladrar-lhe com força à janela quando ele bota o discurso, que é só um e o mesmo discurso, lá de ideias não muda o papagaio, para o bairro ouvir se quiser. De modo que também ela, a canídea, tem andado meio chocha, lá ladrar ladra, mas não é aquele vigor do estar à janela a indignar-se para o papagaio, isso não é. Eu entretanto voltei à tomada de chás para aquecer, também não escapei à intempérie. Não sei se já contei que eu gosto mesmo é de café, de chá não. Quer dizer, nem gosto nem desgosto, o chá não tem sabor, nem cor, nem ninguém diz ai que cheirinho tão bom a chá, ninguém. Tem, isso sim, mais calor que o café por ser mais crescido, deitar mais corpo. Até preferia gostar mais de chá caso em que teria o prazer prolongado, contudo não me calhou isso. Calhou-me sim querer o verão e não o ter, bem como nenhuma ideia melhor do que esta reclamação para fazer.

(atualização 10.06.2018, 21h00, na sequência do comentário da Cláudia Filipa a este post)


(dentro do nevoeiro está uma parte da serra que ardeu em junho do ano passado - que esta humidade extemporânea seja, agora, preventiva)

02/06/2018

As minhas filhas são parecidas uma com a outra (juro)

Tanto que os vizinhos mais recentes do prédio julgavam tratar-se de uma e a mesma pessoa até que um dia as viram juntas.
- Ah… vocês são duas?!...
- Somos!
- Mas então são gémeas….
- Não. Temos três anos de diferença.

Na verdade  não chega a três anos, mas elas não se incomodam de cometer esse erro de cerca de 16% com os vizinhos sendo que, contados em anos letivos, são de facto três.

Agora hoje. Estou a dirigir-me à cozinha para começar a fazer o jantar e vou a apertar o terceiro casaco que vesti em cima de outros dois (contas, estas, fáceis). Cruzo-me com a mais velha e digo-lhe, estou cheia de frio, estou farta deste frio. Ela abraça-me e, a rir, opina: ó mãe não está assim tanto frio! E depois

- Tu estás é a ficar velhinha! – continuando a rir.
- Estou mesmo, olha que hoje de manhã enganei-me e disse à tua irmã que vou fazer cem anos este ano…
- Mãe… não foi a ela que disseste, foi a mim!

A questão, depois de uma tarde de trabalho que não me correu bem, que me entristeceu, uma tarde de trabalho em que me senti nada inspirada, coloca-se por exemplo nestes termos:


Tendo eu feito um erro de 100% na minha idade, qual será a diferença, em meses, entre as idades das minhas filhas?

01/06/2018

Post da baleia ou do elefante (do grilo é que não)

Este blogue parece que está a morrer (dá-me pena se ele morrer), mas talvez se tenha metido em modo económico ou isso. O problema é o blogue não se escrever sozinho, nem ao cabo de mais de cinco anos de experiência ele aprendeu mesmo a inteligência artifical estando aí a dar cartas em todo o lado que eu vi muito bem, eu e mais cinquenta e nove mil pessoas ou lá o que foi aquilo do web summit no ano passado, é um facto, ponto. E eu, vírgula, o problema é eu, outra vírgula, que desempenho essa função nele, a de escrever, ser acometida de um embrião de post quando, ou vou a conduzir e não consigo fazer essas duas coisas ao mesmo tempo - conduzir e escrever um post (a sério, a sério!), ou estou já farta do computador devido a trabalhar muito nele.
Deu-me há dias para pensar se aquele túnel em que crirculava seria o do grilo ou seria outro. Oiço muito falar no túnel do grilo na rádio, é um túnel conhecido. Mas eu nunca sei nomes de ruas, com ou sem túneis, entre outros, etc, não posso ajudar. Tirando, ok, a avenida da liberdade e a da república em Lisboa, ah! e a Sidónio Pais, que é linda!. Bom, mas ia então pelo túnel afuera quando pensei será este o do grilo ou não. Lá escrito não está em lado nenhum, pelo menos que eu veja - e claro que devia estar para as pessoas saberem o nome do túnel. Mas não é que fui acometida de o embrião de um post bem lá nesse túnel?! Fui! E é por isso que estamos hoje aqui. Ainda para mais, atenção, o embrião deste post vem com opinião junta, a minha, portanto com licença. (há um barulho na rua que não está a ajudar - é um barulho de obras, faz lembrar o ruído que nos invade, brutal, quando nos enganamos e entramos numa loja de roupas para a camada jovem, mas não tão mau)
A minha tal opinião, iamos aqui, ninguém a pediu, evidentemente, só que eu vou dá-la devido a se usar muito atualmente dar opiniões sem ninguém pedir. Por exemplo nos jornais online: há lá imensas! As pessoas - só mais isto, é um momento - que dão opinião assim na boa (sem ninguém pedir) não raras vezes parece que estão zangadas, não se percebe bem com quem exatamente, mas zangadas, ponto. A minha opinião sobre o túnel do grilo, vírgula, seja esse aquele ali de cima ou outro, estou por descobrir, vou dá-la agora mesmo, é esta: o nome está mal atribuído! Do grilo! Onde já se viu? Um túnel tão grande! (qualquer túnel é grande!) Aliás mal, não, o nome está péssimo!!! O túnel devia era CHAMAR-SE TÚNEL DO RAIO QUE OS PARTA, ai não, tão zangada também não, DEVIA ERA CHAMAR-SE TÚNEL DA BALEIA OU ENTÂO DO ELEFANTE PARA QUEM NÃO SABE NADAR!!

Pronto, acho que resultou. Pareço realmente zangada e o blogue até se agitou para aqui todo, ai que maluco.