a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

22/03/2019

O bode

A lareira está a fumar mal. Normalmente isto sinaliza uma altercação no vento, ou passou de muito a pouco, ou o contrário, não estou certa. Uma altercação no vento quando não é um gordo-e-bem-nutrido-de-favos ninho de vespas. Das verdadeiras. Lá havia sido construído o ninho na chaminé a ocupar o espaço do fumo. Muito mal escolhido o local. Mas isso foi em dois mil e quinze e já passou: brigada das infestações de várias espécies que também tratam de vespas, teve de ser. No entanto, assinale-se que depois de o ninho sair com os favos de seis lados, aquela maravilha que dá vários documentários sobre a natureza que a gente vê na Netflix (se a gente quiser), ainda tinha imensas larvas a contorcerem-se todas vivas. Portanto ok. Mas agora é coisa do vento.

Isto para contar que fomos ver as cabras da D. Isilda, que ela disse escrever-se com “s”, quando eu perguntei. O marido, o Sr. Carlos, é de opinião que se escreve com “z”. Bom, ela ganha, que é a dona do nome (a discussão também não durou muito). Tem agora quatro e um macho. O macho deita um belo corpo que diz o Sr. Carlos pesar aí uns oitenta quilos. D. Isilda confirma. Oitenta quilos de bicho esse Chibo! (chamou Chibo ao bode, a maiúscula é minha). Eu, para ser franca, dava-lhe mais de oitenta. Aquela pesagem deles é feita muito a olho. Então, D. Isilda, o macho nunca sai? As fêmeas tinham acabado de chegar do passeio, com o Sr. Carlos e dois cãezitos a saltitar, e já estavam a regalar-se com uma taça de milho cada uma. O macho saiu uma vez, mas marrou-me, diz D. Isilda. E eu fui ao chão e fiquei com uma perna toda negra, que esse bicho, está a ver, tem uns oitenta quilos! Tive de chamar o meu marido, eu já não me levantava dali. O bode agora só fica para cobrir as fêmeas, para isso é muito bom! Ainda há tempos vendi dois cabritinhos! Eu tive pena do bicho, sempre dentro do curral… mas também tive um bocadinho de medo dele, que me leva muitos quilos de avanço. E D. Isilda tem de preservar a sua saúde. Faz dois queijos por dia com o leite das quatro cabras. Tudo misturado, o leite das quatro? Sim, tudo misturado. Vêm jornalistas, vem gente de todo o lado comprar-lhe os queijos! Ela própria já foi à televisão mostrar como faz o seu queijo que, diz ela e o Sr. Carlos anui, não há melhor! Dois por dia. E vendeu-nos um. Fresco. E mais outro, seco. O seco teve de o ir buscar lá acima – ela apontou vagamente para o topo da casa onde moram, eles e os cães, que agora já me estão a parecer quatro. Ou cinco. Quando saímos, prometendo voltar para um workshop de queijo, ficaram os cães a ladrar no quintal. E eu penso que ali, numa aldeia que se salvou do fogo de há dois anos devido à linha de sobreiros que fizeram de árvores bombeiras, dizem, são todos felizes. Menos, talvez, o bode. Ou, ainda assim, quem sabe não.

5 comentários:

  1. E este, que é um post tão saboroso, delicioso e tudo, como hão-de ser os queijos da D.Isilda e que conta de coisas tão reais como eles, os queijos, ainda por cima, deixou-me toda caída em amor, até vou escrevê-lo com maiúscula e destacá-lo com vírgulas, Amor, é que, Isilda, também com "s" era o nome de um dos meus grandes amores, grande, grande, era o nome de uma das minhas avós, que eu amava descomunalmente (dá erro, no "descomunalmente", mas é assim que quero que fique), ou melhor, que eu amo, que os grandes amores são assim, mesmo quando as pessoas partem, continuam a latejar nos que ficam.

    (Também tive pena do bicho, mas, quem sabe, talvez se tenha habituado, por não ter conhecido outra coisa, quem sabe...Tal como terminas-te, "Ou, ainda assim, quem sabe não.". Ou então somos nós, tu que escreveste e eu que li, está a custar-nos a possibilidade de existir ali um infeliz, ali e aqui no fim deste post)

    Que regresso tão bom, Susana!

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    1. * tal como "TERMINASTE", claro :-)

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    2. Muito obrigada pelo teu comentário, Cláudia. A tua generosidade é que é muito saborosa, terás noção disso?

      Que feliz fico de não ter mudado o nome desta senhora (às vezes mudo os nomes aqui no blogue, mas desta vez não mudei, ela é mesmo Isilda). Sei muito bem de que tipo de amor, Amor, falas. Sei mesmo muito bem. O meu (Amor de avó) também descomunal chamava-se Irene.

      Um abraço bem apertado, Claúdia.

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  2. Que maravilha. E traz-me recordações. É que eu já provei uns certos queijos maravilhosos de umas certas ovelhas de uma certa aldeia que não ardeu à conta de uns certos sobreiros. Estar-se-á por acaso a falar da Ferraria de São João? Ou talvez de uma certa aldeia nos arredores desta :)

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    1. Nem mais, GM. A aldeia é mesmo essa, Ferraria de São João. Boa para uns passeios de BTT, certo? :-)

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