a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

24/01/2015

Estalactites pendulares ou os carapaus de pé

Passam dez minutos das dezasseis horas de uma sexta feira de dois mil e quinze, e é ao som de La Traviata que isto acontece. Isto e espreguiçar-me sem ninguém ver, o trabalho da semana está a chegar ao fim e o meu cérebro adianta-se, deixa-se invadir por três pensamentos, qual deles aqui desfiar é que vamos ver.

Por um lado, um dos posts mais visitados neste blogue sossegado tem um link para aqui e creio que é esta a razão.

Por outro, esta ópera continua a dar-me, em certos momentos, uma vontade persistente de patinar no gelo, caso para não me deixar encarquilhar muito sem tratar do assunto, mas isto, claro, é apenas quando puder ser e quando tanto o trabalho como o aquecimento global o permitirem.

Vamos lá então a este. Naquele fim de dia saio do chuveiro nada encarquilhada, ainda me encontro a meio da casa dos vinte, são dezoito e quarenta e a loja fecha às dezanove, que eu vi, portanto pernas para que vos quero. É o último dia na estância de esqui e eu vou comprar as calças da marca que me apraz comprar nem que chovam picaretas, por acaso até esteve um belo dia de sol instalado nos quinze graus negativos providenciados pelos Alpes franceses que me vêem correr agora mesmo rua fora, a loja que quero é a última.

As meias grossas, muito próprias, que lavei ontem e que ficaram a secar junto ao aquecedor do apartamento alugado estão que nem dois carapaus ressequidos, acho que as conseguirei pôr em pé quando voltar com as calças na mão, quer dizer no saco, e isto faz-me rir enquanto corro de cabelo molhado pela rua de lojas, mas não por muito tempo. De repente, ainda nem a meio da rua vou, sinto algo duro bater-me na cabeça insistentemente, será chuva será gente, chuva não é certamente e gente não anda aqui (variação), é especialmente na nuca que a desconhecida dureza me bate com a cadência dos meus passos corridos.

Esqueço-me por um instante dos carapaus secos, de me rir, da alegria de comprar umas calças El Charro, estaco no frio e levo a mão à cabeça. Tenho, como seria de esperar já que a natureza não anda distraída a pensar em compras, o cabelo congelado a formar estalactites pendulares na corrida. Maravilhada com isto, que ter o cabelo congelado torna-se assunto muito interessante, entro na loja ainda com a mão na cabeça, belos pêndulos estes mas um calor aqui dentro, de modo que se acaba logo a brincadeira.


De volta à sexta feira de dois mil e quinze onde íamos, sou capaz de referir que me espreguiço mais uma vez, La Traviata não se incomoda nada, lá lá lá, esta tarde segue tão lenta, passaram apenas três minutos mas eu já não tenho as calças El Charro há muitos anos, nem o meu cabelo tornou a congelar nem eu me lembro se consegui pôr os carapaus de pé.

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