Na primeira noite depois de ter saído de casa com as minhas filhas
bem pequenas e ido viver com elas para um também pequeno apartamento no alto de
um prédio, ouvi a maior discussão a que alguma vez assisti. Eu sentia-me
extremamente feliz, é preciso notar. Do outro lado da parede onde estava a
minha cama encostada, essa nova parede, alugada, eles discutiam com ameaças de
morte, eu vou e mato-te, eu também, eu com uma faca, eu com duas. A minha
felicidade egoísta, recém-conquistada, não estava sendo perturbada, mas fiquei
alerta. Ouvia coisas a cair, os gritos de conteúdo já referido de ambas as
partes, dela e dele. Era evidente que não havia um vítima e outro agressor, eram
ambos vítimas. Quando o estrondo quase abanou a parede comum – uma cadeira
talvez, atirada com força – eu preparei-me para chamar a polícia, fazer alguma
coisa. Mas não fiz. O barulho cessou logo a seguir e eu depressa adormeci.
Hoje, passadas quase duas décadas, num prédio erguido alguns
quilómetros mais a norte, ouvi a segunda maior discussão. Aliás, ainda estou a
ouvir. Segunda porque ainda não voaram cadeiras, nem coisas caíram (para além de
lágrimas, isso sim).
(é que lembrei-me, ver título - que vê-se bem)
Notícia de última hora: já se ouve rir e até cantar. O cão ladrar. Melhor, quer isto dizer.