Não se pode ainda saber em que letra cederei. Já tinha dito ao
blogue que o meu teclado preferencial estava, de tanto eu escrever nele, e é
preferencial, já agora, devido ao tchic
tchic suavezinho e adorável das teclas, estava, dizia, sem o A pintado na respetiva
(tecla) e sem o S também e ia a caminho de ficar sem o D (sem fios o teclado sempre
foi, por exemplo). Atualmente já demos baixa do D e do E, estando o C cheio de
vontade de ser o próximo. Por enquanto ainda sei onde as letras estavam
pintadas antes quando o teclado era novo e tanto é que este texto está a sair
uma beleza, quer dizer, sendo um teste à minha memória tenho passado
bem.
a voz à solta
28/03/2019
27/03/2019
Rosas púrpuras (gostava de saber para que serve este blogue)
Levou-me o embate a sentar, quebrada, num banco da cidade ao
sol. Viste-me nascer, disse-lhe por dentro. A cidade não respondeu de um modo personalizado. Continuou oferecendo
o seu pulsar costumado, desenvolvido no ror de automóveis aos arrancos, obedecendo ao alternado das cores dos semáforos, nas bicicletas agora todas da
comunidade, as tão giras, a contornar pela direita com regras, e ainda se pode dizer nas
sombras das árvores primaveris que eu tinha observado da janela do terceiro
andar pouco antes. Um homem muito gordo e sujo veio perguntar-me algo que não
entendi. Enxotei-o. Pediu-me desculpa e afastou-se, foi abordar outros que
passavam pendurados em telefones retangulares de vidro. Fui egoísta e má. E a
sombra, toda lenta e silenciosa, vinha aproximando-se por trás com certeza. Primeiro
atingiu-me na nuca, cobrindo-me depois a cabeça com o seu véu frio, hoje ventoso, e
a seguir eu toda até aos pés. Engoliu-me, isso sim, na silhueta arquitetónica do
edifício já deitada no chão. Levantei-me da cidade. No
caminho para casa, comprei um ramo de rosas púrpuras, que ao contar dá oito. Ofereci-as à sala, e que lindas.
26/03/2019
Espertos
Talvez os personagens dos contos de Tchékhov tenham tido existência
justificada nesse fervor doentio, interno, que é possível deveras sentir-se por intenso e longo tempo. Eles, mestres na chantagem
emocional disfarçada de inocência, de devoção, invocando memórias de mortos ou, com menor teor poético, apenas os ossos jazendo no caixão de alguém, ido e portanto poderoso, entre choros
histéricos revestidos dessa presumível inocência trabalhada com astúcia experiente, afinal,
eles encontraram por certo uma via para a descarga. Do tal fervor doentio,
interno. Desse sentido de desvio do centro de energia fundamental que uma alma ferida, tropeçando, caindo, pode carregar dentro. Espertos.
22/03/2019
O bode
A lareira está a fumar mal. Normalmente isto sinaliza uma
altercação no vento, ou passou de muito a pouco, ou o contrário, não estou
certa. Uma altercação no vento quando não é um gordo-e-bem-nutrido-de-favos ninho
de vespas. Das verdadeiras. Lá havia sido construído o ninho na chaminé a
ocupar o espaço do fumo. Muito mal escolhido o local. Mas isso foi em dois mil
e quinze e já passou: brigada das infestações de várias espécies que também
tratam de vespas, teve de ser. No entanto, assinale-se que depois de o ninho
sair com os favos de seis lados, aquela maravilha que dá vários documentários
sobre a natureza que a gente vê na Netflix (se a gente quiser), ainda tinha
imensas larvas a contorcerem-se todas vivas. Portanto ok. Mas agora é coisa do
vento.
Isto para contar que fomos ver as cabras da D. Isilda,
que ela disse escrever-se com “s”, quando eu perguntei. O marido, o Sr. Carlos,
é de opinião que se escreve com “z”. Bom, ela ganha, que é a dona do nome (a
discussão também não durou muito). Tem agora quatro e um macho. O macho deita um
belo corpo que diz o Sr. Carlos pesar aí uns oitenta quilos. D. Isilda
confirma. Oitenta quilos de bicho esse Chibo! (chamou Chibo ao bode, a
maiúscula é minha). Eu, para ser franca, dava-lhe mais de oitenta. Aquela
pesagem deles é feita muito a olho. Então, D. Isilda, o macho nunca sai? As fêmeas
tinham acabado de chegar do passeio, com o Sr. Carlos e dois cãezitos a
saltitar, e já estavam a regalar-se com uma taça de milho cada uma. O macho
saiu uma vez, mas marrou-me, diz D. Isilda. E eu fui ao chão e fiquei com uma
perna toda negra, que esse bicho, está a ver, tem uns oitenta quilos! Tive de
chamar o meu marido, eu já não me levantava dali. O bode agora só fica para cobrir
as fêmeas, para isso é muito bom! Ainda há tempos vendi dois cabritinhos! Eu tive
pena do bicho, sempre dentro do curral… mas também tive um bocadinho de medo
dele, que me leva muitos quilos de avanço. E D. Isilda tem de preservar a sua
saúde. Faz dois queijos por dia com o leite das quatro cabras. Tudo misturado,
o leite das quatro? Sim, tudo misturado. Vêm jornalistas, vem gente de todo o
lado comprar-lhe os queijos! Ela própria já foi à televisão mostrar como faz o
seu queijo que, diz ela e o Sr. Carlos anui, não há melhor! Dois por dia. E
vendeu-nos um. Fresco. E mais outro, seco. O seco teve de o ir buscar lá acima –
ela apontou vagamente para o topo da casa onde moram, eles e os cães, que agora
já me estão a parecer quatro. Ou cinco. Quando saímos, prometendo voltar para
um workshop de queijo, ficaram os
cães a ladrar no quintal. E eu penso que ali, numa aldeia que se salvou do fogo de há dois anos devido à linha de sobreiros que fizeram de árvores bombeiras, dizem, são todos felizes. Menos, talvez,
o bode. Ou, ainda assim, quem sabe não.
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