a voz à solta


Se leio, saio de mim e vou aonde me levam. Se escrevo, saio de mim e vou aonde quero.

17/05/2015

Jacarandás

Finalmente sento-me no terraço, pego no livro. O sol já desceu muito, está tudo torto. O dia muda-se para o meio do oceano, a manhã vem a caminho agarrada à noite, a semana vai chegar cedo.

As horas correm como as formigas grandes (não as agarro).

Mas finalmente o livro no terraço. Abro-o, começo a ler. A meio da página uma grande formiga de maio (mesmo grande) entra no meu campo de visão periférica sem ninguém a chamar e eu vai que lhe aponto a vista central e é isto: a sombra da formiga grande corre lado a lado com a sua dona, é ainda maior que ela mas não a consegue ultrapassar, corre a uns dois passos de distância (passos de formiga).

Devolvo, ainda com o sol no cabelo e convicção ora redobrada, a vista central à página do livro. Estamos sentados dentro do autocarro que circula numa rua estreita da cidade. Gosto de ler momentos íntimos das cidades, ver-lhes a tripa à mostra sem elas saberem que estou a olhar, descobrir-lhes um ângulo escondido, um suspiro de cimento vibrante, nem sei como gosto disto mas sempre gostei, as cidades são almas gigantes que me fazem sentir pequena e dentro delas me perco de mão dada com o livro.

Passa-me rente ao ouvido um insecto gordo e abelhudo, outro filho deste maio quente, vai a zumbir alto como seria de esperar de um insecto assim e a seguir choca inesperadamente com o pilar do telheiro, tac. De novo a minha vista central se apeia do autocarro, espreita debaixo do telheiro, não, o insecto não caiu, recuperou o norte que levava no pêlo e fugiu com uma dor de cabeça das grandes (e de maio), mas isto sou eu a dizer.

Desta vez entrego-me ao livro como me entrego a ti, a ver se vai. Sorrio por dentro do autocarro, que saiu da rua estreita e nos deixa ver exactamente o que te vou mostrar amanhã.

Os jacarandás começaram a florir.

8 comentários:

  1. A semana chega quase sempre cedo demais. Os jacarandás bem podiam estar sempre em flor. :)

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    1. Assino isso aí. Os jacarandás merecem estar sempre em flor. E nós com eles. (é que eu quando vejo jacarandás assim, fico com as pétalas todas borrifadas, pois fico) :-)

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  2. Olá, Susana.
    O sossego da leitura interrompido aqui e ali, pela vida que sai às ruas em maio =)
    Ah, os jacarandás em flor... como disse tão bem, a Luisa aqui "em cima": "podiam estar sempre em flor".
    bj amg

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    1. Olá Carmem :-)

      O sossego da leitura às vezes demora a chegar.
      Eu cá se mandasse, fazia os jacarandás estarem sempre em flor. E as magnólias também. :-)
      Beijo, Carmem.

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  3. Este ano, tardam as flores... ou eu e o tempo andamos às avessas. Faz-me falta a cor que se torna mágica à luz do alvorecer .
    Beijos, Susaninha querida.

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    1. Tardam um bocadinho, pois tardam. Mas hão-de chegar. Chegam sempre. :-)

      Beijinhos, querida M D.

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  4. E com as flores chegam os sorrisos :)
    boa semana Susana :)

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    1. Se chegam! As flores são pérolas inacreditavelmente belas. Capazes de desencadear os melhores sorrisos :-)

      Boa semana, Just.

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