- A senhora deseja alguma coisa?
A senhora sou eu e desejo chegar a casa.
- Sim, por favor, um café - respondo.
A hospedeira estende-me dois copos, um com o café tapado com tampa plástica equipada com um orifício de forma rasgada muito interessante, o outro vazio, transparente, com uma colher preta dentro, tanto plástico, tomara alguém inventar menos embalagens, quiçá eu um dia, e dois guardanapos. Açúcar e leite não vêm no conjunto, eu disse não obrigada.
- Aqui tem. Cuidado, está muito quente. Espera três minutos e tira a saqueta, sim?
Com certeza que o farei e não me hei-de eu queimar, mas antes paguei os três euros devidos. Três euros por um café a onze mil metros de altitude, com vista panorâmica sobre um pôr-do sol que me deslumbra, é dinheiro bem empregue.
Enquanto espero, levo o nariz colado ao vidro da janela, que está à minha direita, e nem me mexo. Podia fotografar, isso podia, mas far-me-ia perder tempo o extrair a máquina da mala, e depois o tentar evitar a asa do avião que fica tão a mais nas fotografias, entorta-as todas, não, não me mexo. Vou absorvendo a vista com a minha, torço o pescoço um pouco para trás e enquadro o laranja mais intenso no centro geométrico do meu campo de visão, a asa já vai de fora e acho que eu também.
Quando me sinto três minutos mais velha, relógio não o levo, levanto a tampa de plástico branco que cobre o café e sim, olá, cá está a saqueta e parece exausta, tirem-me daqui. Com a ajuda da colher preta de plástico que já entrou na história ali em cima, retiro a saqueta de dentro do copo cheio e deposito-a no outro, traz uma grande barriga, esta saqueta, e deita-se, agora parece satisfeita, no fundo transparente, preenchendo-o como se de fluido se tratasse, acho que vai adormecer.
Encaixei, não sei se já lá vão muitos detalhes mas tem de ser, já expliquei que não há fotografias, encaixei, com muito jeitinho, a tampa plástica no copo de papel que se mostra firme e não resvala, também gostava eu de ser sempre assim.
O livro que vinha a ler e que vai deitado na mesa-tabuleiro no teatro destas operações, não está a gostar da manobra e começa a deslizar, a ameaçar fazer-se ao chão entre mim e a passageira ao meu lado, mas eu ainda não encaixei a tampa completamente, eh pá, ó livro, espera lá sossegado que é preciso não nos queimarmos.
Com a destreza que pude reunir encaixo a tampa e apanho o livro a dobrar a esquina, já a fazeres-te à pista, mas que pressas são estas ó livro, serão as minhas? eu também quero chegar a casa.
Mas primeiro um rico cafézinho, que é o que se segue. Eu cá bebo café em qualquer lugar, café é café, espécie de coisa sagrada ponto final. Não percebo nada quando as pessoas dizem que só a nossa bica é que é boa, e o resto água suja. Ora, água suja!
Para mim, já que viemos até aqui continuamos a dissertação, para mim o café é muito mais do que a bebida, é tudo aquilo que se faz enquanto se bebe. Tudo o que se ouve e se diz, se pensa ou se cheira, se aquece, se vê, se contempla, se planeia, se lê.
Ou se escreve. Ou não teria certamente Hemingway contado tão bem porque é Paris uma festa.
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