17/11/2013

Folha de hortelã

Para a viagem pus na mala três livros, dois para ler e um para escrever. Um dia ainda hei-de viajar só pelo prazer de ler em viagem. E escrever, ler e escrever.

Apanho o táxi para o aeroporto na praça do costume e desta vez o motorista é desconhecido, mas só até me pôr a par da sua história.

Homem de quem a juventude já se despediu, mas a velhice ainda não conseguiu saudar, diz-me que vai ficar frio no fim de semana, minha senhora. Oito graus. E vai fugir do nosso frio ou vai para mais frio, quis ele saber. Vou para mais frio, mas primeiro é para o aeroporto, se faz favor (há momentos em que me é de todo impossível conter a vontade de gracejar). Ele perdoa-me e continua.

Sabe a senhora que eu gosto de pegar cedo ao trabalho, às cinco horas faço a minha higiene, banhinho (juro que ele disse banhinho), e às cinco e meia já estou no carro, minha senhora. E levo muita gente ao aeroporto, muita gente, entro e saio do carro, por causa da bagagem, àquela hora, e não me constipo. A minha mãezinha (e agora disse mãezinha), teve oito filhos e nós andávamos descalços a fazer ski no gelo que havia na erva de manhã, sabe a senhora, caíamos muito, mas ninguém se importava, não tínhamos frio. Depois comíamos a canjinha (sim, canjinha) com aquelas galinhas, um bocadinho de sal, uma folha de hortelã e a gordura dava-a a galinha, era aquele cheirinho (cheirinho)! Ah, aquilo é que eram tempos, minha senhora. Dos meus irmãos só ficámos vivos quatro, os outros morreram com dias ou com meses, sabe, era assim, os mais fortes é que vingavam. Por isso é que eu não me constipo, concluiu.

Chegamos ao aeroporto, a viagem até aqui é curta, e ele, com um suspiro que o traz para o momento presente, informa-me: são cinco euros e noventa e cinco cêntimos, minha santa senhora.

Eu, com a mão em curso de mergulho na profundeza da minha mala em busca da carteira, sou apanhada de chofre, santa?!

Sim, diz ele, eu sei ver quem são as pessoas e a senhora eu vi logo, é uma santa senhora. E digo isto porque é mesmo, que há senhoras que falam falam e é cá uma conversa que eu mando-as falar com o marido delas.

Paguei a corrida, agradeci-lhe o cumprimento e cruzei as portas automáticas do edifício, que me pareceu darem-me as boas vindas com aquele escorregar certeiro, a abrir caminho, ou então é de me sentir santa.

É que isto é homem que sabe do que fala, penso, enquanto subo o tapete rolante.

Canja de galinha fica mesmo muito melhor com uma folha de hortelã.

Sem comentários:

Enviar um comentário