Do dia sobramos eu e o aroma do creme de espinafres a que se
pode também chamar sopa por toda a casa. Não gosto de muitas vírgulas nem de
maiúsculas inúteis ou ainda de numerais que não por extenso, dado que sujam o texto. Até
mesmo no norte do país, por exemplo, na estação de são bento, onde as maiúsculas
perdem o comboio, acredito que se possa chamar sopa a um creme aveludado, verde escuro brilhante, aromatizado, não metalizado, de espinafres. Ao domingo, quando estou em casa e já despachei
a roupa dobrada em postas para dentro de gavetas famintas ou mesmo prateleiras,
cozo bolos no forno. O aroma que se solta do produto crescente ao calor de
graus celsius aglomerados na ordem da centena quase duas, é capaz de catapultar
pessoas como eu para lembranças felizes, souvenirs
de infância (já itálicos ficam muito bem, conferem glamour ao texto). Quer dizer, eu corro por cheiros, aromas, ondulações finíssimas de fazer fechar os olhos devagar. No supermercado
não muito, para não dar com o carrinho nas curvas em escaparates de latas de
atum em saldo, sardinha é que agora não, ou baldes de detergente em pó para a
máquina mas sou pessoa para tirar um pimento verde da zona dos pimentos verdes
só para o cheirar até lhe extrair a última centelha de alma, isto já em casa.
Se organizarmos agora o texto para irmos daqui em paz, temos o bolo
a cozer no forno, a sopa acabada de fazer, o pimento verde e fresco metido no
nariz (praticamente) ou – esquecia-me, bato com a mão na testa – o café ao
sábado de manhã com o sol esparramado no chão da cozinha e temos leitores generosos que aturam os textos
lisos sem adereços obrigatórios do bom português e que até talvez tenham reparado que
o atum nunca está em saldo.
Se no futuro me calhar a gestão de um pequeno supermercado,
adopto os costumes do catálogo do ikea, que é uma revista surpreendente se for
lida, e explico tudo com uma arte criativo-impactante, por exemplo porque se expõe as embalagens de natas junto aos morangos em junho ou os preservativos perto do champanhe no fim do ano e, claro, esclarecerei porque está o atum não em
saldo mas em promoção.
(não dei conta consciente, mas sou bem capaz de me ter inspirado aqui para produzir este post)
Olá Susana. Ainda ontem pensava no deslumbre que se acende sempre que leio o blogue de Amsterdam, é uma coisa da pele de dentro. E sobre este último post (lá), apetecia-me comentar mas não posso. É mais um aspecto que aprecio (lá), o silêncio (como nos livros).
ResponderEliminarPor cá, "o café ao sábado de manhã com o sol esparramado no chão da cozinha", e não só, faz de mim uma leitora assídua e nada generosa. Bom fim-de-semana.
Olá Lady Kina, concordo. Ler o blogue da Ana Cássia Rebelo é um prazer maior em termos de leituras. Por vezes também gostaria de lá poder comentar, mas enfim, não se pode ter tudo.
EliminarMas não concordo que não seja uma leitora generosa. Ora se é assídua!...é generosa.
Um beijo e obrigada pelas suas valiosas palavras.
É extraordinária essa descrição do prazer que pareces sentir em relação ao que se passa na cozinha. Aromas, sabores, cores, texturas... E também no supermercado.
ResponderEliminarE digo extraordinário porque já tentei que essas rotinas pequenas pudessem equilibrar a parte chata das grandes.
[Tens a caixa de comentários encerrada no post do dia dez. É só para te dizer que gostei de te ver dançar no claustro!]
Beijo, Susana.
Obrigada Isabel, que bom é ter os teus comentários! Eu acho que os momentos que pautam a passagem do tempo, aquela passagem pela qual não damos, são os mais comuns do dia a dia, passam-se na cozinha, de facto, ou no supermercado. Servem bem para posts e para nos irem estruturando os dias.
Eliminar[obrigada! :-)]
Outro beijo, Isabel.
As cozinhas são, normalmente, sítios acolhedores que reconfortam, pelo menos para mim são. E há cheiros e cores que aquecem a alma.
ResponderEliminarA Lady Kina, fez-me ter vontade de dizer que não sou apologista do "silêncio" nos blogs, acho que dá para perceber ;). Primeiro, porque por aqui o silêncio está sempre garantido mesmo quando falamos e depois porque eu gosto muito de ler pessoas a dizerem coisas sobre aquilo que leem e até tenho pena que as caixas de comentários dos "meus bloggers" não estejam mais cheias de gente com coisas para dizer, em silêncio. Por exemplo, queria tanto ter pedido à Mãe Preocupada, por favor, não afaste o senhor Pereira do blog, mas como sou preguiçosa para utilizar o correio, não disse nada. Parece que não lido muito bem com coisas que ficam por dizer quando há vontade, com som ou sem ele. E portanto, tenho de concluir, que isto de comentar (no meu caso) não é um ato de generosidade, mas de puro egoísmo.
Beijinhos, querida Susana :)
Querida Cláudia, realmente este blogue tem-me trazido muita fruta fresca que nasce em árvores plantadas não por mim, parece magia e isso é - no mínimo - surpreendente. Muito obrigada pela tua luminosa presença.
EliminarA Mãe Preocupada é um blogue em que - como uma vez a São João do já fechado Febre dos Fenos disse no grande Pipoco - todos os posts sem excepção são perfeitos. Eu já perdi a vergonha há muito e "falo" com a MP por email, porque nem sempre me consigo segurar sem ir a correr dizer-lhe que ela é um génio, embora costume usar palavras mais contidas, não vá ela achar-me muito louca (sou um bocado). Eu estou em crer que o Senhor Pereira vai por lá continuar, Cláudia, talvez dentro de algum tempo esteja de volta. No fundo, ele não é mais que um espelho de todos nós, ou será que não somos todos uma mistura onde se encontram maravilhas doces adoráveis mas também pecados obscuros incompreensíveis?!
Quanto a esse acto de egoísmo (ainda escrevo acto com c, mas em breve vou mudar) tenho muito para dizer mas talvez noutra altura, por agora fica o incentivo para mais egoísmos dos teus, são tão bem-vindos.
Um beijo, querida Cláudia, e um excelente domingo.
Claudia, para mim vale mais um único mail do que mil comentários com preguiça :-)
ResponderEliminarSusana, obrigada. Fique tranquila, porque loucos somos todos.
Um abraço
Obrigada, MP. Somos todos ao menos um pouco loucos e que bom é sermos assim. :-)
EliminarOutro abraço. Gosto muito de a ver por cá, já sabe.